Bruno acreditou nas mentiras de Carla - que eu os abandonei por outro homem. Ele me internou em uma "clínica de reabilitação", que na verdade era o mesmo inferno de onde eu tinha acabado de fugir. Ele me entregou de volta ao meu torturador.
Eu gritei por ele enquanto as drogas percorriam meu corpo, mas ele apenas virou as costas e foi embora, me deixando para morrer.
A Agência me encontrou, quase morta. Eles me reconstruíram através do Projeto Rouxinol - um corpo totalmente cibernético, com minhas emoções e memórias apagadas.
Dois anos depois, eu sou a Dra. Helena Peres. Quando Bruno me encontrou, de joelhos implorando por perdão, eu não senti nada. Apenas me virei para o meu colega e disse: "Cláudio, eu aceito sua proposta de casamento."
Capítulo 1
Ponto de Vista de Amanda:
O mundo era um borrão nas bordas, uma colagem vertiginosa de poeira e asfalto. Meu corpo era uma dor pura, cada passo um lembrete brutal dos quatro anos que passei no inferno. Mas eu continuei, movida por uma única imagem: Bruno, meu marido, sorrindo. Nosso filho, Enzo, rindo. Casa. Eu finalmente estava em casa.
Os portões surgiram à frente, uma obra intrincada de ferro que eu mesma desenhei, um símbolo da vida pela qual lutei tanto para reconquistar. Tropecei, minhas roupas rasgadas grudadas no meu corpo esquelético, meu cabelo emaranhado de sujeira.
Duas figuras enormes saíram da guarita. Eles bloquearam meu caminho, seus rostos impassíveis.
"Afaste-se", um deles rosnou, a mão já em uma arma na cintura.
Minha garganta estava seca, minha voz era um chiado. "Sou eu", tentei dizer, mas apenas uma tosse seca escapou. "Amanda."
Eles trocaram um olhar, depois zombaram. "Mais uma tentando dar um golpe. Some daqui, moça."
A humilhação queimava mais forte que a minha dor física. Apontei para a casa além dos portões, sua silhueta familiar uma provocação cruel. "Minha casa. Minha família." Minha mão tremia, um apelo silencioso.
O segundo guarda riu, um som áspero e desdenhoso. "Sua família? A família de Bruno Sharpe está lá dentro. Você não se parece em nada com a Sra. Sharpe." Ele me empurrou bruscamente para trás, me fazendo cair na terra. Meus joelhos gritaram.
Nesse momento, um carro preto elegante parou nos portões, vindo de dentro. Minha respiração ficou presa.
Era o Bruno.
Meu coração martelava, um tambor frenético contra minhas costelas. Ele estava ainda mais bonito do que eu me lembrava, seu maxilar definido, seu cabelo escuro capturando o sol da tarde. Ele me reconheceria. Ele tinha que me reconhecer. Nem mesmo quatro anos de tortura e fome poderiam apagar a mulher que ele amava.
Ele foi minha âncora durante aqueles dias intermináveis. Meu tudo.
Lembrei-me do dia em que ele me pediu em casamento, não com um anel, mas com uma promessa esculpida em uma árvore no nosso quintal: "Amanda + Bruno = Para Sempre." Ele sempre dizia que eu era sua Estrela do Norte, a única constante em seu caótico mundo da tecnologia.
Quando nos casamos, ele jurou que nunca deixaria nada acontecer comigo. Ele costumava ficar acordado até tarde, me observando dormir, apenas para ter certeza de que eu estava segura. Uma vez, uma empresa rival tentou me contratar, oferecendo milhões. Bruno comprou a empresa, só para me manter por perto. Ele era obsessivo, sim, mas era a minha obsessão. Ele me lamentou publicamente, um viúvo de coração partido, por anos. Cada postagem nas redes sociais, cada entrevista, era um testamento de seu amor eterno.
Enzo, nosso filho, tinha apenas cinco anos quando eu parti. Ele se agarrava a mim como uma sombra. Bruno disse que Enzo se recusou a deixar qualquer outra pessoa ler histórias para ele dormir por meses depois que eu desapareci. Ele até manteve o meu lado da cama intocado. Eu sobrevivi pensando em seus rostos, em seu amor. Era meu escudo contra a escuridão.
Agora, anos depois, após a traição que levou à minha captura, os interrogatórios intermináveis, os afogamentos simulados, o frio, a fome... eu estava de volta. De volta para eles.
Bruno saiu do carro, seu olhar varrendo-me com indiferença casual. Ele parecia irritado com a comoção. Meu coração se encheu, uma esperança desesperada florescendo em meu peito. Ele estava vindo me buscar. Ele estava vindo para me puxar para seus braços, para me dizer que tudo tinha acabado.
Mas então, uma mulher saiu do lado do passageiro, sua mão deslizando para a de Bruno. Ela era linda, vestida impecavelmente, seu cabelo ruivo um contraste gritante com a minha aparência desbotada.
Carla.
Minha meia-irmã. Aquela que sempre ressentiu meu lugar nesta família, sempre tentou me ofuscar. Ela estava rindo, a cabeça jogada para trás, um som que revirou meu estômago. Minha rival. Aquela que eu sempre descartei como inofensiva.
Meu mundo inclinou. O ar saiu dos meus pulmões em um sopro. Isso não podia ser real.
Então Enzo, meu Enzo, saiu correndo da casa. Ele estava mais alto, seu rosto mais redondo, mas aqueles olhos travessos ainda eram os mesmos. Ele correu em direção a Carla, um sorriso largo no rosto.
"Mamãe!", ele gritou, se lançando nos braços dela.
A palavra me rasgou por dentro, despedaçando os últimos fios esfarrapados da minha sanidade. Mamãe. Não Mãe. Mamãe. A palavra íntima, querida. Do meu filho. Para ela.
Lembrei-me de Enzo, mal um bebê, tropeçando nos próprios pés, correndo para mim, seus bracinhos estendidos, chamando "Mamãe!". Ele odiava a família de Carla, odiava a presença deles. Ele costumava se esconder atrás das minhas saias quando eles visitavam. Como isso podia ser?
Bruno envolveu Carla e Enzo com um braço, formando um quadro perfeito e feliz. Uma unidade familiar. E eu estava do lado de fora dos portões, uma estranha esfarrapada. Minha visão turvou.
"Ei!", gritei, um som cru e gutural que rasgou minhas cordas vocais. Sacudi os portões de ferro, o metal frio mordendo minhas palmas em carne viva. "Bruno! Enzo! Sou eu!"
A cabeça de Bruno se virou bruscamente, seu sorriso desaparecendo. Ele franziu a testa, seus olhos se estreitando em minha forma patética. "Que diabos está acontecendo aqui?", ele exigiu dos guardas, sua voz carregada de irritação. "Tirem essa mendiga da minha casa!"
Um dos guardas, encorajado pela presença de Bruno, me empurrou novamente. Mais forte desta vez. Tropecei, raspando minha bochecha no cascalho. Sangue brotou ali.
Mas eu não me importei. Olhei para Bruno, meus olhos suplicantes, querendo que ele visse além da sujeira, além das cicatrizes, que ele me visse. A mulher que ele jurou amar para sempre.
Ele deu um passo mais perto, seu rosto gravado com nojo. Meu coração saltou. Ele está vindo. Ele finalmente está me vendo.