Kim Whitley
Não me lembro as horas, nem que dia é hoje. Eu queria muito saber. Não gosto do cheiro da fumaça constante que parece entrar pela janela e pela porta, nem mesmo do barulho dos vizinhos ou dos meus irmãos na sala. Não aguentava mais Christina batendo na porta a cada cinco minutos para ter certeza de que eu estava vivo e odiava ainda mais saber que tínhamos que partir em breve. Eu não gostava da ideia de partir, deixar ele aqui sozinho, sem família e sem amigos. Mesmo que, de certa forma, éramos os culpados por deixá-lo aqui. Ou talvez apenas eu fosse.
- Kim, ele chegou - grita Christina do outro lado da porta do meu quarto. Eu não gostava daquilo, mas agora parecia a única alternativa que restava para mim e meus irmãos.
Pego minha pequena mala, e por fim, a única foto que restou da nossa família completa. Olho uma última vez para algo que eu tive e que jamais terei novamente: uma família completa e feliz. Saio pela porta carregando apenas dor e algumas lágrimas ainda não derramadas.
Desço as escadas do meu quarto com medo de olhar para o lado e vê-lo me observando como fazia. Sempre procurando por detalhes de tramas futuras, mas sempre sem achar nada e cedendo a um jogo na rua de bola, ou a uma partida sem-fim de Monopoly.
- Temos mesmo que ir? - pergunta Helena assim que me vê descendo as escadas.
- É o melhor para nós - respondo baixo tentando acreditar em algo que eu discordava, porém, que tinha que aceitar calado. Não tinha idade, era o que a mamãe vinha repetindo nas últimas semanas todas às vezes em que tentávamos, em vão, fazê-la desistir de nos dar de bandeja. Era sempre o mesmo discurso.
"Eu não tenho mais idade para perder meu tempo com vocês. Dar tudo o que vocês precisam está longe do meu alcance, esse homem tem dinheiro e quer vocês. É o melhor para vocês."
Era só isso que ela dizia. Sempre repetindo a mesma coisa sem mudar nada e sem explicar o motivo daquele homem querer nossa guarda. Principalmente em como ele havia conseguido autorização judicial para isso com tanta rapidez, mesmo em um país tão rígido como Londres.
Observo a enorme picape a nossa espera, assim como observo todo o caminho até ao aeroporto. Faz dias em que eu evitava olhar para Christina, encará-la depois do que eu disse, vi e fiz. Era como olhar para ele e ver tudo acontecendo novamente.
O motorista da picape abre a porta e descemos um por um. Seguro a mão de Helena, enquanto observo o pequeno, porém, bonito avião à nossa frente.
- Este é um dos meus pequenos bebês. Espero que vocês gostem.
Olho para o homem à minha frente. Ele estava de terno e óculos escuros. Não havia dito nenhuma palavra a mim, a Helena ou a Evan. Ele falava apenas com Christina, ela sempre foi nossa responsável, mesmo não tendo idade. E sempre pensei que continuaria sendo, mesmo depois de tudo o que passamos. Pensei que continuaríamos juntos para onde quer que aquele homem nos levasse, o que infelizmente não aconteceu. Nossa família tinha se perdido no momento em que entramos naquele avião, apenas ainda não tínhamos consciência disso.