- Não importa onde eu vá ou onde você estiver... Você sempre será
a minha Luce. Nunca, nunca se esqueça disso! – fala triste.
- Por favor, diz que não vai esquecer... – pede tocando meu rosto. –
Eu sinto muito, muito mesmo. Não tive escolha, eu-eu...
Porque você não me ajuda, pensei. Estou assustada e quero ir
embora, você não consegue ver?
- ...você está me ouvindo? – chama – Luce!? Luce!
Meu nome foi a última coisa que ouvi antes de mergulhar para o
escuro.
Capítulo 2
Lar da decepção
Hoje.
Triiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiin! Triiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiin! Triiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiin!
Eu definitivamente odeio esse maldito barulho!
É o despertador do lugar onde eu moro, o "Nosso Lar da
Esperança", nome um tanto antagônico já que de lar e esperança
não tem nada. Estava mais para "comunidade onde jovens órfãos
dividem seus apartamentos (se é que dava para chamar esse
cubículo disso), convivem miseravelmente entre si e que,
ocasionalmente, evitam se matar". Só para constar o tamanho da
minha "sorte" meu dormitório fica no 15º andar, o último do prédio.
E não, o lar não tem elevador.
Levanto-me assustada como sempre.
Vivia neste "paraíso" já há um bom tempo. Vim para cá aos
dezesseis anos e ainda não me acostumei com esse barulho
insuportável do despertador, que está mais para sirene
desesperadora. Serve para acordar todos os órfãos mais velhos, ou
se você preferir, os veteranos do lar.
O que era muito ridículo já que quase acordava o Bronx todo.
Sinceramente não sei para que colocar esse negócio tão alto e por
que esse barulho? Sei lá, colocava uma música tipo Maroon 5 ou
Coldplay, assim eu acordava dançando ou feliz pelos menos.
Aceitaria até uma música do Justin Bieber, aquela Sorry até que é
boa. Mas não, acordava todos os dias assustada/irritada, odiando a
minha vida e querendo matar pessoas.
Ou só a Nina mesmo.
- Mas que droga, Emma. Cacete! Por que deixa essa merda toda
espalhada aqui? Tá querendo me matar?! – minha colega de quarto,
sempre me amando muito aos berros logo de manhã.
- Aí Nina, não dá pra ignorar a bagunça não? Essa é a minha parte!
Não tenho culpa se você caiu no meu lado do quarto. Além do mais
não é merda, são as minhas coisas. Agora para de gritar! - digo me
remexendo na cama, tentando dormir de novo.
- Que droga! Não sei como consegue, tá tudo junto jogado. Como
você encontra suas coisas, sua idiota? – nem preciso olhar para
saber que está me fulminando com os olhos.
- Arg! Encontrando. – Escondo-me debaixo do travesseiro, tentando
abafar os berros de Nina – Pelo amor de Deus. Vai logo tomar
banho antes que o lar todo acorde com essa sua voz de taquara,
não quero chegar atrasada hoje de novo. Só me avisa quando você
sair.
Nina é a garota irritante/insuportável que divide o dormitório comigo.
Tinha também a Andie e a Julia, mas elas já se mudaram. Sorte
delas. Quando as duas saíram (ou se libertaram) nós fizemos um
acordo para dividir o dormitório. Eu ficava com o lado direito, onde
estava a minha cama e a de Andie, e ela com o lado esquerdo, onde
ficava a cama da Julia e a sua. Óbvio que isso não deu certo porque
Nina não consegue agir como um ser humano normal.
Todo dia é a mesma coisa. Acordo cedo, às 05h00 da manhã por aí,
porque assim eu consigo tomar banho em paz e sem muitas filas.
No meu setor, o 15º andar, são seis dormitórios e cada um deles
tem quatro pessoas. Tirando o meu que só tem uma pessoa, já que
a Nina não pode ser um ser humano, é preciso ter sentimentos para
isso. Todos os dormitórios são compartilhados e ao cento temos
uma cozinha comunitária, dois banheiros (um feminino e um
masculino) e uma sala. Esse é o chamado "Nosso Lar da
Esperança", um centro de apoio aos jovens órfãos de Nova York. É
o nosso destino quando temos idade suficiente para sair do
orfanato, o que seria aproximadamente aos dezesseis anos.
Aqui não é moleza como lá no orfanato, temos nossos dormitórios e
no fim do mês pagamos pela estadia e pelos gastos do lar. Se não
pagar está na rua, já que não somos mais consideradas pobres
crianças órfãs e sim adultos independentes que podem se cuidar
muito bem sozinhos e que, só por acaso, são órfãos.
