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A vida sexual de Catherine M.

A vida sexual de Catherine M.

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Sinopse

Índice

O que faz com que uma respeitada crítica de arte decida abrir publicamente, com inédita crueza e sem qualquer máscara, os detalhes de sua movimentada vida sexual? Catherine descreve como depois de perder a virgindade aos 18 anos, começou sua carreira de serial lover, transando com vários homens ao mesmo tempo em lugares variados, clubes privados, à beira de estradas, bancos públicos, além de casas particulares, ela viveu fartamente o que se poderia chamar de ´sexo pelo sexo´, ou seja o sexo sem qualquer tipo de vínculo sentimental - o sexo numérico, consecutivo, anônimo, sem preâmbulos, sem romance, puro prazer. Suas descrições de cenas sexuais são precisas, quase distanciadas. Catherine faz amor com a mesma naturalidade com que respira. O livro alinha não só descrições minuciosas de seus muitos e ocasionais amantes com fotos também pouco reservadas. Cuidado! O perigo está ao final de cada esquina.

Capítulo 1 O Número

Quando criança, eu era muito preocupada com os números. A lembrança que guardamos dos pensamentos ou das ações solitárias é muito clara: são as primeiras chances dadas à consciência de se mostrar a si mesma. Os acontecimentos compartilhados, por outro lado, permanecem presos à incerteza dos sentimentos que os outros nos inspiram (admiração, medo, amor ou aversão) e que, quando crianças, somos ainda menos aptos a enfrentar e mesmo compreender do que na idade adulta.

Lembro-me, então, particularmente dos pensamentos que, toda noite antes de adormecer, me aliciavam para uma escrupulosa ocupação de contagem.

Pouco tempo depois do nascimento de meu irmão (eu tinha então três anos e meio), minha família mudou-se para um novo apartamento. Durante os primeiros anos em que moramos lá, minha cama ficava no cômodo maior, diante da porta. Olhando fixamente para a luz que vinha da cozinha, do outro lado do corredor, onde minha mãe e minha avó ainda trabalhavam, eu não conseguia conciliar o sono enquanto não tivesse considerado, em seqüência, várias questões. Uma delas dizia respeito ao fato de alguém ter muitos maridos. Não pensava sobre a possibilidade de que tal situação existisse, o que me parecia óbvio, mas, evidentemente, sobre suas condições.

Uma mulher poderia ter muitos maridos ao mesmo tempo ou apenas um depois do outro? Neste caso, quanto tempo deveria ficar casada com um antes de poder trocar por outro? Quantos maridos ela "razoavelmente" poderia ter: alguns, cinco ou seis, ou um número muito maior, ilimitado? Como eu agiria quando crescesse? Com o passar dos anos, a contagem de maridos foi substituída pela contagem de filhos. Acho que me sentia menos vulnerável à incerteza quando fixava meus devaneios nos traços de um homem identificado (atores de cinema, um primo alemão etc.), com quem me encontrava sob o signo da sedução.

Imaginava assim, de maneira mais concreta, minha vida de mulher casada e, portanto, a presença de crianças.

Colocavam-se novamente as mesmas perguntas: seis era um número razoável ou se poderia ter mais? Que diferença de idade poderia haver entre eles? Acrescentava-se a divisão entre meninas e meninos.

Não posso rememorar esses pensamentos sem ligá-los a outras obsessões que também me ocupavam.

Na relação que eu tinha estabelecido com Deus, todas as noites ocupava-me com Sua alimentação e com a enumeração dos pratos e dos copos d'água que eu, em pensamento, Lhe servia — preocupada com a quantidade certa, com o ritmo da transmissão etc. Esta obsessão se alternava com as interrogações sobre o preenchimento de minha vida futura com maridos e filhos.

Eu era muito religiosa, e é possível que a confusão na qual eu percebia a identidade de Deus e de Seu filho tenha favorecido minha inclinação pela atividade de contagem.

Deus era a voz soante que, sem mostrar o rosto, lembrava a ordem aos homens. Mas tinham me ensinado que Ele era também o boneco de gesso rosa que eu colocava todo ano no presépio, o infeliz pregado na cruz diante do qual rezávamos — apesar de um e outro serem também Seu filho —, da mesma maneira que uma espécie de fantasma se chamava Espírito Santo.

