A ideia de retomar as atividades prazerosas da noite passada me cruzou a mente, mas algum imbecil estava esmurrando a porta com uma urgência insuportável. Nesse instante, me perguntava por que diabos meus seguranças não estavam intervindo para evitar esse incômodo.
Nenhum deles ousaria tal afronta; sabiam quão profundamente eu detestava ser acordado assim. Desvencilhei-me dos toques das mulheres e me levantei da cama, completamente nu. Lancei um olhar pelo painel ao lado da porta para identificar o infeliz que se atrevia a me perturbar.
Era meu pai, acompanhado de seu fiel consigliere e do meu irmão mais novo. "Ma che cazzo!" – praguejei. Sem perder tempo, abri a porta. Enquanto meu pai olhava para mim com um semblante de horror, meu irmão Gael esboçava um sorriso cúmplice.
- Alessandro! Che cavolo fai, figlio mio... A reunião está prestes a começar e você está imerso nesta orgia.
Abri passagem para eles, enquanto meu pai, visivelmente irritado, gesticulava e resmungava em dialeto siciliano.
Rapidamente, apanhei minhas roupas do chão e vesti minha calça. Em seguida, dirigi-me à cozinha, observando meu pai adentrar o quarto e mandar, aos gritos, que as moças se retirassem.
Visivelmente assustadas, elas se vestiram às pressas e saíram de cabeça baixa, sujeitas ao olhar fulminante de meu pai e ao de luxúria de Gael.
- Basta! Não vamos mais procrastinar! Você vai ficar noivo ainda esta semana. Você é o meu sucessor e não pode continuar levando esta vida promíscua. Temos um código de honra para respeitar; um homem sem uma companheira digna ao seu lado jamais será respeitado, seja na família ou na máfia.
- Papa, os tempos são outros, a Itália mudou, a máfia também... - tentei argumentar, mas fui cortado.
- Somos uma das famílias mais veneradas da máfia italiana e assim continuaremos!
- Discordo das suas imposições e vou seguir a vida como bem entender. Já se perguntaram se a pretendida noiva está ao menos interessada?
Sabia que tinha ultrapassado os limites quando o tapa de meu pai aterrissou em meu rosto.
- Você me deve respeito, Alessandro, mesmo sendo um Capo respeitado, nunca esqueça que sou o patriarca desta família.
O ardor em meu rosto era quase simbólico, um lembrete das rígidas regras do mundo em que fui forjado. Negar minha herança seria o mesmo que negar minha própria identidade.
- Peço desculpas, Papa. Não foi minha intenção desrespeitá-lo. No entanto, ainda não concordo com esse casamento arranjado entre os Montenegro Leone e os DeLucca, tampouco com o curso que deseja impor à minha vida. Mas vou acatar sua vontade; assumirei minha posição de autoridade na máfia, mesmo que isso custe minha liberdade e felicidade pessoal.
- Você se acostumará. Foi para isso que te criei. Eu nasci para isso, e seus filhos também nascerão com esse destino. - Finalizou ele.
Ele me queria casado, não se passava em minha cabeça me render as regras impostas, meus planos eram outros e eu chegaria no topo como desejava era questão de tempo.
Meia hora depois ...
Ajustei o corte impecável do meu terno Armani, consciente dos olhares ávidos e inquiridores que convergiam sobre mim e Cesare. Éramos os herdeiros predestinados, os atores principais em um drama meticulosamente coreografado para unir inimigos de longa data.
O debate que permeava a sala tinha a tensão do pavio de uma bomba, esperando apenas a faísca certa para explodir. Em pauta estava o casamento arranjado de Cesare com Gabrielle DeLucca. A união pretendia acalmar as águas turbulentas de uma rivalidade que se arrastava por décadas, manchando o solo italiano com o sangue derramado em lutas fraticidas.
Em meio a esse emaranhado de interesses e tradições, um antigo rito deveria ser cumprido: a virgem de uma família entregue como oferenda, selando a paz ao perder sua inocência nas mãos do inimigo, acabando assim com a Faida, briga entre as famílias. Cesare era o escolhido, destinado a casar-se com Gabrielle. Mas a perspectiva me corroía; Gabrielle era mais que uma mera peça neste tabuleiro de poder e violência.
A repulsa me preencheu ao imaginá-la submetida a Cesare, e foi então que, movido por um impulso irracional, interrompi o debate com uma declaração audaciosa.
- Com todo o respeito, não posso concordar com o que está sendo feito aqui. - Falei, desafiando as sobrancelhas arqueadas e os olhares hostis, incluindo o de meu próprio pai. Don Raffaele, a autoridade incontestável da nossa família, silenciou a sala com sua voz dominante.
- Alessandro, você ousa questionar uma tradição que tem sido o pilar da nossa família e da nossa máfia por gerações? - Ele disparou, seus olhos como punhais apontados em minha direção.
Enfrentei seu olhar, sem recuar.
- Don Raffaele, as tradições têm o seu valor, sem dúvida. Contudo, permita-me lembrar que, conforme as próprias regras, deveria ser o primogênito solteiro da família inimiga a casar-se com a mulher da casa rival. Eu, por uma diferença de dois anos, detenho esse título, não Cesare. Gabrielle DeLucca, portanto, está irrevogavelmente destinada a ser minha esposa - retruquei com confiança, ignorando o olhar venenoso de Cesare e o alvoroço de vozes que se formou.
- Ela é minha, Alessandro! - Cesare exclamou, erguendo-se furioso, mas foi contido por meu tio.
O pai de Gabrielle, silente até então, parecia agora mais alarmado do que jamais estivera.
Don Raffaele levantou sua mão, silenciando a todos. Após ponderar a situação, proferiu sua decisão final.
- Alessandro, sua argumentação prevalece. Cesare, você irá acatar. E quanto a você, Alessandro, agora está oficialmente noivo de Gabrielle DeLucca. Você acaba de entrar no restrito círculo de homens que moldam o destino da máfia. - Declarou, sua voz soando definitiva.
Cesare, enfurecido, avançou em minha direção, mas Gael, meu irmão, interveio, impedindo qualquer eclosão de violência.
- Cesare, a palavra do Don é lei. - Afirmou meu pai, resolvendo a questão.
Don Raffaele instruiu que retirassem Cesare da sala, e a atmosfera carregada começou, enfim, a se dispersar.
Gael veio até mim, claramente preocupado.
- Você não ponderou todas as consequências, Alessandro. Sua decisão pode ter efeitos imprevisíveis. - Sussurrou ele, um véu de apreensão cobrindo seu rosto.
Mantive minha postura, percebendo que agora todos os olhares estavam focados em mim, especialmente o do patriarca dos DeLucca.
Não tinha certeza completa das razões que me levaram a agir daquela forma, tentava me convencer que seria uma vingança perfeita. Mas algo em meu íntimo sabia: na verdade, não poderia, não queria, ver Gabrielle nos braços de outro homem. Mesmo que ela fosse uma DeLucca, mesmo que a odiasse por isso, seu destino agora estava irrevogavelmente entrelaçado ao meu.