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A Criada

A Criada

5.0
10 Capítulo
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Sinopse

Índice

Ser uma mulher comum em meio a um mundo de magos poderosos, nunca foi problema para Angelique Lacey, ela sempre aceitou seu lugar. Ao ser contratada para trabalhar em uma escola de magia como faxineira, um dos professores mais cobiçados do lugar percebe que aquela mulher não tem nada de comum. Charles Prescott não perde tempo ao fazer um acordo com ela, oferecendo seus serviços acadêmicos em troca de ter uma criada sempre a postos para qualquer coisa que ele precise. Qualquer coisa mesmo.

Capítulo 1 Uma Braçal Qualquer

Ponto de Vista Charles Prescott

O castelo de Cramburg era minha casa, meu trabalho e meu refúgio durante o ano letivo. Voltar para a casa na Rua Quatro na pequena cidade de Semset, era tão inútil quanto desagradável. Como se nada além dessas paredes me trouxesse qualquer consolo, na escola eu podia me manter ocupado.

Foi entre essas paredes, também, que a vi pela primeira vez.

Estava parada em uma faixa iluminada no hall de entrada, vinda da porta por onde ela havia passado como se aquela luz fosse feita para ela, seu vestido de verão era tão escuro quanto o chapéu que protegia sua cabeça, seus saltos quebravam o silêncio de agosto quando ela se movia lentamente, tentando espiar os corredores.

- Posso ajudá-la?

Ela se virou para mim, lábios entreabertos que logo se curvaram em um sorriso, nariz e bochechas queimados do sol, ela tirou o chapéu pontudo puxando para baixo pela aba e seu rosto sumiu atrás dele por um segundo antes que eu pudesse ver seus olhos de novo.

- Olá, eu sou Angelique Lacey. Você é o diretor Jones?

- Você disse Jones?

- Sou eu - o homem surgiu de algum lugar das sombras, andando animadamente como nunca vi, tinha penteado o cabelo, ao que parece, depois de anos – David Jones, diretor de serviços diversos.

Ele estendeu a mão para ela e a jovem Lacey a segurou sem mudar sua postura. Jones pediu que ela o acompanhasse, seu tom de voz era surpreendentemente cordial e até mesmo Pequena Lili parecia confusa, tropeçando nas próprias patas caninas.

- Obrigada - Lacey levantou uma sobrancelha para mim.

- Professor Prescott.

- Obrigada, Professor Prescott - o sorriso de novo, quebrando qualquer defesa minha e me fazendo sorrir de volta, pelo menos eu esperava que parecesse um sorriso.

Lacey seguiu o homem e tive pena ao pensar nela sentada na saleta minúscula e úmida do faxineiro. Esse pensamento me deixou paralisado enquanto ela caminhava com curvas volumosas bem desenhadas sobre os saltos.

Antes de virar no corredor, Angelique olhou para trás e ainda sorria.

Não importava o que Jones estava aprontando era uma questão de tempo até chegar a mim. Como o esperado, não demorou até que eu fosse chamado à sala do verdadeiro diretor.

O escritório estava totalmente silencioso enquanto eu subia as escadas, ao chegar no topo a cena era outra.

Angelique estava sentada à frente do diretor, um inclinado para o outro, a postura impecável da moça mostrava resiliência, as mãos juntas no colo deixavam claro sua posição inferior. Arthur mantinha um cristal translucido apontada para a cabeça dela, puxando algumas memórias avermelhadas com delicadeza.

Ele as colocou em um cristal e em seguida o encaixou em um estojo próprio então levantou os olhos para mim, fazendo Lacey virar o rosto por cima do ombro, seu sorriso se abriu.

- Ah, Charles - o diretor mostrou um sorriso mecânico - creio que já conhece a Srta. Lacey.

Dei alguns passos à frente.

- Nos apresentamos brevemente - eu já estava apreensivo com a formalidade desnecessária.

- Ótimo, a Srta Lacey está sendo contratada por Cramburg como - ele fez uma pausa e agitou as mãos como se buscasse as palavras certas - serviços diversos.

Uma empregada. Isso me intrigou, como uma jovem bonita e educada se coloca em um cargo tão baixo?!

- Seja bem-vinda.

- Obrigada, professor Prescott.

Tinha algo no jeito que ela me olhava de baixo, que mexia com meus pensamentos mais secretos.

- E no que posso ser útil? - me dirigi ao diretor.

- Acredito que David já abusou da paciência da Srta Lacey o suficiente por hoje, se você puder levá-la até o dormitório dos empregados.

- Claro, você me acompanha? - por um momento minha mão pareceu ter vida própria, mas consegui conter o impulso de oferecer para que Angelique a segurasse.

- Sim, obrigada diretor - ela olhou com cumplicidade para o homem que assentiu.

Eu segui na frente, no lado de fora da sala, Jones esperava ansioso andando de um lado para outro.

- Procurando o que fazer?

- Ah, não. Sei muito bem o que estou fazendo - ele olhou para além de mim - Angie, vou te mostrar seu quarto.

- O diretor me incumbiu dessa tarefa.

- Eu já estou indo para lá, meu quarto é bem ao lado - era nítido como ele se forçava para manter a cordialidade.

- Às quatro da tarde? Ao invés disso, pode tirar os chicletes presos embaixo das mesas na minha sala de aula.

- Em relação a isso, estou esperando a Srta. Lacey, para ensinar o trabalho.

- Sei - fiz um sinal para Lacey e segui pelo corredor em direção às escadas.

Os aposentos dos empregados eram na parte mais afastada das masmorras, virando à esquerda depois da última sala e descendo alguns degraus. Era de pedra, escuro e úmido.

- Espero que não tenha problemas respiratórios.

- Não, senhor.

- E não deixe que Jones te coloque para tirar todos os chicletes das carteiras ou vai acabar lavando todas as privadas também.

- Sou assistente dele, acho que não tenho muita escolha - a voz dela saia suave e baixa, parecia treinada para obedecer, apesar de sua resposta ter mostrado insatisfação.

Parei na frente da porta antiga e virei para ela.

- Não é assistente, não há como existir um cargo abaixo de Jones. Ele é um braçal.

Ela engoliu em seco, mas então sorriu novamente. Abri a porta que rangeu em um barulho agudo.

- Esse é seu quarto, deve colocar um segredo.

- Um segredo? Não tem chave?

- O segredo é a chave. Deve informá-la ao diretor futuramente.

- Como eu faço?

- Não sabe usar um encantamento simples?

- Eu não tenho magia, Professor.

Angelique não desviou o olhar do meu, ao contrário do que eu poderia pensar ela se manteve firme e impassível, agiu com total naturalidade.

- Entendo - procurei no seu rosto qualquer sinal de vergonha ou pesar em ser um braçal, não encontrei - nesse caso, irei providenciar uma chave.

- Obrigada.

Apesar do seu queixo erguido e voz calma, o sorriso havia sumido. Não a culpo, meu olhar de decepção ao ser informado da sua condição estava explícito.

Assenti brevemente antes de seguir meu caminho de volta até o tédio sublime das férias de verão.

Não me considerava alguém superior, mas os braçais estavam cada vez mais escassos por um motivo, eram mais fracos, suscetíveis a doenças invisíveis, não possuíam magia e, normalmente, se juntavam em grandes fazendas de cultivo.

Não era uma realidade que eu conhecia, nos últimos vinte e cinco anos, dei aula de magia e encantamentos em Cramburg.

Eu e Lacey estávamos em lados diferentes na dinâmica do mundo e quanto antes entendêssemos isso, seria melhor.

***

Ponto de Vista Angelique Lacey

Ele não olhou para trás, assim era melhor. Mesmo que eu tenha observado o professor até que ele sumisse no corredor.

Onde eu estava com a cabeça? Acreditar que todos os sorrisos que dei a ele a suas retribuições singelas fossem gestos suficientes para superar minha posição social e ganhar algum respeito.

Ouvi um latido distante e me apressei em entrar no quarto, fechei a porta deixando o ambiente escuro, a única luminosidade vinha das vinhas da cerca viva que brilhavam, bloqueando o sol do outro lado da janela.

