Khiera Alladien pensava em todas essas possibilidades enquanto encarava a manequim esguia de cera trajando seu futuro vestido de noiva. Era branco, coberto com pérolas e drapejado em tantos cantos, que olhos humanos jamais conseguiriam acompanhar sem sofrer de alguma câimbra de natureza duvidável nas órbitas. A cauda era tão longa que Khiera considerava mentalmente se o espaço da enorme Catedral de Alladien fosse ser o suficiente para acomodar tanto tecido estendido. Também tinham as rendas. O tule. Envolvendo o pescoço, os braços, e parte das costas. O buquê parecia ter sido feito com todas as tulipas do Jardim Real.
Ela precisaria entrar na igreja segurando o jardim?
Mesmo que fosse uma pequena amostra do verdadeiro buquê, Khiera foi incapaz de impedir que seus cabelos se arrepiassem com a visão.
Ela dobrou o pescoço.
Todos no salão guardavam silêncio enquanto ela examinava seu pior pesadelo pairando diante de si, em forma de traje nupcial. Seus pais, o rei e a rainha de Alladien, esperavam afastados, com os olhos ansiosos enquanto a filha examinava a peça tecida carinhosamente para o dia que se aproximava veloz como um raio. E como a morte. Abadia, a velha serva desconfiada, a observava com o semblante tenso, e Khiera quase podia ver as gotículas de suor deslizando por sobre as rugas de sua testa. Sabia que Abadia esperava quase desesperadamente pelo momento em que Khiera abrisse a boca e, bem, estragasse o momento todo.
Porque era isso que geralmente costumava acontecer.
Já haviam se passado cinco minutos desde que a princesa parara em frente ao vestido.
Mas finalmente, houve um movimento.
Khiera franziu o nariz, numa careta nada adorável.
― Ela é muito alta!
Todos no salão pareceram soltaram o ar, aliviados, e Khiera segurou a vontade de sair correndo do local sem nunca mais parar para olhar para trás. Ainda enviando um sincero olhar assombrado para o amontoado de pérolas diante de si, sentiu a mão pequena da mãe pesar gentilmente em seus ombros.
― Foi tecido pelas melhores costureiras do reino de Alladien, minha querida. Aquelas que dizem ter mãos de fadas...
― Mãe, tem certeza de que existe lugar para mim dentro disso aí?
Os pajens ao fim do salão tossiram na tentativa frustrada de esconderem os risos, e o rei pigarreou em seu lugar enquanto caminhava para o lado da rainha, toda a sua enorme estrutura se movendo no pesado manto dourado, a cor oficial de Alladien.
― Khiera, "isso aí" é seu futuro vestido de casamento, e a menos que você não goste deste, tenho certeza que haverá suficiente espaço dentro dele para você. Então, o que me diz?
"Digo que eu adoraria qualquer vestido que não me lembrasse de qual vai ser sua utilidade daqui a algumas semanas".
Para falar a verdade, adoraria qualquer coisa que a salvasse do que estava por vir.
Seria capaz até de casar-se com o próprio vestido.
Ela pigarreou.
― Penso que eu poderia trocar o véu, a grinalda e a coroa por uma cesta de frutas. ― "De preferência, todas as frutas mais odiadas pelo príncipe! ".
Abadia pisou na ponta de seu pé, obrigando Khiera a soltar uma exclamação dolorida enquanto o resto do salão caía novamente nas gargalhadas discretas. As faces da rainha coraram, e Khiera só percebeu que o pai sorria discretamente quando este se prostrou à sua frente. Rei Mhilton não se parecia com um homem velho em potencial. Apesar da idade e dos fios brancos se espalhando sobre a cabeça de forma aleatória, seu rosto era o mesmo rosto bonito e sem rugas de cinco anos atrás. Khiera só precisava que toda a bondade resguardada no fundo daqueles olhos topázios revisitassem, a libertando do nada agradável futuro que a esperava.
― Qualquer desejo seu será cumprido, minha filha. Desde ele te leve até o altar daqui a alguns dias com um sorriso no rosto.
O que certamente não aconteceria tão cedo.
Os risos cessaram. Mas até a vontade de Khiera em ser ácida evaporou. Porém depois, foi sua vez de pigarrear. Apesar de tudo, odiava a ideia de decepcionar o pai. Sabia que ele, mais que ninguém, precisava daquele casamento, e por mais que isso subtraísse seu coração a cinzas, ela jamais poderia se permitir afundar com sua teimosia acerca da duvidável espera pelo verdadeiro amor.
― Claro, meu pai.
Acenando satisfeito, ele estendeu o braço para a rainha, que em uma vênia respeitosa, se despediu dos presentes no salão.
― Agora vá dormir, minha querida. ― A rainha Jullien finalmente se pareceu apenas com sua mãe, baixa e com o rosto redondo emoldurado por grossos cachos grisalhos. ― E prepare-se pela manhã para conhecer o príncipe de Moheren. Rhajaran e seu pai chegam de viajem amanhã.
Rhajaran.
O nome foi capaz de rasgar os céus escuros dentro de seu peito. Era como conhecer o nome da sentença pela qual seria executada.
Khiera conteve o engasgo enquanto observava os pais deixando o salão, sobre os olhares acuados do restante dos presentes. Quando ambos sumiram pelas portas altas de alabastro, Abadia finalmente soltou o ar dos pulmões, relaxando os ombros e parecendo satisfeita com a felicidade dos seus senhores. Parecendo extremamente aliviada, ela voltou-se para Khiera, seus pequenos olhos de roedor ainda exalando um fraco ar de repreensão.
Porém Khiera, ainda mantinha o cenho enrugado.
― Eu falei sério sobre a cesta de frutas.