Eu conseguia ouvir de longe os cochichos das vizinhas, que se aglomeravam no portão para assistir ao espetáculo. A protagonista, claro, era eu. E, claro, quem liderava a turma de comentaristas era Dona Dulceneia, a rainha das fofocas. Ela gritava de longe:
- Ela tá louca! Não falei? Louca por bananas! Eu disse, eu sabia!
Respirei fundo e me virei para encarar Daniel Correia, que me olhava com uma mistura de espanto e exasperação. Ele era o dono da fábrica que ia se instalar ali, no mesmo lugar onde meu pai tinha plantado a bananeira. Por que justo aqui, meu Deus? Entre tantos terrenos no Ceará, ele tinha que escolher esse? O Daniel, com aquele jeito certinho, de quem está acostumado a resolver tudo com uma conversa civilizada, estava claramente no seu limite.
- Você precisa desamarrar isso agora. Não faz sentido... - ele começou, com aquele tom de quem está tentando ser razoável.
- Não faz sentido pra você, né? - interrompi, com a voz um pouco mais alta do que o necessário. - Pra mim, isso aqui é o que me resta do meu pai. Ele plantou essa bananeira com as próprias mãos! E vocês querem derrubar como se fosse uma coisa qualquer!
Ele passou a mão pelos cabelos, impaciente, enquanto as vizinhas se agitavam. De repente, ouvi Dulceneia gritando novamente:
- Acho que ela vai morder ele! Cuidado, moço! Essa menina é perigosa!
Daniel bufou e me encarou.
- Olha... Entendo que isso tem um valor sentimental pra você, porém, a fábrica vai trazer empregos pra cidade. Você precisa ver o lado bom da coisa.
- Empregos? Empregos!? E o emprego do meu pai, de plantar aqui, cadê? Já pensou nisso? - Eu estava me sentindo um pouco dramática, mas quem não estaria? Ele queria destruir uma parte do meu passado!
- Seu pai... Ele não está mais aqui, pelo que soube. - disse Daniel, com um tom mais brando, tentando puxar o lado racional da conversa.
Meu coração apertou, contudo, eu não ia ceder tão fácil.
- Pois é, mas a bananeira está. E eu estou aqui, lutando por ela. Então, se quer destruir essa bananeira, vai ter que passar por cima de mim.
Foi aí que percebi o tamanho do circo que estava se formando. A multidão na rua triplicara, e, com isso, aumentavam os comentários. De repente, ouvi uma voz do outro lado:
- Ô Rafaela, se tu tá precisando de banana, tem lá em casa, mulher! - gritou Dona Jacira, a verdureira da praça.
Olhei feio na direção dela, sem acreditar que essa era a preocupação da galera. Já Daniel, que claramente estava mais constrangido com a situação do que eu, tentou novamente:
- Vamos resolver isso de forma pacífica. Posso ver se a gente consegue replantar a bananeira em outro lugar. Que tal?
Olhei pra ele, incrédula. Replantar? Ele não tinha ideia do que estava falando.
- Ah, claro! Como se fosse tão fácil. Vou só desenterrar as raízes do meu passado e colocá-las em outro canto, não é? - retruquei, o sarcasmo escorrendo pela minha voz.
Ele suspirou, claramente cansado.
- Isso está ficando ridículo.
- Ridículo é você achar que vou deixar destruir a única coisa que resta do meu pai sem lutar!
A coisa estava ficando tensa, mas antes que ele pudesse responder, Dona Dulceneia, que tinha se aproximado, soltou:
- Eu disse! Louca por bananas, só pode! Isso é o que dá ficar tanto tempo sozinha, sem homem na vida!
Ah, mas essa foi a gota d'água. Eu me virei na direção dela e gritei:
- Dona Dulceneia, a senhora não tem nada melhor pra fazer não? Tipo, cuidar da sua vida?
Ela se afastou com uma expressão ofendida, enquanto algumas risadinhas ecoavam pela rua. Daniel aproveitou o momento de distração para tentar uma abordagem mais calma. Ele se agachou na minha frente, quase à altura dos meus olhos, e disse num tom mais suave:
- Rafaela, eu entendo o quanto isso é importante pra você. Mas, de verdade, será que não existe outra maneira de resolver isso sem você ter que... bem, se amarrar a uma árvore?
- Uma árvore não! - eu corrigi, irritada. - Uma bananeira!
Ele levantou as mãos em rendição.
- Certo, uma bananeira. Mas não precisa ser desse jeito, precisa?
Olhei para ele, e por um segundo, achei que ele realmente entendia. Ele tinha uns olhos que quase me faziam esquecer do motivo pelo qual eu estava ali. Quase. Mas eu me segurei.
- Você não sabe o que é perder alguém e só ter uma planta como lembrança - eu disse, mais calma, o que pareceu pegar ele de surpresa.
Daniel ficou em silêncio por um instante. Ele abriu a boca para dizer algo, no entanto, foi interrompido por uma sirene. O que agora? A polícia?
Eram os bombeiros! Claro que alguém chamou os bombeiros. Era só o que faltava.
- Rafaela, saí daí, mulher! - gritou o sargento Roberto, que já me conhecia das outras confusões em que eu me metia.
Revirei os olhos, mas não soltei a corda.
- Não saio! Vocês vão ter que me carregar daqui!
Daniel levantou, impaciente, e foi até o sargento, tentando explicar a situação. Eles conversavam à distância, e eu só conseguia pensar no que o meu pai faria se estivesse vivo. Será que ele aprovaria o meu protesto?
De repente, senti uma mão no meu ombro. Era Daniel.
- Olha, Rafaela, eu realmente não queria chegar a esse ponto, mas a obra vai começar. Se você não sair, vai acabar se machucando.
Ele parecia sincero, e eu me senti dividida entre o orgulho e o medo de que ele estivesse certo. Olhei para a bananeira, para as vizinhas, para os bombeiros, e finalmente para ele. E então suspirei, derrotada.
- Tá bom. Eu saio. - eu disse, com a voz baixa, enquanto começava a desamarrar as cordas.
A multidão soltou um "ahhh" coletivo, decepcionada com o fim do show, e eu, derrotada, deixei a cena. Mas, antes de ir, lancei um último olhar para Daniel e disse:
- Isso não acabou, Correia. Eu vou pensar em outra forma de salvar essa bananeira.
Ele sorriu de canto, como quem já esperava por isso.
- Eu não duvido.
Aquele era o começo da minha luta que poderia parecer loucura, mas que, para mim, tinha todo o sentido do mundo.