Enfim, eu sabia muito bem que José era o marido da Virgem e que Jesus, sendo Deus e filho de Deus, O chamava de "Pai". A Virgem era não apenas a mãe de Deus, mas dizia-se também Sua filha.

Um dia, quando cheguei à idade de freqüentar o catecismo, quis ter uma conversa com um padre. Meu problema era o seguinte: eu queria me tornar religiosa, "casar com Deus" e ser missionária numa Africa onde pululavam povos desprovidos, mas desejava também ter maridos e filhos. O padre era um homem lacônico, e interrompeu a conversa, julgando minha preocupação prematura.

Até que nascesse a idéia deste livro, nunca havia pensado muito sobre minha sexualidade. Tinha, no entanto, consciência das múltiplas relações precoces que vivi, o que é pouco costumeiro, sobretudo para meninas, pelo menos no meio em que cresci. Deixei de ser virgem aos dezoito anos — que não é especialmente cedo —, mas participei de uma suruba pela primeira vez nas semanas que se seguiram a minha defloração.

Evidentemente, não tomei a iniciativa da situação, mas fui eu quem a precipitou, o que aos meus próprios olhos permanece um fato inexplicado.

Sempre considerei que as circunstâncias puseram em meu caminho homens que gostavam de transar em grupo ou de observar sua parceira com outros homens. A única idéia que eu tinha a esse respeito era que, sendo naturalmente aberta às experiências e não vendo nelas nenhum entrave moral, tinha, de boa vontade, me adaptado a elas. Mas delas nunca fiz nenhuma teoria e, portanto, nenhuma militância.

Éramos três rapazes e duas moças e acabávamos de jantar no jardim de uma casa, situada numa colina acima de Lyon.

Eu viera de Paris visitar um rapaz que tinha conhecido em Londres um pouco antes, e aproveitara a carona do namorado de uma amiga, André, que era de Lyon. Na estrada, pedi que parasse para eu fazer xixi. Quando estava agachada, ele veio observar e me acariciar. Não foi desagradável, mas fiquei um pouco envergonhada. Foi, talvez, naquele momento que aprendi a me livrar deste tipo de embaraço mergulhando meu rosto entre as pernas do homem, pegando seu pau com a boca.

Chegando a Lyon, André e eu nos instalamos na casa de uns amigos dele, Ringo e uma mulher mais velha, que era a dona da casa. Como ela estava fora, os rapazes aproveitaram para fazer uma festa.

Chegou outro rapaz, acompanhado de uma moça, alta, de cabelos muito curtos e grossos, um pouco masculina.

Era junho ou julho, fazia calor e alguém sugeriu que tirássemos a roupa e mergulhássemos juntos numa grande fonte que ficava no jardim. Eu já passava a camiseta pela cabeça quando escutei a voz de André, um pouco abafada, exclamando que sua "namorada" não seria a última a mergulhar.

Há muito tempo não usava mais roupas de baixo (apesar de minha mãe ter me obrigado a usar, desde os treze ou quatorze anos, sutiã e cinta-liga com o pretexto de que uma mulher "devia ter postura"). O fato é que, imediatamente, fiquei quase nua.

A outra moça começou também a tirar a roupa e, é claro, ninguém entrou na água. O jardim era devassado e, por essa razão, as imagens que lembro em seguida são as do quarto, eu na concavidade de uma cama alta de ferro forjado vendo, através das barras, apenas as paredes muito ilumina das, imaginando a outra moça estirada sobre um divã num canto.

André foi o primeiro a me comer, demorada e tranqüílamente como costumava fazer. Em seguida, interrompeu bruscamente.

Uma inefável inquietação tomou conta de mim, no tempo justo de vê-lo afastarse, andando lentamente, os quadris curvados, em direção a outra moça. Ringo veio substitui-lo em cima de mim, enquanto o terceiro rapaz, que era mais reservado e falava menos que os outros, acotovelado perto de nós, passava a mão livre sobre a parte superior do meu corpo. O corpo de Ringo era muito diferente do de André, e eu gostava mais dele. Ringo era maior, mais nervoso, era desses que separam o movimento da bacia do resto do corpo, que metem sem se deitar totalmente, o tronco sustentado pelos braços. Mas André me parecia um homem mais maduro (de fato, mais velho, ele tinha lutado na Argélia), sua carne era um pouco mais flácida e seus cabelos já um pouco ralos, e eu achava agradável adormecer enroscada nele, com as nádegas coladas em sua barriga, dizendo-lhe que eu tinha as medidas certas para aquilo.

