Ele disse que tinha se apaixonado pela minha substituta. Que uma esposa cega e dependente era melhor para ele agora que a substituta estava grávida de seu herdeiro.
Ele havia construído um castelo para mim não para me proteger, mas para me aprisionar. Ele me deu o diamante 'Coração Eterno', e depois vendeu nosso amor por uma cópia barata.
Minha vida era uma mentira. Meu futuro foi roubado. E o homem que eu amava era um monstro.
Então, eu ateei fogo ao castelo. Enquanto as chamas consumiam o monumento à minha vida roubada, sussurrei para o inferno: "Seu amor é podre, Heitor, e eu não o quero mais."
Capítulo 1
Ponto de Vista de Lara:
Cinco anos atrás, no nosso aniversário, Heitor Montenegro desapareceu, e quando fui à polícia para relatar o ocorrido, me tornei a piada de São Paulo.
O ar na delegacia era denso, com cheiro de café requentado e indiferença. Minha cadela-guia, Luna, choramingou baixinho, o corpo pressionado contra minha perna. Meus dedos, dormentes de frio e medo, apertaram o cabo da minha bengala branca.
"Senhora, pode repetir o nome da pessoa desaparecida?", perguntou o policial, a voz carregada de uma paciência cansada que parecia mais insultante do que hostilidade declarada.
"Heitor Montenegro", eu disse, minha voz mais firme do que eu me sentia. "Ele é meu noivo. Estamos noivos há cinco anos."
Uma risada debochada explodiu de uma mesa próxima. "Heitor Montenegro? O magnata da tecnologia? Minha senhora, você tem certeza de que não anda assistindo TV demais?"
Meu queixo se ergueu. "Eu sou Lara Aguiar. Acredito que possam verificar minha identidade." Meu nome, antes sussurrado em arenas e estampado em capas de revistas, agora parecia uma palavra estrangeira na minha própria boca.
O policial suspirou pesadamente e começou a digitar. Um momento depois, sua cadeira rangeu quando ele se inclinou para trás. "Lara Aguiar... a patinadora artística? Aquela que ficou cega naquele acidente cinco anos atrás?" Ele me olhou, seu olhar uma mistura de pena e suspeita. "Os registros dizem que você é registrada como cega. Mas não há registro de nenhum noivado com Heitor Montenegro."
"Isso é impossível", sussurrei, sentindo o chão inclinar sob meus pés. "Nós moramos juntos. Na mansão dele no Guarujá."
"Senhora", disse o policial, seu tom se tornando condescendente. "Heitor Montenegro é uma figura muito pública. A noiva dele é Camila Moraes. Eles estão juntos há anos. Na verdade, acabaram de anunciar a gravidez dela esta manhã."
Uma onda de frio me percorreu, tão intensa que parecia que eu estava me afogando. "Não... isso não está certo. Camila Moraes... ela é uma atriz que se parece um pouco comigo. Heitor a contratou para um comercial uma vez, mas ele disse que achava a presença dela perturbadora. Ele nunca..."
"Perturbadora?" O policial riu, virando o monitor para seu colega ver. "Não parece muito perturbado aqui. Eles estão em todos os jornais."
O som metálico de uma transmissão de televisão encheu a sala. Eu não podia ver as imagens, mas a voz alegre da apresentadora era como uma lâmina raspando minha alma.
"O bilionário da tecnologia Heitor Montenegro e sua noiva, a atriz Camila Moraes, foram vistos esta manhã saindo de uma consulta pré-natal, parecendo extasiados de felicidade. O casal, que tem sido inseparável nos últimos cinco anos, está esperando seu primeiro filho..."
O mundo girou e ficou em silêncio. Uma dor aguda e lancinante atravessou minha cabeça, uma pressão se acumulando atrás dos meus olhos que era mais agonizante do que qualquer golpe físico. Minha bengala caiu no chão com um baque.
Cinco anos.
Cinco anos atrás, Heitor se ajoelhou diante de mim, o diamante brilhante do anel 'Coração Eterno' deslizando em meu dedo. Sua voz, embargada de emoção, ecoou em nossa sala de estar ensolarada. "Lara, minha estrela. Você é a única. Case-se comigo. Seja a Sra. Montenegro."
Cinco anos atrás, quando aquela atriz Camila Moraes foi sugerida para uma campanha, Heitor recuou. "Os olhos dela", ele disse, seus próprios olhos escuros cheios de aversão. "São calculistas demais. Não são nada como os seus, Lara. Os seus guardam a galáxia inteira."
Cinco anos de uma substituta pública. Cinco anos vivendo como um fantasma na minha própria vida, enquanto outra mulher usava minha identidade, meu futuro, e agora carregava seu filho.
A dor atrás dos meus olhos se intensificou em um clarão branco e ofuscante. Um grito rasgou minha garganta, cru e animalesco. Tropecei para trás, para longe da voz desencarnada na televisão, para longe das risadas dos policiais, para longe da mentira que se tornara minha vida.
Meu pé prendeu na perna de uma cadeira. Eu caí para frente, minha cabeça batendo na quina afiada de um armário de metal com um estalo doentio.
A escuridão, absoluta e familiar, me consumiu.
Mas desta vez, enquanto eu mergulhava no negrume, ouvi uma voz. Um grito em pânico, desesperado, que eu conhecia tão bem quanto as batidas do meu próprio coração.
"Lara! Oh, meu Deus, Lara, não!"
