Meus pais nos amavam demais, trabalhavam duro para nos sustentar. Nunca tive que trabalhar ou pedir, pelo menos não quando adolescente. Quando fiz 16 anos, meu pai morreu de um ataque cardíaco, nos deixando todos arrasados. Nossos sonhos tinham acabado e aparentemente, a sorte também.
Como se a vida estivesse determinada a nos apagar do mapa, minha mãe foi diagnosticada com câncer de mama. Conseguimos detectar a tempo, mas foi difícil juntar dinheiro suficiente para sua cirurgia. Seu estado de espírito não ajudava, mas era compreensível.
Sua outra metade havia morrido. Não tive outra opção a não ser arranjar um emprego. Tentei conciliar os horários da universidade com os da pizzaria. Eu era garçonete, me pagavam bem quando dobrava os turnos. Minha irmã foi piorando, então tive que pedir ajuda a alguns amigos do meu pai, mas eles não me estenderam a mão. Era de se esperar: cara vemos, coração não sabemos. Não tive escolha a não ser abandonar a universidade e procurar outro emprego. Tinha dois empregos e duas doentes em casa. A vida não é fácil, mas eu não desistiria.
Seis anos se passaram desde a morte do meu pai, minha irmã se mantinha estável, contanto que estivesse em medicação. Minha mãe era outro caso, seu câncer tinha voltado e dessa vez para ficar. Estava com metástase, então a perderíamos a qualquer momento. Tinha que suportar humilhações, desprezo, abuso e por aí vai, além de um chefe horrível. Bem, ele não era um homem horrível, muito pelo contrário. Media cerca de um metro e oitenta, era corpulento. Tinha olhos castanhos claros, como mel. Seu cabelo era como ele, rebelde, liso e rebelde. Sua pele era branca, como seu sorriso. No primeiro ano em que estive aqui, me apaixonei perdidamente. Era meu amor platônico, mas ele se encarregou de acabar com tudo com seu tratamento terrível. Sejamos realistas, ele nunca se interessaria por mim.
Sou uma mulher comum, um pouco acima do peso. Tenho cabelos longos, cor de mel, que sempre mantenho amarrado. Gosto de me vestir formalmente, uso roupas folgadas e minha armação preta de óculos tira o destaque do meu rosto. Então é lógico que ele não se interessaria por mim. Ele me chama de corvo, porque segundo ele eu sou uma mulher cinza, sem nenhum atrativo. Ouvi ele dizer para seu melhor amigo, então mandei todos os meus sentimentos passearem. Esse desprezível não merecia nada de mim.
Tinha que suportar o desprezo desse desgraçado todos esses anos. Cuidava de suas refeições de segunda a segunda, enviava suas roupas para a lavanderia e tinha que ficar de olho em suas compras, consertos para a casa e o cúmulo dos cúmulos: marcar seus compromissos. Às terças-feiras ele saía com mulheres morenas, às quartas dava oportunidade a alguma modelo e às quintas estava livre, saía para beber com seus amigos, que por sinal eram tão irritantes quanto ele.
Passava os finais de semana com a família dele. O senhor e a senhora Duncan eram pessoas bastante boas, pelo menos era o que eu imaginava. Algumas vezes, o senhor tinha me ajudado com minhas despesas médicas. Os irmãos do diabo eram totalmente diferentes dele. Marcelino era o irmão mais velho, era casado com uma advogada de prestígio, acho que se chamava Maria, Remata ou Maira, não me lembro ao certo. John era o do meio, bastante centrado. Não tinha uma namorada conhecida, todos diziam que era gay, mas eu duvidava, porque em uma das minhas idas à lavanderia, o encontrei muito carinhoso com a administradora do local. Finjo que não o conheço e sigo meu caminho. Max, também conhecido como o diabo, era o caçula dos três. Um homem de negócios, estudou negócios em Harvard. Quando seu pai adoeceu gravemente, ele assumiu as empresas e até hoje tem feito um ótimo trabalho.
Como todas as segundas-feiras, chegava mais cedo ao escritório. Faltavam vinte para as sete, o café estava pronto e as pastas dos novos contratos estavam preparadas. Tinha que levar as roupas para a lavanderia, mas isso seria mais tarde. O diabo aparece, não estava de bom humor hoje, coitada de mim. O telefone da minha mesa toca.
- Diga-me, senhor, o que deseja? - digo em tom profissional.
- O que eu vou desejar de você? Por favor, não me insulte tão cedo. Venha para minha sala, ou você esqueceu que precisa revisar a agenda?
Odiava esse homem, não entendia como as mulheres podiam aguentá-lo.
- Sim, senhor, já vou - desgraçado.
Levanto-me da minha mesa, faço o sinal da cruz e entro em sua sala.
- Senhor, hoje tem uma reunião às nove com os mexicanos. Já tenho os contratos prontos.
- Maritza, sente-se, precisamos conversar.
- O senhor dirá, senhor - respondo com respeito, embora por dentro queira arrancar seus olhos.
- Preciso que você se case comigo, precisamos fingir um relacionamento. Embora seja difícil de acreditar, todos conhecem meus gostos. Eu não me interessaria por um corvo.
Aperto minhas mãos em sinal de fúria, não aguentava mais. Será que ouvi certo? Ele enlouqueceu?
- Eu não me casaria com o senhor nem se fosse o último homem da Terra, senhor Duncan. O senhor é um "maldito desgraçado!". É por isso que todos o chamam de diabo e não estão errados.
Cada palavra que sai da minha boca está impregnada de veneno. São anos acumulando esse ódio, tudo por causa do seu péssimo tratamento.
- Não vamos nos casar por amor, nem Deus queira. É apenas um contrato. Eu vou te pagar uma boa quantia, então você aceita ou não? Se disser não, isso é uma despedida...
Olho nos olhos dele, seus lábios se mexem, mas ainda não consigo acreditar no que ele está dizendo. Trabalhei duro todos esses anos, não tenho esse cargo à toa.
- Então você vai tirar meu emprego porque eu não quero me casar com o senhor, senhor diabo.
- Não acredite que me chamando assim vou chorar - ele sorri maliciosamente - Você sabe que ganhei esse apelido com muito esforço. E se você não aceitar, esta é sua despedida. Você deveria aproveitar, vou te bancar roupas, salão de beleza e todas essas coisas que vocês mulheres usam.
- Não preciso disso, então eu renuncio "vá para o inferno!".
- Como quiser, só espero que morra em sua própria miséria.
A última coisa que ouço ao sair do escritório é uma gargalhada. Depois de tanto tempo, eu me sinto viva. Sou livre.