Andei até minhas malas no chão e tirei uma luminária a pilha, que coloquei sobre a escrivaninha. O quarto era pequeno, uma cama de solteiro usava a janela como cabeceira, ao lado da porta a escrivaninha, na parede lateral um armário pequeno e na frente deste havia uma porta que dava para o banheiro, um chuveiro a gás, um vaso e uma pia pequena sem banheira ou gabinete, nenhum luxo além do espelho trincado.

- Vamos, Angie. Transforme isso em um lar, é melhor que onde estava.

Abri as malas e comecei a separar as roupas, depois de tirar as teias de aranha do armário o espaço foi logo preenchido pelos vestidos. Fiz a cama com lençóis brancos e coloquei o objeto cilíndrico de gel debaixo do travesseiro.

- Você fica aqui, querido.

A escrivaninha tinha alguns livros, mas nenhuma foto, as malas vazias foram para cima do guarda-roupas.

Não encontrei nenhum interruptor ou tomada, a eletricidade ainda não tinha chegado o castelo, gastaria todo o pagamento em pilhas mesmo que elas parecessem durar dez vezes mais do que dizia a embalagem.

O relógio apontava nove horas da noite quando resolvi tomar um banho para dormir.

Tirei as roupas, a pele suada respirou melhor sem o espartilho apertado e relaxei minha postura, felizmente não havia nenhum espelho de corpo inteiro para me lembrar que assim como minhas habilidades, meu corpo também era decepcionante. Vesti o roupão e entrei no banheiro minúsculo.

Sem água.

- Ah, não.

Primeiro pensei em usar a água da pia mas essa também estava seca, eu não tinha escolha a não ser procurar outro banheiro, imaginando que um castelo desse tamanho tivesse algum.

O corredor estava absolutamente escuro, mas mal havia pisado nos degraus que davam para o corredor seguinte quando vi Prescott mais a frente, ele vinha em minha direção com a lamparina acesa, mas parou até que eu o alcançasse.

- Problemas, Srta Lacey? - sua voz era ríspida.

- Sim, não tem água no quarto.

- Não é usado a muito tempo, o encanamento deve estar obstruído. Tenho certeza de que Jones pode olhar pela manhã.

- Ele cuida de tudo sozinho?

- Não mais, já que você está aqui.

Ele passou por mim retomando o caminho, respirei fundo e me senti obrigada a me humilhar mais uma vez.

- Você sabe onde encontro um banheiro com chuveiro? - decidi usar um tom mais seco, sem sorrisos.

Prescott olhou por cima do ombro e balançou a cabeça.

- Certo, vou perguntar ao David.

- Espere - Prescott se virou para mim bruscamente, a lamparina quase encostou no meu peito e ele a desceu até o umbigo - não pode andar pelo castelo vestida assim quando os alunos estiverem.

Eu assenti abaixando a cabeça. Ele tinha razão, eu precisava ter em mente que meu espaço de conforto foi reduzido naquele quarto.

- E não temos banheiros para banho no castelo, exceto nos quartos. Pode esperar até amanhã ou - ele fez uma expressão de desgosto e desviou o olhar - usar o meu.

Cresci sabendo que moças não devem entrar sozinhas em quartos desconhecidos. E mesmo que meu corpo pedisse um banho depois de toda a agitação da chegada, eu recusei.

- Acho que um lavabo já seria útil.

- Como queira, há um no final do corredor, antes de subir para o térreo.

Segui para direção indicada, dessa vez fui eu quem não olhou para trás, o banheiro era destinado aos alunos, duas fileiras de cabines individuais e uma pia longa na frente, felizmente havia um ralo próximo às torneiras.

Me senti envergonhada por Prescott saber o quão baixo eu havia chegado, não pelo cargo de faxineira, isso eu não me importava. Mas um braçal, tomando banho em um lavabo qualquer, dormindo em um quarto que mais parecia uma cela.

A água estava gelada, o banheiro escuro e cheirando a naftalina, mesmo assim, o que mais me incomodava era o grande espelho na minha frente que me obrigava a encarar meu corpo nu, todas as imperfeições que mesmo a pouca luz eram tão nítidas e incômodas que não consegui ignorar a voz dela que continuava repetindo em minha cabeça.

'Olhe para você. Entenda seu lugar.'

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