Era Heitor.
Um facho de luz perfurou a escuridão.
No início, pensei que era um sonho. Um truque cruel da minha mente danificada. Por cinco anos, meu mundo fora uma tapeçaria de sons, cheiros e texturas. A luz era uma língua esquecida.
Mas estava lá. Uma forma borrada e indistinta de branco. Um teto.
Eu pisquei. A luz se tornou mais nítida. As cores começaram a surgir na periferia - o azul pálido de uma cortina, o brilho de um suporte de soro prateado. Eu podia ver.
O choque foi um solavanco, tão poderoso quanto qualquer corrente elétrica. Eu podia ver.
Uma conversa abafada vinha do corredor, me tirando do meu torpor. A voz de um homem, baixa e tensa. A de Heitor.
"Como ela está, Marcos?"
"Ela está estável", respondeu outra voz, calma e profissional. "A pancada na cabeça foi severa, mas, ironicamente, parece ter deslocado a pressão no nervo óptico dela. É um milagre, Heitor. A visão dela pode ser totalmente restaurada."
Uma pausa. Prendi a respiração, esperando pelo alívio de Heitor, por sua alegria.
Em vez disso, sua voz saiu seca, desprovida de emoção. "Restaurar? Não. Não podemos deixar isso acontecer."
As palavras foram um soco no estômago. Pressionei a mão na boca, abafando um suspiro.
Marcos parecia confuso. "Do que você está falando? É isso que esperamos há anos!"
"As coisas mudaram", disse Heitor, sua voz baixando para quase um sussurro, um tom conspiratório que fez meu sangue gelar. "O conselho da família dele nunca aceitaria uma parceira com deficiência. Foi por isso que tive que usar a Camila em primeiro lugar, como uma substituta pública. Era para ser apenas temporário."
"Uma substituta?" A voz de Marcos era incrédula. "Você viveu uma vida dupla por cinco anos? E agora? A Camila está grávida!"
"Eu sei", a voz de Heitor estava embargada, uma estranha mistura de culpa e algo mais... algo mais suave. "Não era para se tornar real. Mas a Camila... ela esteve lá. Ela entende a pressão, as exigências do meu mundo. Com o tempo... as coisas aconteceram. Eu desenvolvi sentimentos reais por ela."
Sua confissão foi uma série de golpes de marreta, cada um estilhaçando um pedaço diferente do meu coração. Ele não apenas usou uma substituta. Ele se apaixonou pela impostora.
"Heitor, isso é loucura", alertou Marcos. "A Camila não é a santa que você pensa que ela é. Você se lembra do irmão dela? Aquele com as dívidas de jogo? O atropelamento que deixou a Lara cega nunca foi resolvido..."
"Não", a voz de Heitor foi afiada, cortante. "Não se atreva a tocar nesse assunto. A Camila é uma boa pessoa. Ela só teve uma vida difícil. Ela está carregando meu filho, Marcos. Meu herdeiro."
O silêncio pairou no ar, denso e sufocante.
"E a Lara?", Marcos finalmente perguntou, sua voz pesada com uma tristeza que espelhava a minha.
"A Lara nunca saberá", disse Heitor, seu tom assustadoramente confiante. "Ela está segura no castelo que construí para ela. Ela é cega. Ela depende de mim. Ela nunca descobrirá a verdade."
A verdade.
Meus olhos, meus olhos recém-abertos, percorreram o quarto. Na parede oposta à minha cama, havia uma série de desenhos a carvão emoldurados. Retratos que Heitor havia feito de mim nos primeiros dias. Eu no gelo, no meio de um giro. Eu rindo na chuva. Eu dormindo, sua mão possessivamente em minha bochecha até mesmo no desenho.
Cada um era um testamento de um amor que eu pensava ser épico, inquebrável.
Ele havia pintado uma obra-prima de devoção, e depois a vendeu por uma cópia barata. Ele havia construído um castelo para mim, não para me proteger, mas para me aprisionar.
Uma risada amarga e quebrada escapou dos meus lábios.
Meu olhar caiu sobre a mesa de cabeceira. Uma caixa de fósforos, deixada para trás por um visitante descuidado. Meus dedos, firmes agora, os alcançaram.
Um por um, tirei os desenhos da parede, o vidro das molduras frio contra minha pele. Empilhei-os no centro da área de estar da luxuosa suíte do hospital.
Risquei um fósforo. A pequena chama tremeluziu, uma estrela minúscula e desafiadora nos destroços do meu mundo.
Deixei-o cair sobre a pilha de mentiras.
As chamas lamberam as bordas do papel, consumindo a imagem do meu rosto sorridente, transformando as declarações de amor de Heitor em cinzas.
Caminhei até a cama, o calor do fogo aquecendo minhas costas, e com um único movimento deliberado, varri as brasas restantes para os lençóis brancos e imaculados.
O alarme de incêndio começou a soar, uma trilha sonora adequada para o inferno em minha alma.
"Seu amor está manchado, Heitor", sussurrei para o quarto vazio, a fumaça ardendo em meus olhos recém-abertos. "E eu não o quero mais."
A porta da suíte se abriu com um estrondo, mas não era uma enfermeira ou um médico. Era Heitor, seu rosto uma máscara de terror frenético.
Seus olhos encontraram os meus através das chamas, e por um único e horripilante momento, eu não vi o homem que amava, mas um monstro.
E eu soube que precisava escapar dele, ou seria queimada viva.
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