Acordei num hospital, cada centímetro do meu corpo doendo. Uma enfermeira gentil me deixou usar o celular dela para ligar para o meu marido, Franco. Quando ele não atendeu, abri o perfil dele no Instagram, meu coração batendo descontrolado de medo por ele.
Mas ele estava bem. Um vídeo novo, postado há apenas trinta minutos, o mostrava em um quarto de hospital, descascando uma maçã com todo o cuidado do mundo para o garotinho que eu havia suspendido.
"Papai", Léo choramingou. "Aquela professora foi má comigo."
A voz do meu marido, a voz que eu amei por uma década, era um murmúrio tranquilizador. "Eu sei, campeão. O papai já resolveu isso. Ela nunca mais vai te incomodar."
O chão sumiu sob os meus pés. O ataque não foi aleatório. O homem que jurou me proteger para sempre, meu amado marido, tinha tentado me matar. Pelo filho de outra mulher. Nossa vida inteira era uma mentira.
Então a polícia me deu o golpe final: nosso casamento de cinco anos nunca foi registrado em cartório. Enquanto eu estava ali, destruída, lembrei do presente de casamento que ele me deu: 40% da sua empresa. Ele achava que era um símbolo de que eu pertencia a ele.
Mal sabia ele que aquilo seria a sua sentença de morte.
Capítulo 1
O novo aluno, Léo Bastos, era um problema. Como psicóloga infantil chefe do Colégio Aruanã, eu já tinha lidado com muitas crianças difíceis, mas Léo era diferente. Ele era desafiador, com uma frieza nos olhos que era incomum para uma criança de cinco anos. Hoje, ele tinha empurrado outra criança escada abaixo.
Eu estava sentada à sua frente no meu consultório, a sala cheia de cores suaves e brinquedos de pelúcia feitos para acalmar. Ele apenas me encarava, de braços cruzados.
"Léo, nós não empurramos as pessoas", eu disse, com a voz suave. "Você pode me dizer por que fez isso?"
Ele não disse nada. Seu silêncio era uma muralha. Eu conhecia a ficha dele. Mãe solteira, Karine Bastos. Nenhum pai listado. Ele era um bolsista, um caso raro em uma escola cheia dos filhos da elite de São Paulo.
"Você vai ser suspenso por três dias", eu disse a ele finalmente. "Preciso que você pense em como suas ações machucam os outros."
Seus olhos se estreitaram. Era um olhar de puro ódio.
Depois da aula, caminhei até meu carro no estacionamento dos funcionários. O dia tinha sido longo. Eu só queria ir para casa, para o meu marido, Franco. Ele sempre sabia como fazer tudo ficar bem.
Uma van branca freou bruscamente ao meu lado. Dois homens pularam para fora. Antes que eu pudesse gritar, uma mão áspera cobriu minha boca. Um cheiro químico e forte encheu meu nariz, e o mundo escureceu.
Acordei em uma escuridão sufocante. O ar estava pesado com o cheiro de gasolina e desodorante de carro barato. Minha cabeça latejava e minhas mãos estavam amarradas nas costas. Eu estava no porta-malas de um carro. O pânico tomou conta de mim. Chutei e gritei, mas o som era abafado. O carro estava em movimento, sacolejando em estradas irregulares.
Cada solavanco enviava uma onda de dor pelo meu corpo. Minhas costelas doíam. Meus pulsos estavam em carne viva por causa das abraçadeiras de plástico. Tentei pensar, tentei lutar contra o terror. Quem faria isso? Um assalto? Um ato de violência aleatório?
O carro parou. Ouvi vozes, abafadas pelo metal. Então, o porta-malas se abriu. Uma luz ofuscante inundou o espaço, e eu apertei os olhos. Vi a silhueta de um homem. Ele me arrastou para fora e me jogou no chão duro e coberto de cascalho.
Uma dor aguda atravessou meu ombro. Senti o gosto de sangue.
"Por favor", implorei, minha voz um sussurro rouco. "Levem o que quiserem."
Ele riu, um som cruel e feio. "Nós já pegamos."
Outro homem se juntou a ele. Eles não usavam máscaras. Não se importavam se eu visse seus rostos. Isso significava que não planejavam me deixar viver. Eles começaram a me chutar. Minha cabeça, meu estômago, minhas costas. Eu me encolhi em uma bola, tentando me proteger, mas era inútil.
Uma dor aguda e insuportável explodiu no meu abdômen. Parecia que minhas entranhas estavam se rasgando. Gritei, um som cru e animal de agonia. Então, outro chute na cabeça. Minha visão ficou turva. O mundo começou a desaparecer em uma névoa cinzenta.
Enquanto minha consciência se esvaía, pensei em Franco. Meu doce e amado Franco. Ele me encontraria. Ele me salvaria.
Não sei quanto tempo passou. Eu estava flutuando em um mar de dor. Então, uma voz. "Ei! Você está bem?"
Alguém estava me sacudindo gentilmente. Forcei meus olhos a se abrirem. Um jovem, um trilheiro por suas roupas, estava inclinado sobre mim. Ele estava ao telefone. "Sim, eu a encontrei. Na beira da estrada no Pico do Jaraguá. Ela está muito ferida."
