exigi que marque horários para eu atender ligações seja de quem for.
- Inclusive da mãe dele. -
completa Henrique.
Henrique Ferraz, com os seus 37 anos é sócio e melhor amigo de Aislan.
Amizade essa que vem da infância. Após terminarem a faculdade e estando
ambos sem rumo, eles decidiram apostar no ramo de hotelaria e com poucos
anos trabalhando na gerência da rede mais popular da cidade na época, eles
conseguiram construir o primeiro hotel Camp Jordan. Hoje, quinze anos
depois, está sendo construída a segunda pousada no litoral catarinense que
levam o mesmo nome. As pousadas são gerenciadas por Henrique, homem
aventureiro e que, ao contrário de Aislan, adora praia e calor. Por assim ser,
Aislan gerencia o hotel em Campos do Jordão e sabendo que nessa época o
amigo falta enlouquecer e também endoidar os funcionários, Henrique todos
os anos volta à cidade para ajudar o sócio e garantir que ele não demita a
metade deles... Como Ana, por exemplo.
- Primeiramente o meu nome é Ana, senhor e segundo que é a sétima vez
que o senhor Alcântara tenta lhe contatar, - insiste ela tentando explicar.
- Inventa uma desculpa e diga que eu retornarei a ligação assim que
possível.
- Ele está aguardando esse retorno há cinco dias, senhor.
Ana, a secretária. Trinta e três anos de pura bondade, sabedoria e paciência.
Bom! A sua paciência está sendo aos poucos abalada, coitada. Há cerca de
oito anos Ana passa por maus bocados na mão do chefe metido a magnata e
ela só suporta as humilhações por extrema necessidade. Recém-casada, ela
precisa ajudar o marido a quitar a casa própria e os gastos com a reforma e
as mobílias da casa nova. Isso até o marido ser promovido a gerente do hotel
concorrente e ela poder pedir demissão. A melhor época do ano para ela é
no verão, quando, como agora, Henrique toma as rédeas do hotel e ameniza a
pressão.
- Diga que em cinco minutos eu retornarei a ligação, Ana. Pode se
retirar e obrigado.
- Sim, senhor Henrique! Eu quem agradeço. Com licença!
Assim que Ana fecha a porta, Aislan fecha a pasta ao qual fingia analisar e
relaxa o corpo na luxuosa ⁹cadeira presidencial.
- Deus! Eu vou enlouquecer!
- Você clamando por Deus, Aislan?
- Força do hábito! Cara, tá foda!
- Como todos os outros verões. Relaxa sócio e meu amigo. Sempre
sobrevivemos às baixas temporadas e esse ano não será diferente.
- Eu sei, eu sei, mas o problema é que esse ano não é apenas a baixa
temporada que me preocupa. A Bruna vai se casar e a dona Rute resolveu
que vai aproveitar o embalo e vai se casar novamente. De novo cara, de
novo.
- Deixa a sua mãe ser feliz. O último casamento lhe causou muito
sofrimento e creio eu que até mais do que com o seu pai. Ela está
tentando... Você deveria tentar também.
- Eu? Euzinho me casar? Deus me livre! Dispenso o teu conselho.
- Clamou a Deus de novo.
- Dane-se! Já falei que é força do hábito. Preciso desenhar?
- Ok! Ok! Tá certo! Não está mais aqui quem falou.
- Obrigado!
- Relaxa parceiro. Toma aqui!
Henrique retira um carnê do bolso de dentro do paletó e oferece a Aislan
que toma o segundo gole do uísque importado antes de tomar o carnê em
mãos.
- O que é isso? A quebra do contrato?
- Você só pode estar enlouquecendo mesmo.
- Não! Isso é uma passagem de ida e volta para Natal, Rio Grande do
Norte!
- Presente antecipado de casamento para a minha irmã?
- Não! Presente de férias para você!
- Querido Henrique. Pelo fato de nos conhecermos desde crianças, de
termos estudado e crescermos juntos, termos criado uma rede de hotelaria
e de nos falarmos todo santo dia, eu creio que você saiba que eu odeio
praia e principalmente... Calor.
