O fim do meu mundo não chegou com um estrondo, mas com o baque suave de uma caixa de papelão na minha porta.
Era uma caixa preta, elegante, do tipo que guarda coisas caras que eu nunca compraria para mim. Abaixei-me, franzindo a testa para a etiqueta de envio. O endereço era o meu, o apartamento que eu dividia com meu noivo, Caio. Mas o nome impresso em uma fonte nítida e sofisticada era Fabiana Montenegro.
Antes que eu pudesse processar a confusão, um conversível prateado parou na calçada. A própria Fabiana saiu do banco do motorista, toda angulosa e envolta em um perfume caro. Ela era a maior investidora em potencial de Caio, uma mulher de negócios na casa dos cinquenta anos, com fama de ser implacável na sala de reuniões e, aparentemente, descuidada com suas compras online.
"Alina, querida, você é um anjo", ela chamou, sua voz suave como uísque envelhecido. Ela gesticulou para a caixa. "É minha. Que boba, devo ter colocado o endereço errado. O Caio tem me ajudado a instalar uns equipamentos de tecnologia novos, e seu endereço deve ter preenchido automaticamente. Você sabe como é."
Eu assenti, forçando um sorriso que pareceu tenso no meu rosto. "Sem problemas, Fabiana."
Ela pegou a caixa, seus dedos com unhas perfeitas roçando nos meus. A interação pareceu... estranha. Era uma sensação que eu vinha tendo muito ultimamente, um zumbido baixo de ansiedade que eu não conseguia identificar.
Afastei o pensamento enquanto entrava. Caio estava prestes a garantir o financiamento que salvaria sua startup. Meu trabalho era apoiá-lo, não ser paranoica.
Meu celular vibrou na bancada da cozinha. Era uma notificação da nossa conta conjunta. Meu coração não apenas afundou; ele despencou, uma pedra caindo em um abismo gelado.
Alerta de Transação: Hotel Imperador Palace - R$ 2.500,00. Compra de Frigobar: Dom Pérignon, Venda de Seda.
Minha respiração falhou. Estávamos economizando cada centavo para o casamento e para a empresa de Caio. Uma despesa de mais de dois mil reais em um hotel era impensável.
Havia apenas uma pessoa que tinha acesso àquele cartão além de mim.
A corda que me mantinha inteira por meses finalmente se rompeu. Não foi um rompimento barulhento e violento, mas um corte silencioso e limpo que me deixou oca por dentro.
Peguei minhas chaves, minhas mãos tremendo tanto que mal consegui colocar a chave na ignição. O trajeto até o Hotel Imperador foi um borrão de semáforos vermelhos e o baque frenético do meu próprio coração contra minhas costelas.
Na recepção, mantive minha voz firme, uma proeza de atuação que eu não sabia que era capaz. "Oi, estou aqui para pegar a chave do quarto do meu noivo. Caio Ferraz. Ele disse que deixaria meu nome na recepção."
O recepcionista, um jovem com uma expressão entediada, digitou algo no teclado. "Sim, Sra. Oliveira. Quarto 1208." Ele deslizou um cartão-chave pelo balcão polido sem levantar o olhar.
A subida de elevador pareceu uma eternidade. Cada andar apitava com uma lentidão agonizante. Quando cheguei ao décimo segundo andar, minhas palmas estavam úmidas de suor. O corredor era acarpetado, abafando o som dos meus passos enquanto eu me aproximava do 1208.
Eu não precisei do cartão-chave.
Eu podia ouvi-los através da porta. A risada baixa e rouca de uma mulher, seguida pela risada mais grave de Caio. Os sons eram íntimos, carregados de uma familiaridade que fez meu estômago revirar.
"Você é incrível, Fabiana", a voz de Caio ronronou, densa com um tom que ele não usava comigo há anos. "Absolutamente incrível."
"E você, meu rapaz", a voz de Fabiana era inconfundível, "aprende muito rápido."
O nome me atingiu como um golpe físico. Fabiana. A mulher cujo pacote estava na minha porta uma hora atrás. A mulher que Caio deveria estar cortejando para negócios, não... para isso.
Uma onda de náusea me invadiu, quente e ácida. Eu tropecei para trás, longe da porta, pressionando a mão na boca para abafar um engasgo.
Uma memória surgiu em minha mente, nítida e indesejada. Algumas semanas atrás, eu tinha olhado para o notebook de Caio e visto seu histórico de busca. "Mulheres mais velhas poderosas." "Fetiche em coroas." Na época, eu descartei como um pop-up estranho ou um clique aleatório. Agora, a memória se solidificou em uma verdade horrível.
Então veio a voz de Caio novamente, gotejando uma crueldade casual que era de alguma forma pior que os gemidos. "Não se preocupe com a Alina. Ela é só... cômoda. Leal, como um cachorrinho. Ela vai estar lá esperando quando eu chegar em casa."
