Finalmente ela terá seu grande momento na academia. Ela será a primeira bailarina do Braxton Theater Center, uma das maiores companhias de teatro de Nova York. Eu acreditei que viver só balé me faria feliz para sempre, a vida não é só do profissional. Eu, recebia convites todos os dias para ter uma carreira na Broadway, revistas especializadas exibiram meu desempenho e falavam de mim como uma promessa no mundo do entretenimento. Até estudei teatro e atuação para quem sabe, investir nas artes cênicas. Meu agente criou mil possibilidades para continuar sendo sucesso, me filiei a uma agência de modelos e fiz campanhas publicitárias, cheguei a desfilar com os meus um metro e sessenta e nove na Nova York Fashion Week e já estava a agendada para Paris no ano que vem. Meu nome era contato, tinha bons contatos na agenda e convites para as mais badaladas festas dessa cidade. Mas eu não estava mais afim de continuar com isso, eu precisava respeitar a mim mesma e voltar para casa. Entrei no elevador do escritório, decidida a dar meu veredito final com meu agente Gregory Morone, a senhora Spencer e todos os envolvidos e perplexos com a minha ligação abandonando tudo isso.
- Bom dia, Kelly! - A assistente de Abgail Spencer de coração partido com a minha decisão veio até mim se levantando da sua cadeira de escritório no saguão. Éramos amigas desde o início de minha trajetória e sem dúvidas uma das poucas que poderia ter conselhos sinceros.
- Não entra nessa sala. Não desiste!
- Não estarei desistindo, só estou mudando de rumo! - Segurei suas mãos geladas e trêmulas. - Essa etapa da minha vida encontrou seu fim.
- Boa sorte garota! - Disse segurando as lágrimas.
- Obrigada!
Estava prestes a completar vinte e quatro anos. Era um pulo até os meus vinte e oito e seria mais traumatizante sair quando meu corpo não mais pudesse competir com as novas bailarinas.
- É uma decisão inconsequente! - Gregory ao lado de Schelb Thompson que me encarava com uma face reluzente de que conseguiu o que queria, porém contrariada com os últimos acontecimentos.
Apesar dela me odiar, parece que ela não gostou da ideia de ficar no meu lugar tão fácil. Eu tirei o direito dela de puxar meu tapete e se mostra melhor do que eu. Sem entender, ela não sabia nada da minha vida, ela chegou a sugerir que ficasse para a última temporada.
- A que acabamos de encerrar, foi minha última temporada!
- Tem certeza que não quer nos contar o que acontece? Algo de errado com sua mãe..., sua família no Brasil? - indaga Abgail.
- Eu preciso ir. - Esbocei um leve sorriso lembrando dos momentos bons, dos quais sou grata. - Senhora Spencer, eu te amo! Assim como você Gregory. Não seria nada do que sou hoje se vocês dois não tivessem entrado na minha vida aqui, nessa cidade tão grande e tão diferente de tudo que tinha conhecimento.
- Está com medo! Schelb chegou a comentar que estava distante e reparando os calouros da companhia.
Gregory insiste. E sempre Schelb falando o que não sabe...
- Eu não tenho medo de nada! É estranho, mas eu não sei há muito tempo o que é ser insegura. Daqui há quatro anos, terei vinte e oito anos e estaria próximo a minha aposentadoria dos palcos. Eu tenho projetos, tenho vontade de continuar com o balé no Brasil em outra situação, talvez como professora da minha própria academia. É apenas o que eu preciso, não mais o que eu quero por hora!
Abgail, tentou, fez Schelb sair da sala de reunião e acreditava que ela não é a melhor opção, mas seguiria o meu conselho.
- Eu acho que ela é a melhor depois de mim. Mary pode ser que melhore, mas para me substituir ainda é Schelb. Conversei com Erik, ele é meu parceiro de palco e ele também tem esse olhar.
- São negócios,. primeiramente. Ela tem carisma, mas creio um pouco sem graça em relação a se relacionar com os demais. - Disse Spencer frisando o olhar.
