Isso foi antes de ele me queimar com água fervente e me trancar em um quarto do pânico, onde minha peçonhenta meia-irmã me eletrocutou com um taser até eu desmaiar.
Eu finalmente entendi. Ele não queria uma parceira; ele queria uma prisioneira para quebrar.
Então, no dia do casamento dele, preparei uma pequena surpresa. Enviei minha meia-irmã ao altar em meu lugar, explodi a mansão da nossa família em mil pedaços e embarquei no primeiro voo para a liberdade. Minha vingança estava apenas começando.
Capítulo 1
Meu sangue pintava o metal retorcido do carro, uma obra-prima mórbida no asfalto. O mundo girou e depois escureceu. Quando abri os olhos, o cheiro estéril do hospital substituiu o fedor de borracha queimada e do meu próprio medo. Foi um chamado para despertar, gritando mais alto que as sirenes, me dizendo que a vida perfeita que eu estava vivendo era uma mentira.
Eu costumava ser Helena Queiroz, a herdeira de espírito selvagem, conhecida por minha veia rebelde, meu amor por esportes radicais e um vlog de viagens ousado que acumulou milhões de seguidores. Agora, eu era apenas a noiva de Arthur Bittencourt, uma esposa troféu em treinamento. Minha vida, antes uma tela vibrante, havia sido reduzida a um feed de Instagram cuidadosamente curado, um eco abafado de quem eu realmente era.
Meu pai, Eduardo, sempre chamou minhas paixões de "frívolas". Meus esportes radicais eram "imprudentes". Meu vlog de viagens, "uma perda de tempo para uma mulher da sua posição". Ele via meu espírito vibrante como um problema, uma dolorosa lembrança da minha mãe, a artista de espírito livre que ele não conseguiu controlar. Então, ele me despojou delas, peça por peça, até que a única coisa que restou foi a casca de Helena Queiroz, moldada para se encaixar na imagem impecável da família Bittencourt.
Toda manhã começava não com a emoção de uma nova aventura, mas com uma lista de aulas de etiqueta: como segurar uma xícara de chá, como ter uma conversa educada com a esposa de um embaixador, como sorrir sem mostrar os dentes demais. Eu estava sendo polida, refinada, domada, como um animal selvagem destinado a uma jaula dourada.
Na semana passada, na gala de caridade da Sra. Matarazzo, Carla me encurralou perto da fonte de champanhe. Sua voz, doce como veneno, pingava falsa preocupação. "Helena, queridinha, você não acha que esse vestido é um pouco... demais? Arthur prefere um visual mais clássico. Você não gostaria de envergonhá-lo, gostaria?"
Senti o calor subir em minhas bochechas. "Arthur vai preferir o que eu escolher usar", disparei, minha voz mais afiada do que eu pretendia. "Ao contrário de algumas, não preciso me vestir para impressionar um homem que nem é meu."
O sorriso dela vacilou, uma rachadura fina em sua fachada perfeita. "Ah, Helena, sempre tão dramática. Apenas tente se lembrar do seu lugar. Algumas de nós realmente pertencem a este lugar."
Antes que eu pudesse responder, uma mão apertou meu braço. Arthur. Seus olhos, geralmente frios e calculistas, estavam ainda mais frios enquanto me percorriam, depois se voltaram para Carla, que agora exibia um beicinho perfeitamente inocente.
Mais tarde, na privacidade de seu escritório, ele não perguntou o que aconteceu. Ele não perguntou como eu me sentia. Ele apenas apertou mais forte meu braço. "Helena, você é minha noiva. Seu comportamento reflete em mim. Em nós. Você não pode simplesmente seguir as regras?" Suas palavras não eram uma pergunta, mas uma repreensão.
Naquela noite, deitada na cama grande demais da casa da minha infância, a verdade me atingiu como um golpe físico. Ele não se importava comigo. Não com a Helena, a Helena aventureira e rebelde. Ele se importava com a imagem, a reputação, o controle. Ele queria uma esposa, não uma parceira. Ele queria uma rainha dócil para seu império, não um espírito selvagem que desafiasse seu mundo perfeitamente ordenado.
Então veio o acidente. O guincho dos pneus, o vidro se estilhaçando, o solavanco súbito e violento que me jogou contra o volante. Escuridão. Quando acordei no hospital, meu corpo doía, mas minha mente estava mais clara do que estivera em anos. Os médicos disseram que eu tive sorte. Um milagre, até. Eles não sabiam que o verdadeiro milagre era que eu havia recebido uma segunda chance. Uma chance de parar de ser a Helena Queiroz que eles queriam e começar a ser a Helena Queiroz que eu queria.
Olhei para meu reflexo no espelho do hospital. Pálida, machucada, um curativo na testa, mas em meus olhos, algo novo cintilava. Não a resignação monótona a que eu me acostumara, mas um brilho feroz, quase primitivo. Uma fome por algo que eu pensei ter perdido para sempre. Liberdade.