O ar fugiu dos meus pulmões. Minha visão embaçou com lágrimas de pura e absoluta humilhação. Olhei para o diamante na minha mão esquerda, aquele que ele deslizou no meu dedo oito meses atrás em meio a uma névoa de promessas e futuros sussurrados. Oito anos. Eu dei a ele oito anos da minha vida. Eu engavetei uma prestigiosa bolsa de pesquisa em ética de Inteligência Artificial em uma das maiores empresas de tecnologia do país - um sonho pelo qual trabalhei a vida inteira - para apoiá-lo e sua startup em dificuldades.
Lembrei-me de todas as vezes que Fabiana ligou para ele, precisando de "ajuda urgente" com algum problema técnico menor. Os fins de semana que ele passou na mansão dela, "fazendo networking". A vez que ele cancelou nosso jantar de aniversário porque Fabiana teve uma "crise de investidores" de última hora.
Ele até me deixou sozinha com 39 graus de febre uma vez porque o novo sistema de casa inteligente de Fabiana estava com defeito.
Meus dedos, dormentes e desajeitados, tentavam tirar o anel de noivado. Estava apertado, agarrado ao meu dedo como uma algema. Com um puxão final e doloroso, eu o arranquei.
Naquele exato momento, meu telefone tocou, vibrando contra o cartão-chave na minha mão. O nome na tela fez meu coração doer com um tipo diferente de dor. Arthur Corrêa. Meu antigo orientador da universidade.
"Alina?", sua voz era gentil, respeitosa - tudo o que a de Caio não era. "Desculpe incomodar. Sei que você disse que não estava interessada, mas o desenvolvedor líder do projeto Quimera acabou de desistir. A bolsa... ainda está aberta. Se você reconsiderar, a vaga é sua. Precisaríamos que você começasse imediatamente."
Lágrimas escorriam pelo meu rosto, quentes e silenciosas. Apoiei a testa na madeira fria da porta do quarto de hotel. Lá dentro, eu podia ouvir Fabiana rindo de novo.
"Sim", sussurrei, minha voz falhando. "Sim, Arthur. Eu aceito. E eu sinto muito, muito mesmo, por como deixei as coisas antes."
Lembrei-me do dia em que disse a ele que estava recusando a bolsa para apoiar Caio. A decepção em seus olhos tinha sido algo físico. Ele investiu tanto em mim, acreditou no meu talento. E eu joguei tudo fora por um homem que me via como um cachorrinho conveniente. A startup de Caio levou todas as minhas economias, e minha decisão quase causou um infarto no meu orientador.
"Não se desculpe, Alina. Estamos felizes em ter você de volta", disse Arthur, seu alívio palpável. "Mas você conhece os termos. É um compromisso de cinco anos. Alta segurança, totalmente isolada. Sem contato com o mundo exterior assim que você entrar."
"Eu entendo", eu disse, uma estranha sensação de calma se instalando sobre os destroços do meu coração. "Eu aceito."
Desliguei a chamada e guardei o anel de noivado no bolso. Virei-me e me afastei daquela porta, da vida que eu havia construído, do homem que eu havia amado. Eu não corri. Eu andei, cada passo deliberado, me levando para mais longe da humilhação e mais perto da vida que eu deveria ter escolhido desde o início.
As lágrimas não pararam até eu entrar na nossa garagem. Ele já estava lá. O carro de Caio estava estacionado, e a porta da frente estava entreaberta.
Ele estava na sala de estar, com um olhar presunçoso no rosto que rapidamente se transformou em confusão quando viu minha expressão.
Eu não perdi tempo. A pergunta arranhou minha garganta, crua e áspera. "Você já me amou, Caio? Nem por um segundo?"
Seu rosto endureceu. O charme desapareceu, substituído por uma irritação familiar. "Do que diabos você está falando, Alina? Não comece com isso. Tive um longo dia de reuniões."
"Reuniões?", eu ri, um som quebrado e feio. "É assim que você chama?"
Naquele momento, a porta da frente se abriu mais, e Fabiana entrou, uma imagem de falsa preocupação. "Está tudo bem? Ouvi gritos."
O comportamento de Caio mudou completamente. Ele se suavizou, seu foco imediatamente se voltando para ela. "Não é nada, Fabiana. A Alina só está sendo... dramática."
Ele se moveu em direção a ela, um gesto sutil e protetor que fez minha última gota de esperança murchar e morrer.
Depois de um momento, ele acompanhou uma supostamente abalada Fabiana para fora, prometendo cuidar de mim. Quando ele se foi, ela se virou para mim, sua máscara de preocupação caindo para revelar um sorriso frio e triunfante. "Aprenda o seu lugar, queridinha."
Minha voz era gelo. "Não se preocupe, tiazinha. Eu aprendi."
Seu sorriso vacilou. Então, em um movimento tão chocante que me tirou o fôlego, ela levantou a mão e deu um tapa no próprio rosto. Com força. O som estalou no apartamento silencioso.
Caio voltou correndo, seus olhos arregalados. Ele viu a bochecha vermelha de Fabiana, as lágrimas brotando em seus olhos, e então olhou para mim. Sua expressão se tornou furiosa.
"O que diabos você fez?", ele rosnou, avançando sobre mim. Ele agarrou meu pulso, seu aperto como ferro. "Você vai pedir desculpas a ela. Agora."