O cheiro a antisséptico invadia-me as narinas quando acordei no hospital. A minha mãe estava aliviada, mas o Miguel, o meu marido, não. Ele estava a consolar a minha cunhada, Beatriz, que cozinhara o jantar com camarão, apesar da minha alergia mortal. E, no meio da minha quase morte, descobri que tinha perdido o nosso bebé. Para Miguel, a minha emergência era um inconveniente. Ele defendeu Beatriz, dizendo que eu "dramatizava". A minha sogra ligou para me culpar, chamando a minha alergia de "pequena". Senti-me invisível, despedaçada e incrivelmente só. Como podia o homem que eu amava ser tão cego e cruel? Era um acidente, diziam. Mas tudo cheirava a traição, a indiferença gélida. O meu bebé, a nossa promessa, foi-se. E porquê? Foi ao encontrar o tablet de Beatriz, com pesquisas sobre "dose letal de camarão para alérgicos" e "como induzir choque anafilático", e o seu diário, onde lia "O bebé deles, se existir, será apenas um dano colateral", que a verdade me atingiu. Não foi um acidente. Foi um plano. Naquele instante, soube que a minha vida, ou o que restava dela, nunca mais seria a mesma. A guerra tinha acabado de começar.