Meus pais me chamaram à sala de estar, o ar pesado com uma formalidade gelada. Eu, Sofia Pereira, sempre fui a segunda, a dispensável, a sombra da minha irmã Beatriz. Até que a notícia do noivado da minha irmã Beatriz e Diogo Almeida me atingiu como um raio. E, para 'garantir a harmonia', fui sentenciada a um 'retiro espiritual': exilada num convento remoto na Serra da Estrela, até o casamento ser 'consumado'. O eufemismo 'problemas' pairou, mais uma condenação do que uma sugestão. Desde que nasci, fui apenas uma ferramenta: um rim sobressalente para a minha irmã doente, a minha vida inteira moldada pela necessidade deles. O meu amor por Diogo - a quem secretamente chamei 'Estrela da Manhã' - foi roubado: Beatriz aproveitou-se da amnésia dele, convencendo-o de que ela fora a sua salvadora. Diogo, o homem que eu amava, agora me via com desprezo e crueldade. Humilhada publicamente na festa de noivado, abandonada no hospital pelo desmaio, a minha família preocupava-se apenas em pagar a conta. Meu pai agrediu-me fisicamente, cego de raiva: 'A tua única utilidade foi o rim que deste. De resto, só tens sido um fardo!' Como pude ser tão cega? Como a crueldade deles me marcou? A minha existência era apenas um fardo, uma ferramenta. A dor excruciante, a traição dos que mais amava. Mas, no fundo do poço, algo estalou: uma clareza aterrorizante. A Sofia Pereira morreu ali. E comecei a fazer as malas, não para um convento, mas para uma nova vida. Uma vida onde eu serei a protagonista, não uma figurante sofredora.