O som de metal a rasgar foi a última coisa que ouvi com clareza. Grávida e cheia de esperança, o meu mundo era o Miguel e o nosso bebé. O nosso carro girou na estrada molhada, o meu corpo atirado contra o cinto, que se cravou na minha barriga de grávida. Depois, o silêncio. Cheirava a queimado. O Miguel, o meu marido, mexia-se ao meu lado. Não olhou para mim. Não perguntou se eu estava bem. Pegou no telemóvel, os dedos a tremer, a marcar um número. "Sofia? Estás bem? Onde estás?" Sofia. A melhor amiga dele. Uma dor aguda, que nada tinha a ver com o acidente, atravessou-me. Eu estava presa no carro, a sangrar, a perder o nosso filho, e a primeira pessoa em quem ele pensou foi nela. As sirenes começaram a ouvir-se. Ele correu para ela, sem um olhar para trás. No hospital foi ainda pior. O nosso bebé não sobreviveu. A minha barriga vazia. A minha sogra, Helena, culpou-me pelo acidente. O Miguel, com a Sofia ao lado, acusou-me de esconder a gravidez. As lágrimas de crocodilo dela, a sua preocupação encenada, a encenação de "herói" dele – tudo uma farsa. Como pôde ele abandonar-me assim? Como pôde ser tão frio? O nosso amor, o nosso filho, valia tão pouco? O meu coração doía de luto e raiva. Mas a profundidade da sua traição, a crueldade casual, era ainda incompreensível. Até que cheguei a casa. Extratos bancários escondidos revelaram anos de pagamentos secretos à Sofia: renda, presentes, uma vida paralela financiada pelo nosso dinheiro. E depois, as mensagens dele para ela: "Ela está mesmo a levar a gravidez adiante? Pensei que tinhas dito que não estavas preparado." O meu mundo desmoronou-se, para se solidificar em seguida. A dor transformou-se numa resolução fria. A minha decisão era clara: Acabou. Peguei nos extratos e na mala, pronta para destruir a fachada que ele construíra.