A vampira do Porto

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- Oh filha sai daí!

Assustei-me mais com o berro da mulher do que com o carro que me ia passar por cima.

O meu nome é Branca e sou uma vampira. O meu nome tem mais piada agora morta que viva.

Sim aquelas lendas que ouviram quando eram pequenos são quase todas verdade, vá lá não existem monstros, podem descartar essas lendas!

Feiticeiros e bruxas sim existem e por norma são muito difíceis de matar.

E não os vampiros não morrem por andar ao sol mas convém usar um bom protetor solar e uns óculos de sol isto porque ficamos extremamente brancos quando morremos e os nossos olhos perdem a cor, tirando isso adoro aproveitar uns bons dias de sol.

Mais particularidades para vos contar antes de começarmos a aventura pelo Porto. Sim, só bebemos sangue, mas não andamos por aí a morder pessoas pelo menos a não ser que nos peçam (há malucos para tudo, mas já vão entender o que quero dizer). Mas sem dúvida o sangue humano tem mais nutrientes que outro qualquer mas vivemos bem com o sangue de uma vaca, é como fazer dieta. O que não nos mata torna-nos mais fortes, no meu caso o que já está morto nada se lhe pega.

Para nos matarem, quer dizer fazerem desaparecer há duas maneiras: ou nos enterrem onde fomos originalmente enterrados ou nos queimam. Com os feiticeiros só a segunda funciona e como eles podem desaparecer antes de se queimarem convém fazê-lo enquanto estão inconscientes.

Voltemos atrás quando tirei os fones e meti a mão no peito, sei que se o meu coração batesse tinha tido ali um ataque cardíaco.

- Obrigada pelo aviso D.Maria, realmente não tinha visto o carro - uma vampira também se pode distrair pensei eu.

- Outra vez de ressaca menina Branca?

A D.Maria pensava que por usar óculos estava sempre de ressaca e que devia ser uma daquelas hippies. A verdade é que apesar da minha vasta vida eu tinha a aparência de 22 anos, muito bem conservada diria eu.

No Porto todas as pessoas eras as Anas, Marias ou Rosas, era fácil decorar os nomes, vivo há 600 anos e nunca conheci um sítio tão bom para decorar nomes.

Também nunca conheci sítio tão bom para viver mas já sabia que nunca poderia ficar cá mais de 20 / 30 anos, senão as pessoas começavam a desconfiar. É realmente uma pena, as ruas têm um cheiro a história, as casas são antigas por fora e novas por dentro. Temos rádios locais que são as vizinhas que sabem tudo sobre todos e não no sentido mau.

Há também a liberdade nas ruas, as crianças à solta e ninguém lhes faz mal, toda a gente se conhece e toda a gente se protege. Há o falar alto e as asneiradas.

Estou a gostar de passear por aqui. Como faço para ir mudando? Na realidade é muito fácil, ao longo de 600 anos tirei vários cursos trabalhei muito angariei dinheiro e mandei falsificar muitos documentos.

Em todos os sítios que começo sempre com 22 anos e por aí fora vou vivendo um pouco mais.

Sou divertida e extrovertida, só que aprendi a não me apegar a ninguém, guardo recordações, guardo todos os meus cartões de cidadão e os sítios por onde passei mas ainda não senti vontade de voltar a nenhum. Nestes 600 anos também aprendi muitas línguas o que me deu bastante jeito.

Tenho amigos antigos espalhados um pouco por todo o lado. A que agora está mais próxima está no país ao lado a Anabela uma bela e talentosa feiticeira que já escapou mais vezes a morte do que os anos que já viveu.

Aqui no Porto sou uma artista, pinto quadros para várias exposições. A “Exposição dos Fantásticos” é uma exposição muito importante e contemporânea por isso conto com muita gente e era para lá que me dirigia quando a D.Maria me chamou.

Cada dia para mim é uma música diferente, música essa que me vai inspirar o resto do dia e das pinturas. Hoje estava a procura no meu iPhone (o que mais me pasma são as tecnologias hoje em dia são incríveis) da música "Meet me Halfway" do Kenny Loggins.

Abanei com a mão em forma de adeus e comecei a andar como uma desleixada, exactamente a dar mais motivos para acreditar que uma jovem como eu tinha ido para farra e acordara completamente ressacada.

- Café com limão ajuda sempre minha filha -aqui no Porto somos sempre filhas de alguém somos filhas do Porto.

Segui o meu caminho até ao autocarro. Sim em 600 anos nunca tirei a carta e nunca achei que precisasse. Gosto das conversas matinais e dos silêncios ao final de um dia de trabalho. Do cheiro a perfume de manhã e do cheiro a suor misturado com desodorizante ao final da tarde, pronto confesso que desta parte não gosto muito.

Chegando a paragem já ouvia as pessoas a mandarem vir, estamos em março de 2020 e eu estou a passar por outra pandemia. Esta está no início mas parece-me que vai dar pano para mangas.

- Raios partam estes autocarros que não chegam a horas nunca a horas!!! Este já devia ter chegado já passa das 10 horas.

Olhei para o relógio por instantes eram 10:01h, a senhora não estava a dizer mentira nenhuma e os meus ouvidos também não, ele estava a chegar era só fazer a curva. A esta hora era sempre o mesmo condutor e lá vinha a mesma conversa de circunstância: "bom dia", "como está?", "Lá vamos nós para mais um dia de trabalho".

Sentei-me como sempre no primeiro banco de phones aos berros para não enlouquecer a ouvir as mil conversas em simultâneo que estavam a acontecer.

Algo me prendeu. O cheiro há muito tempo que não o sentia. Era um cheiro familiar, cheiro que ia desaparecer na próxima paragem.

Assim que o autocarro parou olhei para trás mas não vi o que esperava... Mas vi o Vítor o vampiro mor, o supremo dos vampiros que devia estar em todo o lado menos aqui no Porto!