- Querido Aislan. Pelo fato de nos conhecermos desde crianças, de
termos estudado e crescermos juntos, termos criado uma rede de hotelaria
e de nos falarmos todo santo dia, eu tenho a absoluta certeza de que você
precisa viver coisas novas, sair desse mundinho e experimentar novos
horizontes.
- Bobagem!
- Bobagem é você ficar aqui nesse escritório trancado assinando cartas
de demissões. Bora! Levanta a bunda daí e vá para casa arrumar as malas.
Seu voo está marcado para amanhã às nove.
- Filho da...
- Ei! Me respeita e respeita a minha mãe. Você vai ficar na casa da
Manu. Ela já providenciou a limpeza da casa, as compras e tudo o que
você vai precisar para essa semana. A passagem de volta está marcada
para segunda-feira às vinte e duas horas.
- Por falar nisso, como ela está? Como vocês estão?
- Bem! Estamos bem! Ela está super empolgada com o término da
faculdade e ainda mais com o desafio de cuidar "sozinha" das pousadas.
Eu confio na competência e habilidade dela. Ela vai se dar bem.
- Eu também acredito que sim, mas vocês não vão completar quatro anos
de casados nesta semana?
- Cinco anos e sim, mas como eu disse ela está tão empolgada para
exercer o seu primeiro trabalho como dona do negócio que aceitou deixar
para comemorarmos quando eu retornar. Fizemos uma festinha para
comemorar o término da faculdade e isso já a deixou feliz.
- Eu acho isso estranho. Você poderia ter adiado essas viagens. Não será
fácil uma novata lidar com a alta temporada na pousada.
- Mulheres! Você sabe como são teimosas.
- E eu também sou. Agradeço a sua preocupação quanto a mim, mas eu
vou negar o seu presente.
- De maneira alguma. Depois de tanto trabalho? A Manu vai te odiar se
você não for.
- Que merda!
- Cara, para de reclamar! Vai curtir a vida.
- Curtir o que sozinho? É claro que eu levaria o Skoob, mas se for para
ficar trancado em casa com o meu cachorro eu fico no meu apartamento
mesmo.
- Meu! Natal! Verão! Alta temporada! Mulheres! Você só vai ficar sozinho
se quiser.
- Odeio o verão!
- E eu não sei como os seus funcionários te suportam.
- Eu não sou tão ruim assim. Até dei um presente de casamento para a
Cláudia.
Ana bate na porta e gentilmente Henrique a manda entrar.
- Senhor, só para lembrar que já se passaram os cinco minutos. E senhor
Aislan, o meu nome é Ana. Ana!
- Pode fazer a ligação... E Ana, o Aislan me contou que te deu um
presente de casamento. Posso saber que presente foi esse?
- Sim! Ele nos deu um faqueiro de 48 peças no valor de R$ 800,00, muito
chique. Quer dizer, chique demais. Eu nem sei quando vou usá-lo, talvez
no Natal, talvez. Eu não sei. A minha família é muito simples e até que eu
queria dar uma big festa lá em casa para comemorar o casamento, mas
não estamos em condições financeiras... Então eu vou deixar guardado...
Quem sabe um dia...
- Não reclama! Cavalo dado não se olha os dentes e se não tem utilidade
pode vender.
- Não senhor Aislan. Eu não vou vender. Presentes são presentes e
presentes não se vendem, nem se doam... Não se jogam fora...
- Exatamente! E presentes não podem ser negados. Levanta essa bunda
daí e aceita o meu presente. Vamos! Eu tenho negócios a tratar. Ana pode
fazer a ligação. Mais uma vez, obrigado.
- Sim senhor e disponha. Com licença.
Ana se retira. Aislan, sem saída, levanta-se dando o lugar para o seu sócio e
não encontrando mais argumentos, junta os seus pertences enquanto Henrique
atende o senhor Alcântara. Antes de sair da sala, Aislan dá um beijo na
cabeça de Henrique que pede um minuto para o senhor Alcântara e tapa a
saída de áudio do telefone.
- Vai nessa, irmão! Divirta-se! E ah... Eu deixei um presente lá pra você.
- Até imagino o que seja, mas eu vou deixar para agradecer depois que
eu voltar. Até mais, irmão e você vai me pagar por isso.
- Faço questão de pagar para ver. Boa viagem!