Eu sentia o milagre da vida crescer dentro de mim, fruto de anos de sacrifícios e tratamentos de fertilização in vitro que exauriram meu corpo e alma em busca de um filho com Pedro. A palavra "grávida" deveria ser música, mas naquele dia, o som de Pedro assobiando uma melodia no quarto, alheio à minha náusea matinal, soava um alarme silencioso. Horas depois, sozinha, abri o Instagram e vi o post de Camila, a secretária dele: "Comemorando nosso terceiro aniversário. Obrigada por tudo, meu amor", com a foto de um relógio exclusivo que dei a Pedro no nosso aniversário de casamento. A fúria gelada me consumiu ao perceber que as "reuniões noturnas" e "viagens de negócios" eram, na verdade, um caso de três anos. Quando Pedro chegou, mostrei a foto, e ele, pálido, tentou me desqualificar: "Você está grávida, sensível. Camila tem me ajudado muito, cuidando de mim enquanto você fica aí reclamando o dia todo." Naquele instante, algo em mim se quebrou. O amor, a esperança, a esposa dedicada, tudo virou pó. Ele me via como um fardo, um estorvo, enquanto eu carregava o sonho dele. Eu estava sozinha. A revelação foi um soco no estômago: o filho que eu gestava era um elo com um homem que não me merecia, que celebrava sua traição enquanto eu vomitava de enjoo. A decisão foi clara: não seria um divórcio amigável, nem um final silencioso. Eu era Sofia de Albuquerque Moraes, herdeira de um império imobiliário no Rio, e usaria todo o meu poder para me reerguer. Apenas me lembrei de quem eu sou. Na clínica, a médica perguntou: "Você tem certeza absoluta de que quer abortar, Sofia? Você lutou tanto por essa gravidez." Minha voz saiu firme, sem lágrimas: "Lutei por uma família, doutora, não por um elo com um homem que me traiu e humilhou. Preciso cortar essa âncora para não afundar." Enquanto eu assinava os papéis, o celular vibrou: "Estou indo para um happy hour com o pessoal do escritório. Não me espere para o jantar. Não se esqueça de comprar meu vinho preferido para o fim de semana, o estoque acabou." A banalidade da mensagem era um insulto. Pouco depois, outra notificação, um número desconhecido, uma foto: Camila, no meu banheiro, vestindo meu roupão de seda, com a legenda cruel: "Ele diz que seda fica melhor em mim. E que meu cheiro é mais excitante que o seu." A raiva me invadiu, mas não respondi com ela. Respondi com poder: "Fique com o roupão. Fique com o homem. Restos não me interessam. Aproveite bem a vida que você está roubando. Você vai precisar de sorte." Bloqueei o número. A guerra havia começado, e eu não seria mais a vítima. Eu seria a estrategista. Dias de planejamento secreto se seguiram, enquanto eu desfazia metodicamente cada laço que me prendia a Pedro. O voo para o Rio, marcado para depois do procedimento na sexta-feira, foi cancelado por uma tempestade. Pedro entrou em casa, encharcado: "Que dilúvio! O trânsito está um inferno. Decidi vir para casa mais cedo." Ele viu minha mala, perguntando para onde eu ia. "Minha mãe não está se sentindo bem. Ia passar o fim de semana com ela no Rio.", menti, a voz calma. Ele relaxou, aliviado. Ele sorria, falando em comprar o berço e pintar o quarto de amarelo, desenhando um futuro que ele mesmo destruiu. A ironia era insuportável. Ele não tinha ideia do que estava prestes a perder: não apenas um filho, mas tudo. No dia seguinte, numa loja de móveis infantis, Pedro discutia cores de berço, enquanto minha farsa se tornava insuportável. Então, a vi: Camila, rindo, apontando para um carrinho de bebê, com um colar de ouro com um pingente de menino no pescoço. Era para "esposa de cliente importante," outra mentira dele. "Que colar bonito, Camila," eu disse, chocantemente calma. "Obrigada. Foi um presente. De alguém que acredita que serei uma mãe maravilhosa", ela respondeu, o sorriso alargando. Pedro empalideceu, gaguejando. "Você não está feliz que vamos ter um menino?", Camila o desafiou, a revelação pairando no ar pesado da loja. Eu quase ri. A mentira dela era tão descarada. Pedro tentou uma desculpa patética, mas ele e a vendedora afastada se olhavam. Camila pegou a mão de Pedro. "Vamos embora, querido. Deixe ela com os brinquedinhos dela. Nós temos coisas mais importantes para resolver." E, para meu horror, Pedro permitiu ser puxado, me deixando sozinha, cercada pelos símbolos de uma maternidade que ele me prometeu, mas construía com outra. A humilhação ressoava em meus ouvidos como um zumbido, a dor se transformando em uma certeza fria. Peguei o celular, liguei para meu advogado. "Doutor Martins? É Sofia de Albuquerque Moraes. Preciso de seus serviços. Quero iniciar o processo de divórcio. O mais rápido e discreto possível. Litigioso. Com separação total de bens. Ele não vai