Para completar sua fantasia doentia, decidiram que ela geraria meu filho, colhendo à força meus embriões enquanto eu estava acordada, sob o efeito de uma droga que intensificava a dor.
Heitor apenas observava.
"Apenas aguente, Elisa", ele murmurou.
Mas eles não me quebraram. Eu escapei e meticulosamente me apaguei do mundo dele. Meu ato final antes de desaparecer foi apertar 'enviar' - liberando cada pedaço de evidência para o mundo inteiro.
"Você tirou tudo de mim", escrevi. "Agora, vou tirar tudo de você. Dez vezes mais."
Capítulo 1
Minha vida se despedaçou em um palco, mas a verdadeira performance começou quando descobri que meu marido e minha médica orquestraram minha dor.
Eu encarava a tela, a mensagem piscando, um apelo desesperado do homem que havia destruído meu mundo. Ele implorava para que eu voltasse, prometendo mudar. Suas palavras eram uma piada cruel.
Ele alegava que suas ações foram para o meu próprio bem. Uma mentira doentia que eu já tinha ouvido inúmeras vezes.
Então, o tom dele mudou. De acusações para um sussurro frágil de dor, uma vulnerabilidade projetada para me fisgar de volta.
Não funcionou.
Meu dedo pairou sobre o botão 'bloquear', uma certeza fria se instalando em meu peito. O passado era uma ferida, mas eu estava finalmente pronta para cicatrizar.
Deletei o número dele, depois apaguei sua presença de cada canto da minha vida digital. Foi como trocar de pele, doloroso, mas necessário.
Meu novo celular vibrou com um alerta. Uma nova identidade, fresca e imaculada. Eu não era mais a mulher que ele conhecia.
Três anos. Três longos e torturantes anos se passaram desde que meu mundo implodiu.
Agora, uma reviravolta do destino, uma obrigação legal, me puxava de volta para a cidade que jurei nunca mais ver. O Rio de Janeiro. O lugar onde meus sonhos viraram pó.
Um rosto familiar do meu passado, uma ex-colega, me abordou no aeroporto. Ela ofereceu um sorriso forçado, uma pergunta nos olhos sobre ele.
Ela tentou entregar alguma mensagem, alguma justificativa para a ausência dele. Suas palavras ricochetearam em mim, sem deixar marca.
Meu coração era uma pedra. Não havia mais nada que ela pudesse tocar.
As memórias, no entanto, eram inevitáveis. Elas se agarravam a mim como sombras, cada passo um lembrete da agonia.
Tudo começou com o acidente. Uma queda no palco, um tornozelo torcido, pouco antes da minha grande estreia no Teatro Municipal. Os médicos chamaram de uma lesão que encerraria minha carreira.
Meu sonho, aquele que eu perseguia desde pequena, se foi. Simples assim.
A dor era infinita. Uma dor surda que se tornou minha companheira constante, uma manifestação física do meu espírito quebrado.
Meus pais, sobrecarregados com minhas despesas médicas e suas próprias vidas, lentamente se afastaram. Eu estava sozinha, ou assim pensava.
Ele estava lá. Sempre lá. Meu marido devotado, Heitor, o retrato perfeito de cuidado e preocupação. Ele era minha rocha, meu tudo.
Mês após mês, médico após médico, o prognóstico nunca mudava. "Dor crônica", diziam. "Dano neural irreversível."
Mas eu me recusei a desistir. Tinha que haver uma resposta. Encontrei um novo especialista, Dr. Esteves, um renomado expert em reabilitação.
Dr. Esteves fez novos exames, inúmeros exames, sua testa franzida com uma intensidade silenciosa. Ele me chamou em seu consultório, sua voz grave.
"Elisa", ele começou, "seu diagnóstico anterior... estava incorreto."
Meu coração disparou. Incorreto? O que isso significava?
Ele me mostrou os resultados. Meu corpo estava repleto de uma potente neurotoxina. A medicação que eu vinha tomando por três anos, prescrita pela Dra. Beatriz Medeiros, não estava me curando. Estava me aleijando lentamente.
Beatriz. Minha médica. A mulher em quem Heitor confiava.
"E a Dra. Medeiros", continuou Dr. Esteves, sua voz baixa, "ela é uma amiga próxima da família do seu marido. O irmão dela morreu protegendo o pai dele, um herói aos olhos deles."
As peças se encaixaram, formando um mosaico monstruoso de traição. Heitor. Beatriz. O acidente. Três anos de uma doença fabricada.
A fúria, fria e cortante, atravessou o choque. Eu tinha que confrontá-los. Eu tinha que saber por quê.
Entrei de rompante em seu escritório, os laudos médicos em minha mão trêmula. "Heitor! O que é isso?!"
Seus olhos, geralmente tão quentes, endureceram como lascas de gelo. Ele se levantou lentamente, uma calma predatória em seus movimentos.
"Elisa", ele disse, sua voz desprovida de emoção, "você não deveria ter visto isso."
Então eu ouvi. A voz de Beatriz, abafada e venenosa, do cômodo ao lado. "Ela está ficando desconfiada, Heitor. Precisamos aumentar a dose. Ela precisa continuar... dócil."
O sangue sumiu do meu rosto. Não era apenas um erro ou um diagnóstico errado. Era uma conspiração.
Ele deu um passo em minha direção, sua sombra me engolindo por inteiro. "Você estava se tornando... independente demais, Elisa. Isso foi para o seu próprio bem. Para te manter segura. Comigo."
Meu sangue gelou. "Você... você me envenenou! Você roubou minha vida!" Minha voz era um grito rouco.
Ele me deu um tapa. Forte. A força me jogou no chão. "Não se atreva a levantar a voz para mim, Elisa."
Ele arrancou os laudos da minha mão, rasgando-os em pedaços. "Não há mais provas agora."
Beatriz surgiu, uma seringa brilhando em sua mão. Um sorriso cruel brincava em seus lábios. "Hora da sua dose noturna, querida."
"Não!" gritei, me arrastando para trás. "Fique longe de mim!"
Mas ele me segurou, sua força esmagadora. Beatriz cravou a agulha em meu braço.
"Por favor", solucei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. "Só me deixe ir. Eu só quero dançar de novo."
Ele observou, seu rosto impassível, enquanto a droga fazia efeito. Minha visão turvou, meus membros ficaram pesados.
A última coisa que vi antes que a escuridão me levasse foi seu olhar indiferente. Tinha acabado.
Acordei em uma cama de hospital, o cheiro estéril um tormento familiar. Meu corpo parecia pesado, estranho.
"Você tem sorte de estar viva, Sra. Sampaio", disse uma enfermeira gentilmente. "Mais algumas horas e... bem, teria sido tarde demais."
Mais algumas horas. Eles tinham tentado me matar.
Uma dor oca se instalou em meu peito, substituindo a fúria. Eles haviam tirado tudo. Minha carreira, minha saúde, minha confiança.
Mas eles não podiam tirar minha luta. Ainda não.
Eu o deixaria. Eu sobreviveria a isso. Eu teria minha vingança.
Eu sabia que havia apenas uma pessoa que poderia me ajudar a realizar uma fuga tão elaborada. O homem que sempre fora um fantasma em minha vida, mas que detinha mais poder do que qualquer um que eu conhecia. Meu pai.
Peguei o telefone via satélite seguro, um presente dele anos atrás, e disquei o número gravado em minha memória.
"Pai", sussurrei, minha voz rouca. "Preciso da sua ajuda."