Quando o confrontei, ele me disse que sua amante estava grávida e que ele tinha me dopado porque ela estava "passando mal" e precisava da cerimônia. Ele me chamou de dona de casa inútil, depois riu e sugeriu que poderíamos criar o bebê dele e da Flávia juntos.
Sete anos da minha vida, minhas estratégias e meus sacrifícios construíram o império dele, e ele tentou me apagar com uma única taça de champanhe.
Mas quando o encontrei no fórum para finalizar nosso divórcio, ele apareceu fingindo amnésia de um acidente de carro, chorando e implorando para que eu não o deixasse no nosso "dia de casamento".
Ele queria jogar. Eu decidi criar as regras.
Capítulo 1
A taça de champanhe parecia fria na minha mão, um contraste gritante com a doçura enjoativa do perfume na suíte nupcial. Era para ser a minha renovação de votos, o grande espetáculo que meu marido, Ângelo Medeiros, havia prometido por anos. Um evento de Relações Públicas chave para sua campanha para a prefeitura de São Paulo.
Mas algo estava errado. Minha cabeça estava pesada, confusa, as bordas da minha visão embaçadas. Eu tinha bebido uma única taça de champanhe, a que o próprio Ângelo me entregou uma hora atrás.
- Só para acalmar seus nervos, meu amor - ele havia dito, seu sorriso tão brilhante e polido quanto suas ambições políticas.
Eu me levantei do sofá de veludo, minhas pernas bambas. A renda artesanal do meu vestido de noiva, aquele que passei meses desenhando, parecia estranha na minha pele. Tropecei em direção ao espelho de corpo inteiro e meu sangue gelou.
Não era o meu reflexo que me encarava. Era Flávia Santos, seu rosto uma máscara de alegria triunfante, usando o meu vestido. A amante do meu marido.
Meu fôlego ficou preso na garganta. Ouvi a música subindo do grande salão abaixo, a voz do celebrante começando a cerimônia. Uma onda de náusea me invadiu enquanto a verdade horrível me atingia como uma avalanche. Ele tinha me dopado. Ele estava me substituindo no altar.
Saí correndo da suíte, meus movimentos desajeitados e desesperados. Pelo corredor, através de uma pequena porta de serviço, encontrei uma sacada com vista para o salão principal. Lá embaixo, sob um dossel de rosas brancas que eu havia escolhido, Ângelo sorria radiante para Flávia. Ele deslizou uma aliança no dedo dela, a mesma que ele me mostrou neste mesmo quarto pouco antes de eu começar a me sentir tonta. A multidão, a nata da elite política da cidade, aplaudiu loucamente.
Isso era um espetáculo público, e eu era a piada.
A raiva, aguda e quente, rasgou a confusão em minha mente. Eu esperei. Esperei até a cerimônia acabar, até a imprensa ter suas fotos, até os convidados estarem bebendo seus coquetéis. Eu o encontrei na biblioteca, um canto tranquilo do local luxuoso. Flávia estava com ele, os braços em volta do pescoço dele, os lábios ainda unidos em um beijo de comemoração.
Eles se separaram quando entrei, seus rostos não mostrando surpresa, nem culpa. Apenas uma satisfação presunçosa.
- Que porra é essa, Ângelo? - Minha voz era um sussurro rouco.
Ele apenas zombou, um som desdenhoso e feio. Ele ajustou suas abotoaduras, seus olhos frios e desprovidos de qualquer emoção que eu reconhecesse.
- Alícia, não faça uma cena. É deselegante.
- Uma cena? - Eu ri, um som quebrado e histérico. - Você me dopou e casou com sua amante no meu lugar na frente da cidade inteira, e você está preocupado que eu faça uma cena?
- Foi necessário - disse ele, seu tom seco. - A Flávia... não estava bem. Ela precisava disso.
Ele olhou para mim então, um olhar de puro desprezo.
- O que você ia fazer? Você é uma dona de casa, Alícia. Você não trabalha há anos. Tudo o que você tem, você tem por minha causa.
Ele gesticulou ao redor da sala opulenta.
- Esta vida. Suas roupas. Seu carro. É tudo meu.
- Eu quero o divórcio - eu disse, as palavras com gosto de cinzas na minha boca.
Ele jogou a cabeça para trás e riu. Uma risada genuína e calorosa que fez meu estômago revirar.
- Vá em frente. Me ameace. Você não tem nada. Você não é nada sem mim.
Minhas mãos tremiam, mas minha mente estava subitamente, terrivelmente clara. A dor estava se transformando em outra coisa. Algo frio e duro.
Não disse mais uma palavra. Virei-me e saí, deixando-o rindo atrás de mim. Naquela noite, fiz uma única mala, peguei o dinheiro de emergência que havia escondido e deixei a mansão que chamávamos de lar. Encontrei um apartamento pequeno e barato do outro lado da cidade.
Imprimi um acordo de divórcio, do tipo padrão, consensual. Assinei e o deixei no pequeno balcão da cozinha, esperando.
Ele deixou uma semana passar. Provavelmente pensou que eu estava fazendo pose, dando um chilique. Ele esperava que meu dinheiro acabasse, que eu voltasse rastejando, implorando por perdão.
Quando não o fiz, ele perdeu a paciência.
Ele apareceu na minha porta uma noite, seu terno caro parecendo ridículo no corredor decadente do meu prédio. Ele torceu o nariz para o cheiro de desinfetante.
- É aqui que você está morando? Patético - ele zombou, passando por mim para entrar no pequeno cômodo.
Ele olhou ao redor, seus olhos cheios de desdém.
- Tudo bem, você já teve seu chilique. É hora de voltar para casa.
Ele se moveu em minha direção, suas mãos alcançando minha cintura.
- Eu até te perdoo por esse draminha. Podemos resolver isso. Hoje à noite.
Sua intenção era clara, e fez minha pele se arrepiar.
Eu me desviei de seu avanço e peguei os papéis do balcão. Estendi-os para ele.
- Assina, Ângelo.
Minha voz estava calma, uma coisa morta e sem emoção.
Ele arrancou os papéis da minha mão, seus olhos os percorrendo com um tédio teatral.
- Ainda jogando esse jogo? Está ficando velho, Alícia.
Ele sorriu de lado.
- Você está sendo infantil.