Era a noite mais escura da minha vida. No hospital, enquanto o médico confirmava a morte do meu pai, o meu corpo gemia a perda do meu filho. Lá fora, Lisboa mergulhava num apagão total. No meio do caos, liguei desesperadamente ao meu marido, João. A voz dele, irritada, quebrou o silêncio do corredor: "O que foi, Beatriz? Estou ocupado, não vês que a cidade inteira está um caos?" E então, ouvi-a: a voz suave e preocupada da Sofia, a ex-namorada dele, a consolar o seu gato assustado. Eu, a sangrar, com o pai a morrer, e ele estava a aquecer o gato da ex. Quando lhe disse que tínhamos perdido o bebé e que o meu pai partira, ele explodiu: "Perdeste o bebé? E o que é que eu podia fazer? A Sofia estava sozinha, o gato dela a morrer de frio!" Chamou-me egoísta, por ter reclamado a sua ausência. Egoísta? Eu que chamei a ambulância sozinha, eu que vi o meu pai cair, eu que esperei notícias ensanguentada. A família dele ecoou-o, a minha sogra acusou-me de ingratidão. Eu era a histérica, a ciumenta, a dramática. Como pude ter sido tão cega? Naquele momento, enquanto o telefone escorregava da minha mão, soube. Soube que era o fim. Levantei-me, com uma nova força a percorrer-me. "Vamos divorciar-nos, João."