Enfim, voltando ao meu "maravilhoso e sensacional" dia-a-dia, eu
acordo cedo porque trabalho na Crawford Reaserch Enterprise, uma
multinacional que começou como banco, mas hoje em dia é uma
das maiores e mais completas empresas do mundo. Lá sou
secretária da ala comercial, o que não paga muito, mas dá para
arcar com as contas do lar, cuidador do meu irmão e sobreviver.
- Bom dia, minha Flooor! - grita Jason, tirando minhas cobertas -
Assim você não vai chegar cedo hoje, parece que todo mundo
decidiu tomar banho agora.
Esse é Jason, ou JayJay, meu amável não tão delicado irmão. Nos
conhecemos quando crianças, no primeiro orfanato em que
moramos. Não me lembro muitas coisas, tenho péssima memória
para falar a verdade e minha infância é quase um borrão, porém,
Jason ama se gabar com isso e vive dizendo que eu posso não me
lembrar, mas que desde o primeiro dia não larguei do seu pé e
assim nos tornamos inseparáveis.
Hoje ele é minha família.
- Meu Deus! – levanto assustada - Que horas são?! Acabei
dormindo de novo, droga. A Nina já saiu? Aquela vaca nem me
avisou que já tomou banho, eu disse que queria chegar cedo!
- Calma Flor, - se aproxima sentando todo folgado na minha cama -
eu te levo hoje. Voltei para casa com o carro da empresa e tenho
uma entrega lá do lado da Cruelford. – diz deitando-se – E fica
calma, você sempre tá atrasada mesmo. – ri. – Calma que ainda dá
tempo pra chegar hoje.
Isso porque não é ele que vai ter que aguentar de novo o sermão do
Senhor Maxon, dizendo como eu sou irresponsável e que não me
demite por saber que sou uma sofrida "garota esperança".
Além de viver pessimamente ainda era conhecida por esse apelido
ridículo de garota esperança. Isso significa de onde eu vim, como se
eu fosse uma pobre coitada com problemas que foi abandonada
pelos pais em um orfanato. Pelo menos dessa vez eu gostava da
piedade que recebia, assim continuava com meu emprego. A gente
usa o que tem, né?
- Ah, valeu Jason, só vou tomar banho rapidinho e já estou indo. Me
espere lá embaixo, ok? – corro pegando minha toalha.
- Claro, mas vai logo que a fila do banheiro já está imensa. –
Levanta e me dá um beijo na testa antes de sair.
Honestamente não sei como é que Jason consegue entrar no meu
dormitório. Tudo bem que a segurança daqui é horrível, nem trava
na porta tem direito, mas nunca escuto quando ele está entrando.
Quando vejo, ele já está do meu lado falando comigo ou está
roubando meu estoque de salgadinhos. O que me irrita é que ele
sempre pega os melhores ou come e os devolve como se não
estivessem abertos, aí quando eu vou comer o salgadinho está todo
fofo com gosto de nada.
Tomei um banho super-rápido e corri para ir me trocar. Coloquei um
conjuntinho social que ganhei de Jason no Natal e até que dessa
vez ele acertou, tudo bem que eu tenho quase certeza de que foi a
vendedora que escolheu para ele. Deve ter sido uma de suas
peguetes, nesta época acho que era a Sheila ou Keila vendedora de
uma boutique chic. Então está explicado. É um conjuntinho social da
cor azul marinho composto por uma saia, um tanto justa, e um
blazer que contornava perfeitamente minha cintura e ia até o início
do meu quadril. O tecido é diferente, muito macio e leve, ficou
perfeito em mim. O único problema era achar uma blusa que
combinasse com essa roupa.
Acabei roubando de volta uma blusa minha que Nina "jurava que
era dela". É uma blusinha branca bem simples com pequenos
pedaços de renda preta que enfeitam aparte do busto. Coloquei
minha lingerie com uma cinta-liga e meia 7/8. Ao contrário do que
muitos pensam cinta-liga não é só uma peça sensual, é muito
confortável além de serem práticas de se tirar. Elas também não
ficam curtas, como no meu caso que tenho 1.70 de altura, as meias
normais nem vão até o meu quadril. Está vendo, te deixar sexy é só
um bônus.
