Mesmo cansada me sinto muito bem, estou com uma sensação deliciosa, quase palpável de que algo de bom vai acontecer hoje e até onde sei minha intuição funciona, o que me enche de entusiasmo.
Para acompanhar meu estado de espírito vesti meu jeans favorito que já está comigo há alguns anos e minha camiseta da sorte, não custa nada dar uma ajuda ao destino.
Ligo o rádio e ponho na minha estação preferida e a música que está tocando é Happy de Pharrel Williams, não é formidável! Isso é um bom sinal!
Dou a partida no carro e começo a cantar, ninguém vai me ouvir mesmo! Nunca saberão o talento vocal que há em mim...rio...uma gralha canta melhor do que eu. Por isso só me atrevo a cantar em locais fechados onde eu sou a única pessoa presente.
Meu humor está ótimo, eu amo quando estou assim. E pensar que essa semana começou conturbada, com contas atrasadas eu estava financeiramente no vermelho, mas por sorte e por indicação de minha amiga Nicole, a chefe dela que estava com a comemoração do aniversário do filho resolveu de última hora trocar os doces do buffet da casa de festas pelos meus, sei que Nicole deve ter levado algumas amostras para convencê-la, Nicole é muito boa nisso.
Sei disso porque sou alvo fácil de suas manipulações, ela sempre consegue tudo o que quer comigo, ainda bem que ela me ama e só me deseja o bem. Então sempre que a deixo me convencer no final dá tudo certo, sempre acabamos felizes ou dando gargalhadas.
Não trabalho somente com doces, aceito encomendas de doces e salgados para complementar meu salário de professora do ensino infantil, funciona como uma renda extra, a maior parte dos meus clientes são amigos e conhecidos de amigos, que fazem pedidos pequenos, mas este foi exceção, trata-se de uma encomenda grande que aceitei pela boa quantia em dinheiro e pelo pagamento que foi feito adiantado.
Por isso fiquei ontem e boa parte da madrugada trabalhando para entregar produtos de qualidade e frescos. Ninguém gosta de doces velhos.
Opto por pegar a rodovia para evitar o trânsito da cidade, a via está tranquila com poucos carros, o que me permite andar no máximo permitido.
O endereço da casa de festas é na orla da Lagoa da Pampulha, cartão postal aqui de Belo Horizonte, um lugar lindo e harmonioso, gosto de vir andar por aqui quando tenho tempo, o que faz muito tempo...rio da minha infantil conclusão.
Na orla há um espaço para caminhadas e uma ciclovia, quando eu tinha tempo, gostava de caminhar ou andar de bicicleta, chegava a pedalar o entorno da lagoa com facilidade, e olha que são em média 18 km, me sentia bem, livre e feliz.
Não que eu não seja feliz, eu sou, só não sou mais tão livre, e creio que não teria a mesma disposição.
Então vamos lá, concentração no trânsito para chegar logo no destino. Ainda bem que é sábado, assim posso chegar a tempo...
Que barulho foi esse?!
Pareceu um estouro! Procuro em volta e vejo quase que em câmera lenta, a minha direita se aproxima um carro rodopiando, meu instinto foi prático, segurei o volante e esperei o impacto.
Bateu!
Foi muito rápido, meu carro desalinhou e rodopiou na pista devido a velocidade que eu estava e com muita dificuldade consegui pará-lo.
Ainda bem que não capotou.
Novamente olho em volta e vejo que estou atravessada na via. Estou tremendo muito, minhas pernas não obedecem. O desespero cresce com o medo de ser atingida novamente.
Com as mãos trêmulas ligo novamente o carro, que funciona, sinto um alivio e consigo seguir para o acostamento da via.
Respiro fundo três vezes e saio do carro.
Olho em volta e vejo várias caixas espalhadas pela pista.
Ah não! Meus doces, minha encomenda!
Dou a volta em meu carro e vejo que o porta malas se abriu com o impacto da batida.
─ Não, não, não! ─ começo a gritar em desespero por me lembrar do pagamento adiantado que recebi e que terei que devolver.
Fecho os olhos e penso que só pode ser uma piada, que droga de intuição é essa?
Algo de bom vai acontecer hoje? Camiseta da sorte? Começo a gargalhar para mim mesma.
Mas espera!
Porque estou brava comigo?
Não fui eu que causei o acidente. Meu erro foi ter acreditado que hoje seria um dia especial.
Com fúria nos olhos decido procurar pelo autor ou autora da proeza automobilística e vejo que foi um homem e que ele já está vindo em minha direção.
Olho de novo para meus doces esmagados na pista para inflamar ainda mais minha raiva e espero a aproximação.
Bufo e preparo em minha mente os desaforos que vou dizer e como vou dizer.
Fecho os olhos e respiro apressadamente para demonstrar minha irritação, consigo sentir que ele está na minha frente, e então abro os olhos pronta para o embate.
Abro a boca, mas não consigo pronunciar uma palavra.
Tudo que planejei falar desaparece.
Não esperava por isso.