Ajuda. Eu estava salva.
A viagem de ambulância foi um borrão de luzes e sons abafados. Meu corpo era um universo de dor. Na emergência, uma enfermeira gentilmente me ajudou a usar seu telefone. Eu tinha que ligar para o Franco. Ele precisava saber que eu estava segura.
Disquei o número dele. Chamou uma vez, depois caiu na caixa postal. Estranho. Ele sempre atendia minhas ligações. Tentei de novo. Caixa postal. Um nó de inquietação se apertou na minha barriga. Liguei para o telefone fixo de casa. Ninguém atendeu.
"Talvez ele esteja em uma reunião", sugeriu a enfermeira, tentando me acalmar.
Eu assenti, mas o medo não ia embora. Abri o perfil dele no Instagram. Seu perfil público estava cheio de fotos nossas, dos sucessos de sua empresa de tecnologia. Era uma imagem cuidadosamente curada de uma vida perfeita.
Então eu vi. Uma nova postagem, de apenas trinta minutos atrás. Era um vídeo.
A câmera estava trêmula, como se filmada por uma criança. Era em um quarto de hospital, não muito diferente do que eu estava. Franco estava lá, de costas para a câmera. Ele estava descascando uma maçã, seus movimentos precisos e gentis.
E sentado na cama, apoiado por travesseiros, estava um garotinho.
Era Léo Bastos.
"Papai", Léo choramingou, sua voz petulante. "Aquela professora é tão má. Ela me suspendeu."
Meu coração parou. Papai?
Franco se virou, e seu rosto preencheu a tela. Era um rosto que eu conhecia melhor que o meu, um rosto que eu amei por uma década. Mas a expressão nele era uma que eu nunca tinha visto dirigida a ninguém além de mim. Era puro e devotado afeto.
"Eu sei, campeão", disse Franco, sua voz um murmúrio baixo e tranquilizador. "Não se preocupe. O papai já resolveu isso. Ela nunca mais vai te incomodar."
Ele entregou a fatia de maçã para Léo, e o menino a mordeu feliz. "Promete?"
"Eu prometo", disse Franco, acariciando o cabelo de Léo. "O papai sempre vai proteger você e a mamãe."
O meu mundo desabou. Minha mente se recusava a processar o que eu estava vendo. O ataque. Os homens. Ela nunca mais vai te incomodar. Não foi aleatório. Foi ele. Franco fez isso comigo.
Uma onda de náusea me atingiu. A dor no meu corpo não era nada comparada à agonia que rasgava minha alma. Meu marido. O homem que me salvou quando eu era uma adolescente órfã, o homem que jurou me proteger para sempre, tinha tentado me matar. Pelo filho de outra mulher.
Meu casamento. Minha vida. Era tudo uma mentira. Uma mentira de cinco anos.
Lembrei-me do dia em que perdemos nosso bebê. Eu também fui atacada naquela época. Um assalto, eles disseram. Perdi o bebê, um menino, e meu útero foi danificado sem chance de reparo. Disseram-me que ele nasceu morto. Franco me abraçou enquanto eu chorava, suas lágrimas se misturando com as minhas. Ele era minha rocha, meu salvador.
Agora, eu olhava para o menino na tela. Ele tinha cinco anos. Ele tinha os olhos de Franco. Meu filho. Aquele era o meu filho. Franco tinha roubado o meu bebê e o entregado para outra mulher.
"Não..." A palavra foi um soluço sufocado. "Não, não, não."
A enfermeira correu para o meu lado. "O que foi? O que há de errado?"
Eu não conseguia falar. Apenas apontei para o telefone, minha mão tremendo violentamente. O vídeo passava em loop. Franco, meu Franco, com nosso filho. Uma família. Uma família feliz e perfeita que não me incluía.
A traição era uma coisa física. Ela subiu pela minha garganta, e eu vomitei no chão. A dor no meu abdômen explodiu, branca e ofuscante. Meu corpo convulsionou, e o monitor cardíaco ao meu lado começou a apitar estridentemente.
"Doutor! Precisamos de um doutor aqui!"
Através da névoa de dor e horror, pensei em nossa vida juntos. Ele me encontrou depois que meus pais morreram, uma adolescente perdida e quebrada. Ele era o herdeiro da fortuna Medeiros, bonito e brilhante. Ele me acolheu, cuidou de mim, me amou. Ele me disse que eu era sua pureza, sua luz. Ele me deu 40% de sua empresa, a AuraTech, como presente de casamento. "Um símbolo de que somos verdadeiros parceiros", ele disse.
Aquele presente, percebi com uma clareza súbita e arrepiante, era agora uma arma.
Um novo pensamento, mais terrível que o anterior, cortou a névoa. A amante. Quem era ela?
"A mãe do menino", eu disse ofegante para a enfermeira. "Qual é o nome dela?"
A enfermeira pareceu confusa, mas verificou a ficha da escola de Léo que eu pedi à polícia para recuperar. "Karine Bastos. Ela era a assistente pessoal de Franco Medeiros."