- Gregory pode resolver isso! Um pouco de treinamento social fará dela uma surpresa.
- Que essa surpresa seja boa!
Após considerar os riscos e acertos, Eles pararam tudo sobre a companhia e me fizeram chorar com presentes e gestos de carinhos e solidariedade. Abgail Spencer, a diretora e a maior acionista da holding que administrava a Braxton me deu um pulseira de ouro e esmeralda, ela sabe que eu adoro a cor verde, dizendo que eu era como uma filha para ela. Eu cheguei a ter um breve affair com seu filho, Ibrahim Spencer, o CEO da North Telecom e vendo as coisas se aprofundando entre a gente, e a possibilidade de ficar presa num relacionamento nos Estados Unidos, sem resolver essa pendência que tanto me aflige, coloquei um ponto final nessa relação e sem contar, que os holofotes vieram todos para mim e isso atrapalhou muito. Era rico demais, perfeito demais e eu não consegui ama-lo como ele merecia.
- Sentirei sua falta, da sua energia, da sua garra! - Disse Gregory já no elevador.
- Eu sentirei saudade de tudo!
- Então volta lá e assina aquele contrato para mais quatro anos e deixa a Schelb querendo comer seus olhos e quebrar suas pernas!
Só ele para me fazer rir chorando. Mas a minha decisão estava mais do que tomada.
- Você não tem noção o quanto esperei para o contrato acabar e poder voltar para casa com tudo que eu conquistei aqui.
- Boa sorte, garota! Eu estarei aqui para você!
- Te esperarei no Brasil. Você prometeu que passaria suas férias por lá!
Peguei um táxi, consegui o contato da transportadora e fui atrás de malas de viagens, pois queria levar minhas roupas e alguns itens que juntei durante minha vida aqui. Cheguei num centro comercial e fui em busca do que eu queria e ser breve, porém, por ironia do destino, acabei de frente com uma mulher enigmática, e seus seguranças, vestida impecavelmente com uma blusa de seda e pantalona de linho além da última coleção de bolsa Versace e sapatos que não identifiquei de imediato sua marca e cheia de pulseiras de ouro. Alguma coisa era familiar nela. Deixei- me observar discretamente aquela mulher e segui para a próxima loja de eletrônicos comprar um carregador novo. Ao sair da mesma, passei a responder o interesse de uma revista por uma entrevista breve e confirmar o serviço da transportadora. Por alguns minutos me entreguei ao que realmente fui fazer lá, mas fui seguida pela tal mulher e minha impressão sobre ela, seria confirmada:
- Cleonice!
Olhei para trás e vi aquela mulher linda e de maquiagem tão pesada quanto a minha, de sorrido meia boca e olhar penetrante. Era de se esperar que não viesse me abraçar ou dar três beijinhos no rosto como acontece no Rio de Janeiro. Sua atitude de só me encarar e esperar algo de mim era de certo a forma mais íntima que ela teria e teve comigo.
- Manal, como esse mundo é pequeno!
- Verdade! - Sorriu alegremente.
- Eu bem que te vi na capa de uma revista há um tempinho atrás e agora sei que era você mesmo.
Ela veio até mim e me abraçou.
- Como você está linda, malmente lembra aquela menina de aparelho e sonhadora de anos trás. Meu irmão ficaria de cabelo em pé ao te ver desse jeito. Lembra que suspirava por ele?
Sorri. Respirei fundo e concordei com a cabeça.
- Eu lembro sim. E Latifah?
- Está no Brasil. E eu casei, moro por aqui com meu marido.
- Sério! Tem filhos?
- Sim, eu tenho. Um casal. Najla e Mahmoud.
- Era o que você sempre quis, não era?
- Sim. - esse "sim" veio com um semblante de preocupação.
Não quis prolongar a conversa e busquei me livrar dela . Não por estupidez da minha parte, mas pelo fato dela não ser, digamos, uma amiga, estava bem longe de ser isso. Latifah estudou comigo entre o primeiro e o terceiro ano do ensino médio. Quando minha família caiu em desgraça, Latifah preferiu se afastar junto com outros amigos daquela época.