Depois que terminei de me trocar decidi que minha roupa pedia por
um salto então peguei meu peep toe bege que apertava um pouco
meu pé, que já era um número menor que o meu. Ganhei de
aniversário aos quatorze anos de Dona Marlee, ela era a
responsável pelo orfanato, a nossa "mãezona". Me lembro que na
época tinha pedido um livro, no entanto, ela disse que não era
possível porque na nossa cidade não tinha livrarias e os únicos
livros que tinham na nossa biblioteca eu já tinha lidos mil vezes.
Assim pedi um par de saltos que vi na caixa de doações.
- Dona Marlee, por favor, você me disse que me dava qualquer
coisa! - peço.
- Minha querida, tem certeza? – pergunta receosa, ela pensava de
seriamos crianças para sempre e pedir um salto era adulto demais,
nas suas concepções – Brooke pediu para usar o telefone, ela vai
ligar para as meninas que saíram do lar esse mês. Você não quer
um tempinho também? – Pergunta esperançosa.
- Aí, para quê? Não tenho ninguém para ligar! As meninas nunca
gostaram de mim e outra, qual é o problema em me dar um salto? -
questiono aborrecida.
- Um salto é algo tão bobo, para que você quer um afinal?
- Ouvi Jason dizer que os meninos gostam de meninas que usam
salto. Eu já sou quase adulta, quando sair daqui vou conseguir um
emprego e um namorado, a senhora vai ver. Mas preciso do salto
pra isso Dona Marlee, por favor! – imploro unindo as mãos e
tentando olhar com a cara mais sofrida que posso.
- Mas...– Dona Marlee tentou me convencer, mas até ela sabia que
quando eu coloco algo na cabeça nem eu mesma se quiser consigo
tirar.
- Por favor, por favor, por favor. Eu quero um salto, é o que eu mais
quero! Deixa a Brooke, depois de um tempo as meninas nem vão
mais falar com ela mesmo. – Dei de ombros e sai batendo o pé.
Brooke, a menina do telefone, adorava me irritar desde sempre. Eu
nem sequer sei o porquê ela não gostava de mim, só que esse ódio
ficou muito pior depois que ganhei meu tão desejado salto e fui com
ele na festa de Natal da Igreja. Ela jurava que eu roubei Mike, o
menino novo do bairro que era de quem ela gostava, por conta dos
meus novos saltos. Um tempo depois, quando eles começaram a
apertar meus dedos pensei como essa escolha de presente foi
idiota. Mas agora sei que eles são sagrados, já sobreviveram seis
anos, roubaram Mike de Brooke e ainda me faziam lembrar da Dona
Marlee.
Quando desço Jason estava me esperando conversando com Kate,
que morava no 5º andar, conhecida como a "garota dá esperança",
mas não no sentido que você já conhece e sim por já ter dormido
com quase todos os caras e mulheres do lar, literalmente. E Jason
era um deles. Kate gostava de brincar com as pessoas e jogá-las
fora como se não valessem nada, todo mundo sabia disso, mas
mesmo assim ela ainda conseguia sempre o que queria.
- Pronto, podemos ir. – disse para Jason, ignorando a presença de
Kate. Ela ignorava a minha então ficávamos numa boa. Quase
sempre.
- Ah, ta eu já vou... Vai indo na frente, o carro é aquele
amarelo ali do outro lado da rua. – disse sem sequer mesmo me
olhar. Estava ocupado demais olhando para o decote de Kate ou
pedaço de pano que ela estava usando. Aquilo não podia nem ser
considerado um top.
Jason ainda continuava nessas de pegar às vezes Kate. Ela era um
alvo fácil, era só ele olhar para ela que suas pernas já se abriam.
Tudo bem que Jason é simplesmente lindo, tem cabelos cor mel
escuro e olhos de mesma coloração, além de ser alto e bem forte.
Mas essa força toda aí era fruto de sua teimosia de sempre estar
saindo com Jack e a sua gangue. Eles eram conhecidos como os
Snake's e ganhavam grana com lutas de vale tudo. Cada luta era
em um local diferente e você só ficava sabendo onde seria uns vinte
minutos antes, assim eles mantinham os tiras longe. Eu já perdi as
contas de quantas vezes briguei com Jason por conta dessas
disputas, uma vez tive que buscá-lo de uma delas porque apanhou
tanto que acabou inconsciente.
Depois de olhar para o outro lado da rua a procura do tal carro
amarelo voltei a olhar para ele. Kate chegou bem perto e começou a
sussurrar algo em seu ouvido. Jason, nada bobo, apalpou quase
que o corpo todo da garota e repousou uma de suas mãos em sua
bunda dando alguns beliscões. Enjoada com essa cena eu disse
meio que alto demais.