- Eu vou pra casa amanhã!- suspirei falando baixinho pra mim mesma ao olhar o céu azul e limpo, sentindo um cheiro suave de flores vindo do jardim.
Girei entre as roseiras, sentindo o vento bagunçar meu cabelo. Depois de tantos anos longe da minha família, finalmente eu voltaria para o lugar onde nasci.
Amanhã completo vinte e um anos. Estudei por quase uma década nesse colégio para garotas aqui nos Estados Unidos, seguindo ordens, regras e horários. Meus pais diziam que era o melhor pra mim, que um dia eu entenderia. Mas tudo o que eu queria agora era ter uma casa, minha família. Sentir o cheiro da comida da minha mãe. Ouvir meu pai reclamando da vida sentado na sala e dizendo coisas desconexas.
Mas quando ouvi alguém perguntar por mim no portão, estranhei. A data seria amanhã.
- Sim, vim buscar Eliza Altheron - Saí quase correndo. Por que será que vieram antes?
Pensei que veria o motorista da família ou - quem sabe - meu pai com seu semblante carrancudo, me esperando com os braços cruzados.
Mas o que vi foi um homem estranho, alto, vestido todo de preto. Ombros largos, olhos verdes, cabelo loiro escuro, expressão fria. Ele não parecia alguém que tivesse vindo buscar uma garota de volta pra casa.
Parei a poucos passos dele.
- Foi... foi papai quem te enviou? - perguntei, hesitando.
Ele não respondeu. Apenas entregou um envelope lacrado ao segurança do colégio. O homem leu, analisou os documentos e assentiu. Um gesto simples, e minha liberdade foi entregue nas mãos de um desconhecido.
- Traga suas coisas. Não posso entrar lá - falou gentilmente. Talvez eu esteja louca. Provavelmente seja o guarda costas novo do papai. E que homem, hein? Chegou a me dar um calor.
Arrumei minhas coisas rapidamente, já estava tudo no jeito.
Ele caminhou até minhas malas como se já soubesse exatamente onde estariam. Pegou todas sem esforço e seguiu em direção ao carro preto estacionado à frente.
Entrei no banco de trás, tentando controlar a inquietação.
No caminho, tentei puxar conversa.
- Qual o seu nome?
- Você trabalha com meu pai há muito tempo?
- Eles estão bem?
Nada. Nenhuma palavra. Só o barulho dos pneus na estrada e meu coração ficando cada vez mais apertado.
Até que o carro parou. Reconheci imediatamente a entrada da minha casa. De vez em quando meus pais me buscam no domingo.
Desci quase correndo, o coração batendo como louco, sentindo as lágrimas já se formando nos olhos. Era ali o meu lar.
Mas de repente tudo desabou.
Pah! Pah!
Dois tiros secos, duros, definitivos.
Meus olhos se voltaram para frente... e mesmo sem acreditar eu os vi. Meus pais, caindo. O sangue escorrendo pela calçada.
- N-não... - sussurrei. - Não, por favor...
Caí de joelhos. Meus gritos ficaram presos na garganta, e tudo ao meu redor desapareceu. O ar, o som, a luz. Só existia o vazio.
- O que você fez? Eles não te fizeram nada! - gritei sem conseguir me levantar - Porque? Porque?
Até que senti o cano da arma encostar na lateral da minha cabeça.
A voz dele, fria como gelo, acabou com o silêncio, me fez engolir o choro de imediato, mesmo que isso me matasse por dentro.
- Pegue o que for precisar. Depois, entre no carro.
Eu balancei a cabeça, negando, sem conseguir impedir as lágrimas de caírem novamente. Apertei as pedras do chão com força, pensando se adiantaria tentar acertar alguma nesse infeliz.
- Eu não costumo repetir. - A ameaça foi clara quando o ouvi engatilhar.
Me levantei trêmula, sem entender se estava viva ou morta por dentro. Entrei na casa que já não era mais minha. A mesma casa onde aprendi a andar, onde comemorei alguns aniversários e onde agora o sangue dos meus pais ainda manchava o chão da entrada.
Fui direto até o painel atrás da estante do escritório. Eu sabia que lá havia uma arma carregada. Já vi meu pai guardar algumas vezes.
Se era comigo que ele queria jogar, eu ditaria as regras. Explodiria a cabeça daquele demônio.
Abri o painel com mãos trêmulas. A arma estava lá, exatamente onde eu lembrava. Enfiei os dedos ao redor dela com pressa, sentindo o frio do metal contra a pele suada. Mas um envelope preso atrás da arma chamou minha atenção.
Era branco, fino, mas com um selo vermelho familiar.
O brasão da minha família.
Tirei o envelope com cuidado, era estranho. Meu nome estava escrito à mão na parte da frente, com a caligrafia precisa do meu pai.
Engoli em seco e o abri. Dentro, havia apenas uma folha, mas foi o suficiente pra derrubar tudo o que eu achava que sabia.
Nome: Eliza Altheron.
Execução: 23 de Abril, às 14h30 - portão do internato.
Autorizado por: Reginald Altheron
Era meu pai. A assinatura era dele. O mesmo homem que me deu uma boneca feita à mão quando completei sete anos. O mesmo que me ensinou a nadar, mesmo que aos gritos. Talvez só fosse exigente. O mesmo que dizia que eu entenderia seus motivos de me deixar naquele internato. Mas eu não entendia nada.
Ele havia me condenado.
Meu corpo congelou. O sangue pulsava nos meus ouvidos, e por um instante achei que fosse desmaiar. Tudo começou a fazer sentido: o estranho, o silêncio no carro, os tiros.
Mas por quê? Por que ele quis me matar? E por que esse homem, esse executor, não cumpriu a ordem? Veio um dia antes?
Guardei a arma no cós da calça, cobrindo com a blusa. Dobrei o papel e enfiei no bolso com os dedos ainda tremendo.
Respirei fundo. Era doloroso doloroso demais ser fria.
Então voltei até a porta, onde o homem me esperava, encostado no carro como se tivesse todo o tempo do mundo. Olhou pra mim, impassível. Eu o encarei de volta com um olhar que ele ainda não tinha visto.
Eu queria respostas.
Queria vingança.
- Vamos - murmurei, entrando no carro sem desviar os olhos do assassino.
Se ele não ia me matar... então talvez fosse ele quem me mostraria a verdade. E ficaria bem mais fácil comigo apontando a pistola na nuca dele dentro do carro.