Helena assentiu com a cabeça e agradeceu. O elevador de vidro parecia um tubo silencioso e luxuoso, subindo suavemente até o último andar. Enquanto observava os andares passarem, pensava em como sua vida mudaria - se aceitasse a proposta absurda que lhe fora apresentada. Ela não era uma mulher impressionável, mas nem mesmo seus estudos em Literatura ou sua frieza treinada a prepararam para o que estava prestes a enfrentar.
Tudo começara com uma conversa no modesto apartamento que dividia com a mãe. Seu pai, um ex-político envolvido em escândalos financeiros, lhe entregara a proposta como quem oferece um bilhete premiado.
- Helena, é uma oportunidade que não bate à porta duas vezes. Você se casa por um ano. Em troca, terá estabilidade, dinheiro e uma vida completamente diferente.
- Casar com um estranho? Só porque ele quer calar rumores sobre a própria sexualidade?
- Não é qualquer estranho. É Caio Vasconcellos. O homem mais poderoso deste continente.
E era verdade.
Caio Vasconcellos era uma lenda viva. Aos trinta e dois anos, era CEO da Titan Group, aparecia em capas de revistas internacionais, gerenciava bilhões e, mesmo sendo alvo de fofocas incessantes sobre sua vida pessoal, mantinha uma imagem de perfeição impenetrável. Ultimamente, os rumores sobre sua sexualidade haviam ganhado força demais. Para alguns, ele era gay. Para outros, apenas reservado. Mas, para os acionistas, essa dúvida era perigosa demais.
O elevador parou com um leve som. As portas se abriram revelando o andar executivo, minimalista e imponente, com janelas panorâmicas revelando a cidade que nunca dormia. Caio estava de pé, de costas, observando o horizonte. Quando se virou, Helena sentiu o ar preso nos pulmões.
Ele era ainda mais impactante ao vivo. Alto, cabelos escuros bem penteados, barba rala bem-feita, e um olhar cinza cortante. Vestia um terno escuro que parecia ter sido feito sob medida por deuses da alfaiataria. Não havia sorrisos. Apenas uma calma afiada como navalha.
- Senhorita Martins. - Sua voz era grave e precisa. - Obrigado por vir. Podemos sentar?
Ela assentiu, sem dizer nada, e sentou-se à frente da imensa mesa de vidro. Caio se moveu com a precisão de alguém acostumado a controlar tudo e todos.
- Vou ser direto - disse ele, sem rodeios. - Preciso de uma esposa. Você precisa de uma solução. Este casamento será um contrato. Nenhuma emoção envolvida. Apenas aparência.
Helena ergueu uma sobrancelha.
- E é assim que você costuma fazer negócios? Frio, direto e funcional?
- Funciona - respondeu, impassível. - E este casamento será, acima de tudo, uma aliança estratégica.
Ele abriu uma pasta de couro, tirando um contrato de dezenas de páginas e deslizando-o na direção dela.
- Duração inicial: doze meses. Você terá total acesso aos recursos necessários para sustentar a imagem pública de minha esposa. Isso inclui vestuário, assessoria, viagens, e uma mesada mensal. Ao final do período, receberá um pagamento extra em dinheiro ou ações, conforme sua escolha.
- E o que você espera de mim, exatamente? - perguntou, cruzando as pernas com calma forçada.
- Que desempenhe o papel de esposa ideal. Aparições públicas, entrevistas, eventos sociais. Precisamos convencer o mundo de que estamos apaixonados.
- Apaixonados? - Ela riu, incrédula. - Você sabe o que essa palavra significa?
Os olhos dele se estreitaram.
- Sei que o público sabe. E é isso que importa.
- Vai querer dividir cama também?
Caio não hesitou.
- Não. A menos que seja estritamente necessário para manter as aparências. Em casa, teremos vidas separadas. Privacidade total. Você terá seu espaço.
- E se eu quiser sair, visitar minha mãe, ou viajar sozinha?
- Desde que não prejudique nossa imagem pública, está livre para isso. Só exijo discrição.
Helena pegou o contrato e folheou as páginas, os olhos analisando as cláusulas com atenção. Tudo ali era claro, racional. Cada detalhe tinha sido pensado. Inclusive uma cláusula de confidencialidade extremamente rigorosa.
- E por que eu? - questionou, de repente. - Com certeza você poderia contratar uma atriz. Uma modelo. Alguém que entenda melhor esse tipo de teatro.
- Justamente por isso. Você não parece contratada. Sua história pessoal é complexa, real. Pessoas como você ganham empatia. Você não é uma figura superficial, e isso nos favorece.
- Então, basicamente, você quer usar minha reputação para limpar a sua?
- Exatamente.
Ela soltou um riso seco.
- E você é sempre tão... encantador?
- Quando preciso. Mas nunca no que diz respeito a sentimentos.
Helena assinou o contrato com um gesto decidido, ainda sentindo o gosto amargo da situação. Mas também havia um alívio silencioso. Ela estava exausta de sobreviver. Talvez fosse a hora de jogar o jogo, mesmo que isso significasse engolir o orgulho.
- A cerimônia será em três semanas - disse Caio, recolhendo os papéis. - Já temos uma equipe cuidando da narrativa nas redes sociais. Postagens antigas estão sendo reativadas, fotos do colégio foram encontradas. A versão oficial será que nos reencontramos após anos e reatamos uma antiga paixão.
Helena bufou.
- Isso é bizarro.
- Isso é necessário.
- Alguma cláusula sobre filhos? - perguntou, só para provocar.
- Nenhuma. Mas se decidir engravidar... vamos conversar.
Ela ficou em silêncio por um momento.
- Você sempre foi assim?
Caio ergueu os olhos, intrigado.
- Assim como?
- Frio. Controlador. Solitário.
Ele hesitou por um instante, mas respondeu com firmeza:
- Não é solidão. É foco. Emoções distraem. Eu lido com números, ações, decisões. Sentimentos são instáveis demais para o meu mundo.
- Talvez por isso todos pensem que você é gay.
Ele a encarou. E, por um segundo, o ar pareceu congelar.
- É exatamente por isso que você está aqui, senhorita Martins.
Ao sair do prédio, Helena sentiu o vento gelado bater contra o rosto. Seus passos estavam mais leves, mas a mente girava como um redemoinho. Ela havia assinado um contrato para se tornar esposa de um estranho. Um homem poderoso, distante, envolto em uma névoa de mistérios e especulações.
De volta ao seu pequeno apartamento, ligou o celular. Já havia notificações, comentários e mensagens. Perfis que ela nem lembrava mais começaram a seguir suas redes sociais. As páginas de fofoca haviam detectado movimento: "Reaproximação entre a filha de ex-parlamentar e o CEO mais cobiçado da década?"
Ela foi até a janela e olhou a cidade. Luzes, movimento, ilusões.
Sabia que o que estava prestes a viver não era um conto de fadas. Era uma farsa.
Mas talvez, só talvez, a mentira fosse o começo de algo que nenhum dos dois esperava.