O fato de ela não ter soltado um único som durante o espetáculo todo traz um gosto amargo à boca. Sorrio sem vontade. Seu corpo nu está jogado sobre a mesa, os pés virados para o lado norte do bar, oferecendo um vislumbre de sua intimidade. Em um dos tornozelos, uma tornozeleira brilhava. Dama de conforto, suponho. Uma das muitas. Não é surpresa ter acabado num bar de quinta como este. Deveria ter escolhido melhor sua clientela.
Um homem sorri em cima do corpo, enquanto outros curiosos se aproximam. Sinto um leve arrepio na pele antes de ser beliscado suavemente. Viro-me para a dama agarrada em meus braços, como uma criança medrosa buscando proteção.
- O que ela fez para irritá-lo? - gesticula em direção ao cadáver à frente.
Minha boca se torce em um esgar enquanto a encaro de cima, meus olhos apertados, sem o menor traço de simpatia. Seus olhos azuis piscam para mim, tentando parecer inocente. Um jogo que eu não estou afim de jogar hoje.
- Provavelmente, cometeu o erro de existir.
Algumas cabeças se viram em minha direção, mostrando que não estou tão escondido como gostaria. Droga.
- Provavelmente, ela não era obediente - ela continua, ignorando meu sarcasmo.
Reviro os olhos, sem paciência. Sabe, mulheres assim não se dão bem em nosso mundo. Disso eu não podia discordar. Me lembrei de alguém assim, tão insuportavelmente perspicaz que poderia enlouquecer o homem mais santo em poucas horas.
- Sabe, a ignorância é uma virtude, alguns imbecis diriam.
Ela franze as sobrancelhas, confusão brincando em seus lábios. Era admirável sua tentativa de me agradar, de me levar ao quarto dos fundos daquele bar fedorento, em troca de algumas moedas. Mas hoje, não.
- Senhor!
Ela paralisa em choque, encarando meu rosto. O capuz havia escorregado, expondo minha cicatriz. Nos seus olhos azuis, um reflexo perfeito da marca em minha face. Não era longa, mas cortava o olho esquerdo, uma lembrança que eu preferia esquecer.
Ela treme, soltando meu braço.
- O que foi? - pergunto cínico, abaixando-me o suficiente para sussurrar em seu ouvido. - Eu não sou o tipo de monstro que você está procurando?
Seus olhos se enchem de lágrimas, e, por um segundo, a fraqueza dela me diverte.
- Não, pelo contrário. O senhor é lindo - ela gagueja. - Tem uma cicatriz horrenda, mas...
- Isso não importa, desde que eu pague, não é?
Ela abaixa os olhos. Antes que possa responder, um barulho chama minha atenção: o som metálico de um zíper.
Viro-me para a cena e encaro sem acreditar.
- Vão marcá-la - a garota diz, ainda agarrada ao meu braço.
Por que?
- Porque eles querem deixar uma mensagem para o dono do território. - Ela respira fundo. - E claro, é uma maneira de outros não assumirem seus crimes... uma forma de humilhar o dono do território. - Seus olhos se desviam de mim por um instante, talvez pensando no que isso significa.
A irritação borbulha dentro de mim. O dono do território sou eu. Empurro todos à minha frente, permitindo que o capuz vermelho escarlate caia de vez, expondo meu rosto. O ar parece congelar ao meu redor. Cada passo que eu dava parecia fazer o chão ranger mais alto. Os murmúrios começaram, mas eu os ignorei. Meu capuz escorregou do rosto e, por um segundo, o ar pareceu preso nos pulmões dos que me observavam.
Estava chegando. E eles sabiam que nada de bom viria disso.
Um dos homens vira-se em minha direção, pronto para urinar no cadáver. Seus olhos vermelhos brilhando na penumbra, transfigurados como os meus. Cabelos negros e desgrenhados. Eu o reconheço. Sorrio.
Era hora de acabar com essa palhaçada.