Karine. Eu me lembrava dela. Sem graça, quieta, sempre em segundo plano. Ela foi demitida há cinco anos por tentar seduzir o Franco. Ele mesmo me contou, com o rosto uma máscara de nojo. Ele disse que não suportava mulheres que se jogavam para cima dele. Ele disse que a mandou para longe, bem longe, e garantiu que ela nunca mais nos incomodaria.
Era tudo mentira. Tudo. Ele não a mandou embora. Ele a estabeleceu em uma nova vida. Com o meu filho.
Comecei a rir, um som agudo e descontrolado que ecoou na sala estéril. Eu era uma piada. Minha vida inteira era uma piada escrita por um sociopata.
A dor se tornou insuportável. Senti uma sensação de rasgo profundo dentro de mim. O sangue encharcou meu avental de hospital. Então, a escuridão me engoliu por completo.
Quando acordei novamente, a primeira coisa que vi foi uma policial ao lado da minha cama. Uma mulher com um rosto gentil e cansado.
"Senhorita Ferraz", ela disse suavemente. "Sinto muito ter que lhe dizer isso. Seus ferimentos... os médicos tiveram que fazer uma histerectomia de emergência. Você perdeu o útero."
As palavras mal registraram. Eu já o tinha perdido há cinco anos, durante o primeiro "ataque". Isso era apenas uma confirmação final e cruel.
"Eu quero o divórcio", eu disse, minha voz plana e vazia.
A policial me olhou com pena. "Nós fizemos uma verificação. Senhorita Ferraz... não há registro do seu casamento com Franco Medeiros. Vocês nunca foram legalmente casados."
O quarto girou. Cinco anos. Eu o chamei de meu marido por cinco anos. Eu usei seu anel. Eu construí uma vida com ele, um lar. E nada disso era real.
Outra peça do quebra-cabeça se encaixou. A amante. Karine. E então a peça final e devastadora. O menino. Meu filho. Léo Bastos. O sobrenome dele não era Medeiros. Era Bastos. O nome da mulher que o criou. A mulher que roubou minha vida.
Lembrei-me dela de anos atrás. Obsessiva. Conivente. Ela costumava olhar para o Franco com uma fome que me dava arrepios. Ele a demitiu, ou assim ele disse. Ele me contou que ela tentou engravidar usando uma amostra roubada dele. Ele ficou tão bravo, tão protetor comigo. Ele jurou que a fez pagar.
E eu acreditei nele.
A policial ainda estava falando. "...e o Sr. Medeiros já entrou com uma medida protetiva contra você... alegando que você tem perseguido o filho dele..."
O sangue sumiu do meu rosto. Minha respiração veio em arquejos irregulares. As paredes do quarto pareciam se fechar sobre mim. O peso de tudo - as mentiras, a traição, a criança roubada, o casamento falso, a violência - desabou sobre mim de uma vez.
Meu corpo cedeu. Escorreguei da cama e caí no chão frio e duro, uma boneca quebrada em um mar de lençóis brancos.
Uma notificação de mensagem apitou no celular da enfermeira, ainda em minha mão. Era do Franco.
"Meu amor", dizia. "Soube o que aconteceu. Um ataque terrível e aleatório. Estou correndo para o seu lado. Não se preocupe, vou cuidar de você. Sempre vou cuidar de você."
Eu encarei as palavras, o falso amor, a hipocrisia doentia. Um som escapou dos meus lábios, algo entre uma risada e um soluço.
Ele era meu salvador. Ele era meu mundo.
E agora, ele era meu monstro.
Meu telefone tocou de novo. Não era o Franco desta vez. Um número desconhecido. Quase ignorei, mas algum instinto me fez atender.
"Elisa?" uma voz de homem perguntou, hesitante. "É o Caio. Caio Menezes."
Caio. O sócio do Franco. Meu amigo de infância. O menino que morava na casa ao lado antes de meus pais morrerem. O menino com quem eu não falava há anos, não desde que o Franco me levou para o mundo dele.
"Caio", sussurrei, minha voz falhando.
"Eu soube do ataque", ele disse, sua voz tensa de preocupação. "Estou do lado de fora do hospital. Você está bem? O que está acontecendo?"
Lágrimas escorreram pelo meu rosto. Eu não conseguia formar as palavras. A verdade era monstruosa demais para ser dita.
Mas enquanto eu estava no chão, quebrada e traída, uma pequena e fria centelha de algo novo se acendeu nas ruínas do meu coração. Não era esperança. Era fúria. Fúria pura e sem diluição.
Franco achou que tinha me destruído. Ele achou que tinha vencido. Ele não sabia com quem estava lidando. Ele havia despertado uma parte de mim que eu nunca soube que existia.
Ele me deu 40% do seu império. Ele achava que era um símbolo de que eu pertencia a ele.
Ele estava prestes a descobrir que aquilo era o seu atestado de óbito.
"Caio", eu disse, minha voz de repente clara e firme. "Eu preciso da sua ajuda."