A mata parecia viva. As folhas secas no chão sussurravam segredos a cada passo apressado, como se quisessem denunciá-la. Isabel corria com todas as forças que ainda lhe restavam, os pés descalços resvalando nas pedras e raízes, o corpo se chocando contra os galhos baixos que riscavam sua pele como chicotes. O som dos cães de caça vinha cada vez mais perto, misturado às vozes raivosas dos homens que gritavam seu nome.
"ISABEL! EU VOU TE ALCANÇAR, NÃO ADIANTA CORRER!"
Ela não olhou para trás. Não podia.
A respiração vinha em estalos, o peito arfando como se o coração quisesse sair. Na mão trêmula, ela segurava firme o pedaço de papel já amassado e manchado de suor. Um segredo escrito em letras trêmulas, que poderia ser sua salvação ou sua ruína.
A luz da lua filtrava-se pelas copas das árvores, criando sombras fantasmagóricas que dançavam ao seu redor. Isabel quase tropeçou em uma pedra maior, mas segurou-se em um tronco, ofegante. Seus ouvidos captavam tudo: o som da água de um riacho próximo, os passos apressados atrás de si, os latidos.
Ela sabia para onde precisava ir. Domingos tinha dito que o quilombo ficava além do rio, no coração da floresta. Mas chegar até lá seria um milagre.
Por um instante, enquanto corria, pensou em Miguel. O rosto dele surgiu em sua mente - os olhos castanhos cheios de promessas, a voz baixa e terna dizendo que tudo daria certo. Mas ele não estava ali agora. Era ela contra o mundo.
Um estalo mais próximo fez seu corpo gelar. Ela sabia o que vinha depois: o coronel não a deixaria escapar. Isabel apertou o papel contra o peito e murmurou uma prece.
"Seja o que Deus quiser."
De repente, o chão pareceu desaparecer debaixo de seus pés. O corpo caiu pesado, rolando pela encosta íngreme. Ela tentou se segurar em algo, mas a terra molhada e as folhas apenas a faziam deslizar mais rápido. Quando finalmente parou, o corpo estava coberto de arranhões e lama.
O silêncio caiu por um breve instante. Era quase como se a floresta estivesse esperando.
Então ela ouviu: o estalo seco de um galho sendo pisado bem próximo.
Os olhos arregalaram-se. A última coisa que Isabel viu antes de levantar-se novamente e retomar sua corrida desesperada foi uma sombra se movendo entre as árvores.
A floresta engoliu seu grito.