"Chega", sussurrei, minha voz rouca. "Chega."
Na manhã seguinte, entrei no escritório do meu pai. Ele estava sentado atrás de sua imponente mesa de mogno, parecendo em todos os aspectos o titã da Faria Lima. Carla também estava lá, empoleirada na beirada de uma poltrona de veludo, irradiando uma doçura artificial que me dava nos nervos.
"Pai, estou cancelando o noivado com o Arthur", afirmei, minha voz firme, surpreendendo até a mim mesma.
O rosto de Eduardo, geralmente uma máscara de autoridade calma, se contorceu. "Que absurdo é esse, Helena? Você ainda está abalada pelo acidente? Isso não é um jogo!"
"Não é absurdo", contestei, encontrando seu olhar furioso. "E não sou uma criança brincando. Sou uma mulher cansada de ser negociada como uma mercadoria."
Seu punho bateu na mesa. "Uma mercadoria? Isso é uma fusão, Helena! Uma grande aliança que beneficiará nossa família por gerações! Você acha que eu não sei o que é melhor para você?"
"O que é melhor para você, pai, é o que é melhor para o legado dos Queiroz", disparei, uma risada amarga escapando dos meus lábios. "E para a Carla. Ela sempre foi sua filha obediente favorita, não é? Sempre tão ansiosa para agradar, tão disposta a fazer o papel."
Carla se encolheu, sua fachada doce rachando sob a acusação implícita. Os olhos de Eduardo se estreitaram. "O que você está insinuando?"
"Estou insinuando", eu disse, uma calma perigosa em minha voz, "que se a fusão Queiroz-Bittencourt é tão vital, e se a Carla é tão perfeita, então por que ela não se casa com o Arthur?"
Eduardo me encarou, boquiaberto. Então, um sorriso lento e predatório se espalhou por seu rosto. "Helena, você... você pode ter uma boa ideia." Seus olhos brilhavam com uma luz calculista, ignorando completamente o choque no rosto de Carla. Ele estava realmente considerando isso.
Ele se levantou, já andando de um lado para o outro, já fazendo planos. "Sim, sim, isso pode funcionar. Carla sempre foi mais... maleável. Mais controlável." Ele nem percebeu a ironia em suas palavras. Ele estava de costas para mim, seus ombros já curvados com o peso de novos esquemas. Meu pai, o empresário implacável, o homem que valorizava o controle e a reputação acima de tudo, estava realmente satisfeito com a perspectiva de trocar sua filha inconveniente por sua filha mais obediente. A ironia me atingiu como uma onda fria, me arrepiando até os ossos.
Os dias seguintes foram um borrão. Solicitei meu passaporte e um visto de não imigrante para a França. Minha melhor amiga, Clara, ficou chocada no início. "Helena, você está falando sério? Você vai simplesmente ir embora?"
"Estou falando sério", eu disse, minha voz firme. "Vou deixar tudo para trás. A jaula dourada, as regras sufocantes, o homem que pensa que me possui."
Naquela noite, me encontrei em uma boate no centro, luzes de neon piscando, o baixo pulsando no meu peito. O ar estava denso com o cheiro de suor, bebidas derramadas e liberdade crua. Eu dancei, ri, bebi, vivendo de verdade pela primeira vez em anos. Clara, parecendo horrorizada, continuava puxando meu braço. "Helena! O que deu em você? Você está agindo como uma selvagem!"
Eu apenas sorri, meus olhos brilhando. "Talvez eu seja. E é bom."
"Mas... e o Arthur?", ela sussurrou, seus olhos arregalados de preocupação. "E o noivado? O casamento é no mês que vem!"
Tomei um longo gole da minha bebida, o fogo líquido aquecendo minha garganta. "Ah, isso?", eu lhe lancei meu sorriso mais rebelde. "Considere resolvido. Eu transferi para a Carla."
Clara quase engasgou com a bebida. "Você o quê?! Helena! Você realmente o amava, não amava? Todos esses anos, você lutou por ele, você mudou por ele!"
Eu balancei a cabeça, as memórias parecendo distantes, como um sonho do qual eu finalmente acordei. "Aquilo não era amor, Clara. Era uma obsessão, uma ilusão. Eu só estava tentando ganhar um lugar em um mundo que nunca me quis. Agora, eu quero liberdade. Liberdade de verdade. E isso é só o começo." Avistei um modelo do outro lado da sala, seu cabelo escuro caindo sobre olhos intensos. Inclinei-me, um brilho perigoso em meu olhar, e o observei se aproximar. Ele sorriu, e eu sorri de volta.
De repente, uma sombra caiu sobre nós. Uma presença fria e familiar. Eu nem precisei olhar para cima. Meu coração se apertou, não de medo, mas de uma pontada de irritação. Arthur. Ele estava aqui.
Ponto de Vista de Helena: