Vi o beijo da traição e a confissão triunfante de Eliza.
Eles acharam que tinham vencido, mas um milagre aconteceu: eu sobrevivi.
E quando acordei, diante de seu arrependimento desesperado, joguei em sua cara a verdade mais cruel que ele tentou esconder.
"Gabriel", eu disse, jogando na cama o anel de noivado que ele me deu. "Este anel... um dia, pertenceu a ela, não foi?"
Capítulo 1
Irene Girão POV:
Quando as portas pesadas da adega se fecharam atrás de mim, meu corpo tremeu, não só pelo frio que já começava a roer meus ossos, mas pela certeza fria de que Gabriel, o homem que eu amava, tinha me condenado à morte. O eco metálico do ferrolho se arrastando foi o som mais cruel que já ouvi. Minha respiração falhou. O ar parecia mais denso, mais gelado a cada segundo.
"Gabriel, por favor!" Minha voz saiu embargada, um sussurro fraco contra o barulho do sistema de refrigeração que ganhava força. O som parecia uma fera faminta. Eu bati no metal pesado da porta com os punhos. Dói. Mas a dor física era pequena.
Ele não respondeu.
A escuridão engoliu as poucas frestas de luz que vinham da fresta da porta. Eu estava sozinha. Mais sozinha do que nunca. A adega de vinhos da casa de campo da família Marques era um lugar que eu nunca gostei. Fria, úmida, cheirava a terra e vinho velho. Agora era minha prisão.
Minhas mãos estavam pálidas, as pontas dos dedos já começando a ficar roxas. O suor frio escorria pela minha testa, não de calor, mas de puro terror. Eu me encolhi, tentando abraçar meu próprio corpo, mas era como abraçar o vento. O vestido de seda que eu usava agora parecia uma segunda pele, incapaz de me proteger do frio cortante.
Foi Eliza. Eu sabia.
A imagem do rosto furioso de Gabriel, distorcido pela raiva, ainda queimava na minha retina. "Você sabotou meu projeto, Irene! Humilhou-me diante de todos! Como pôde?" Sua voz era um trovão. Ele se recusou a me ouvir, a ver a verdade. Seus olhos, antes tão cheios de amor, estavam cheios de ódio.
"Eu não fiz nada, Gabriel! Foi a Eliza!" Eu gritei, mas as palavras se perderam no ar gelado da mansão. Ele apenas me arrastou para cá, para a adega, seu aperto firme no meu braço. "Você vai ficar aqui até refletir. Até pedir desculpas pelo que fez!"
Desculpas? Por algo que eu não fiz?
O rosto de Eliza, com seus olhos de cervo inocente e um sorriso quase imperceptível, brilhou na minha mente. Aquele sorriso que sempre me incomodou. Aquele sorriso que, agora, eu entendia ser de triunfo. Ela sempre esteve lá, desde que me casei com Gabriel. A amiga de infância, a confidente, a sombra que nunca se afastava.
"Você é tão boa, Eliza", Gabriel disse uma vez, quando eu reclamei das suas invasões de privacidade. "Ela é como uma irmã para mim. Ela nunca faria nada para te machucar."
Ele estava cego.
Eu respirei fundo, tentando acalmar o pânico que apertava meu peito. Eu precisava pensar. O que Eliza tinha feito? Como ela conseguiu me incriminar? O projeto... o projeto do Grupo Marques, o mais importante do ano. Ela me acusou de vazar informações confidenciais para a concorrência. Uma sabotagem perfeita.
Minhas pernas falharam. Eu caí sentada no chão de pedra, sentindo o frio subir pelas minhas pernas. O chão estava úmido. O cheiro de mofo e vinho agora era esmagador. Eu me levantei novamente, cambaleando, tentando me mover, fazer o sangue circular.
O sistema de refrigeração zunia ainda mais alto, um lamento mecânico que parecia sugar todo o calor do ambiente. Eu sabia que essa adega era industrial. Era feita para manter vinhos raros em temperaturas extremas. Se estivesse no máximo...
Um calafrio percorreu minha espinha, que não era apenas do frio. Era a sensação de algo mortal se aproximando. Eu comecei a bater na porta novamente, mais forte. "Me tirem daqui! Por favor! Está muito frio!"
Nenhuma resposta. Apenas o zumbido implacável.
Eu me virei, procurando por qualquer coisa que pudesse me ajudar. Garrafas e mais garrafas de vinho se estendiam em prateleiras escuras, como pequenos caixões. Eu não era uma especialista em vinhos. Eu odiava o cheiro. Agora, eu só desejava que cada uma dessas garrafas estivesse cheia de algo quente.
Minha visão começou a embaçar. Eu senti meus lábios racharem, minha garganta secar. Eu abri a boca para gritar de novo, mas nenhum som saiu. Eu estava perdendo a voz. O medo me paralisou, mas também me deu uma faísca de raiva. Eu não podia morrer assim. Não podia deixar Eliza vencer.
Eu me arrastei até a parede, usando as prateleiras como apoio. Meus dedos estavam tão dormentes que mal sentia o metal gelado. Eu precisava encontrar uma saída. Era uma adega remota, na casa de campo. Ninguém viria me procurar tão cedo. Gabriel tinha me deixado aqui para "refletir".
Ele não sabia. Ele não podia saber que Eliza tinha subornado alguém. Que ela me queria morta.
Eu me forcei a rastejar, meus joelhos raspando no chão de pedra. Meus olhos tentavam se ajustar à escuridão, procurando qualquer coisa. Uma alavanca, um botão de emergência, uma fresta... qualquer coisa.
Mas só havia mais prateleiras, mais garrafas, e o frio que se intensificava, esmagando-me. Minha mente, antes tão lúcida, agora divagava. Eu via o rosto de Gabriel, mas não o furioso. O Gabriel que me pediu em casamento, o Gabriel que me prometeu amor eterno.
Uma lágrima congelada escorreu pelo meu rosto.
Ele me traiu. Não apenas com suas palavras, mas com sua crença na mentira de Eliza. Ele me jogou aqui.
Eu senti uma dor aguda no peito, mais do que o frio. Era uma dor de coração partido, de uma confiança destruída. Era o gaslighting, a traição devastadora que corroía minha alma.
Lembrei-me dos olhares de Eliza, seus comentários sutis que minavam minha confiança, sua maneira de se fazer de vítima para Gabriel. Ela sempre foi o anjo, eu sempre a intrusa.
Meus membros pesavam. Eu já não conseguia mais me mover. Minha pele ficou pálida, quase azul. Meus dentes batiam uns nos outros incontrolavelmente. A tremedeira era tão forte que parecia que eu ia quebrar.
Eu cai no chão novamente, dessa vez sem forças para me levantar. O chão de pedra gelado me abraçava, me puxava para baixo.
O sono. Eu queria dormir. Mas eu sabia que dormir seria... o fim. Eu lutei, forcei meus olhos a ficarem abertos.
"Gabriel..." Eu sussurrei, mas o nome se transformou em gelo nos meus lábios. Não havia mais perdão. Não havia mais amor. Havia apenas uma dor profunda e um vazio crescente.
Eu senti uma estranha leveza. O frio não doía mais tanto. Era uma sensação de paz. E então, eu vi.
Meu corpo. Lá, no chão da adega, encolhido. Os lábios azuis, a pele translúcida, as unhas roxas. O vestido de seda amarrotado.
Era eu.
Mas eu estava de pé. Observando-me. Eu não conseguia sentir o frio. Eu não conseguia sentir a dor. Eu era uma sombra, um sussurro no ar gelado. Um "eu" que flutuava acima do meu corpo inerte.
A porta da adega se abriu, uma fresta. Elias, o assistente de Gabriel, espiou para dentro. Seus olhos arregalados, o terror estampado em seu rosto. Ele se abaixou, tentando me ouvir, parecia.
Meu corpo no chão não se mexeu. Estava imóvel. Sem vida.
"Sra. Marques... Irene?" Ele chamou, a voz trêmula.
Eu queria gritar, queria dizer a ele que eu estava aqui, que eu não estava morta. Mas nenhum som saiu do meu novo, etéreo ser.
Ele correu para dentro, ajoelhando-se ao lado do meu corpo. Ele tocou meu pulso, depois meu pescoço. Seus olhos se encheram de pânico. Ele puxou o rádio. "Gabriel! Encontrei Irene! Ela... ela está à beira da morte por hipotermia!"
As palavras chegaram aos meus ouvidos como um eco distante. À beira da morte.
Mas eu estava aqui. De alguma forma, eu estava aqui. E eu vi. Eu vi a verdade que Gabriel se recusou a ver. Eu vi o horror no rosto de Elias. Eu vi meu próprio corpo, a prova da crueldade deles.
Uma força invisível me puxou para cima, para fora daquele lugar gelado, para longe do meu corpo sem vida. Eu não sabia para onde eu estava indo, ou por quê. Mas eu sabia que não era o fim. Era apenas o começo de algo.