ficar com um centavo." A justiça não viria de lágrimas, mas dos tribunais, dos contratos, do poder do dinheiro e da lei, e eu tinha tudo ao meu lado. À noite, Pedro voltou, trazendo pizza, tentando uma normalidade forçada depois de beijar Camila no carro. "Pensei em pedir nossa pizza preferida. Para compensar o dia horrível." Recuei sutilmente e ele comeu sozinho. Mais tarde, na cama, ele tentou me beijar: "Sinto sua falta, Sofia." A repulsa era física. "Não estou me sentindo bem, Pedro. A gravidez... me deixa exausta." Ele aceitou, frustrado, e logo dormiu o sono dos injustos. Levantei e encontrei o paletó dele. O cheiro de Camila, doce e floral, me causou ânsia. No bolso interno, encontrei uma chave e um contrato de aluguel: um apartamento em nome de Pedro, com Camila Alves como locatária secundária. O ninho deles. Voltei, o contrato e a chave na mão, a prova física da vida dupla dele. Olhei para o homem adormecido. A relação não estava quebrada, estava pulverizada. Não havia nada para salvar. Sentei na poltrona da sala, esperando o amanhecer, o dia do procedimento, o dia da minha libertação. No dia seguinte, Pedro tentou ser o marido atencioso, preparando café "anti-enjoo" e prometendo demitir Camila, que ele sabia que não faria. "E como você acha que ela vai reagir a isso, Pedro?", perguntei com voz neutra. "Ela é manipuladora. Ela não está tentando me atingir. Ela está tentando te prender." Pedro empalideceu. O celular dele tocou, era Camila. Ele recusou a chamada. Mensagens implacáveis começaram a vibrar. Ele atendeu, furioso. "O que você quer, Camila? Eu disse para você não me ligar!" Ouvi a voz histérica dela do outro lado. "O quê? O que você quer dizer com 'sangrando' ? Pelo amor de Deus, Camila, não faça um drama!" Pedro ficou lívido. "Não, não, fique aí! Não chame uma ambulância! Eu estou indo. Apenas fique aí." Ele desligou, os olhos arregalados de medo. "Eu preciso ir. Camila... ela... ela disse que está passando mal. Acha que está perdendo o bebê." Uma jogada desesperada, mas Pedro caiu nela. "Eu preciso ir," ele repetiu, correndo para a porta. "Sofia, me desculpe. Eu juro que vou resolver isso. Apenas... espere por mim." E se foi, correndo para socorrer a amante e sua gravidez falsa, deixando a esposa grávida de verdade no dia de sua consulta para acabar com a única verdade de toda aquela confusão. A última gota de dúvida e esperança em Pedro evaporou. Ele fez a escolha dele. Agora, eu faria a minha. Sem hesitação. Sem olhar para trás. Sexta-feira, dez da manhã. Eu estava na sala de espera da clínica, o relógio ditando um tempo que eu estava prestes a deixar para trás. Nenhuma ligação de Pedro, nenhuma mensagem. Exatamente como previsto. Às nove e meia, meu celular tocou. A recepcionista do prédio de Pedro ligou: "Uma moça, Camila, está aqui embaixo. Fazendo um escândalo, dizendo que precisa falar com o Sr. Pedro, é uma emergência de vida ou morte." "Deixe-a subir," eu disse, a voz fria. Minutos depois, a campainha. Pedro, pronto para sair, atendeu. Era Camila, teatralmente chorando. "Pedro! Você não pode me deixar! Eu preciso de você!" Ele a empurrou para o corredor. "Camila, eu já disse que acabou! Vá embora!" "Não! Eu não vou a lugar nenhum! Eu estou grávida de um filho seu! Você vai me abandonar assim?" A cena patética, mas eficaz. Pedro olhou de Camila para mim, o pânico nos olhos. "Sofia, eu... eu preciso resolver isso. É rápido. Eu te encontro na clínica. Eu juro." "Tudo bem, Pedro," eu disse calmamente. "Resolva." Ele hesitou, então saiu, levando-a para "resolver". Assim que o elevador desceu, peguei minha mala, lançando um último olhar ao apartamento vazio, ao anel de diamantes sobre a mesa, às flores murchas. Nada importava. Um carro preto discreto me esperava, enviado por João. O motorista abriu a porta para mim. Não fui à clínica. O procedimento ocorreu na quinta-feira, enquanto Pedro comprava o anel. A consulta das dez da manhã era uma farsa. Um teste. Que ele falhara espetacularmente. O carro me levou ao aeroporto de Guarulhos. Horas depois, Pedro voltou para um apartamento vazio, chamando meu nome, sem resposta. Ele viu. Sobre a mesa de centro, ao lado da pizza fria, estavam três coisas: o contrato de aluguel do apartamento de Camila, a chave extra, e um ultrassom carimbado em vermelho com a palavra "inviável". Um laudo médico anexado confirmava o aborto: quinta-feira, 16h30. Pedro pegou o papel, as mãos tremendo. A realidade o atingiu como um trem. Ela sabia de tudo. Tinha planejado tudo. O bebê que ele usou como desculpa não existia mais. Ele caiu de joelhos no meio da sala. Ele não tinha perdido apenas uma consulta. Tinha perdido tudo. Para sempre. Não havia mais nada a ser resolvido.