Ringo se retirou e o rapaz, que antes apenas observava e me acariciava, tomou o lugar dele. Eu estava há algum tempo com uma terrível vontade de urinar. Tive de ir ao banheiro e o rapaz tímido ficou desapontado. Quando voltei, ele estava com a outra

menina. André ou Ringo, já não lembro mais, teve o cuidado de me dizer que ele tinha ido apenas "finalizar com ela".

Fiquei cerca de duas semanas em Lyon. Meus amigos trabalhavam durante o dia e eu passava as tardes com o estudante que havia conhecido em Londres.

Quando seus pais estavam ausentes, deitava-me em sua cama e ele sobre mim, muito atenta para não acabar batendo com a cabeça na estante que circundava a cama. Eu não tinha ainda muita experiência, mas percebia que ele era ainda mais desajeitado do que eu pela maneira como deslizava furtivamente seu sexo ainda flácido e pouco úmido em minha vagina, e pela forma como logo afundava o rosto em meu pescoço. Ele devia estar seriamente intrigado com o que deveriam ser as sensações de uma mulher quando me perguntou se o esperma quando lançado nas paredes da vagina proporcionava algum tipo de prazer específico. Fiquei desconcertada. Se eu mal sentia a penetração, como poderia sentir uma pequena gosma viscosa se espalhando dentro de mim! "É mesmo curioso, nenhuma sensação a mais?" "Não, nenhuma." Ele estava mais preocupado do que eu.

No final da tarde, o pequeno grupo de amigos vinha me esperar no cais onde a rua desembocava. Eles eram alegres e, um dia, observando-os, o pai do estudante afirmou de uma maneira simpática que eu devia ser uma puta de uma garota para ter todos aqueles rapazes à minha disposição. Para falar a verdade, eu não fazia mais contas. Tinha esquecido completamente minhas interrogações infantis sobre o número permitido de maridos. Eu não era mais uma "colecionadora", e os rapazes e as moças que eu via flertando nas festassurpresas (quer dizer, se amassando e beijando até perder o fôlego) com o maior número de pessoas para, no dia seguinte, contar vantagem na escola, me chocavam. Contentava-me em descobrir que este desfalecimento voluptuoso, experimentado no contato com a inefável doçura de todos os lábios estranhos ou quando uma mão se colava em meu púbis, podia se renovar infinitamente, pois confirmava-se que o mundo estava cheio de homens dispostos a isto. O resto me era indiferente.

Pouco tempo antes de tudo isso, eu quase tinha sido deflorada por um rapaz que me provocara uma forte impressão, ele tinha o rosto um pouco flácido, lábios imensos e cabelos negríssimos. Enfiando sua mão sob meu pulôver, ele percorreu uma superfície extensa do meu corpo, ao mesmo tempo que esticava a borda da calcinha até quase me cortar a virilha.

Assim foi a primeira vez que me senti tomada pelo prazer. Ele ainda me perguntou se eu "queria mais". Eu não tinha nenhuma idéia do que ele estava querendo dizer, mas eu disse que não, porque não imaginava o que podia acontecer além daquilo.

Aliás, interrompi a experiência e, apesar de nos reencontrar-mos regularmente nas férias, não pensei em repeti-la.

Não estava também muito preocupada em sair com alguém, nem com alguns.

Por duas vezes, estive apaixonada por homens com quem as relações fisicas não eram, em princípio, permitidas.

O primeiro tinha acabado de se casar e, de qualquer forma, não manifestava nenhum interesse por mim, e o segundo morava longe, não fazia, portanto, questão de ter um namorado.

O estudante era muito insípido, André era quase noivo de minha amiga, e Ringo vivia com uma mulher.

Em Paris, tinha Claude, o amigo com quem fiz amor pela primeira vez, que parecia estar apaixonado por uma jovem burguesa capaz de lhe dizer frases poéticas do tipo "veja como meus seios estão doces esta noite", sem permitir que ele fosse mais longe.

Comecei imediata e confusamente a compreender que eu não pertencia ao grupo das mulheres sedutoras e que, conseqüentemente, meu lugar no mundo era mais ao lado dos homens do que diante dos homens.

Nada me impedia de simplesmente renovar a experiência de aspirar uma saliva cujo gosto é completamente diferente, de apertar em minhas mãos, sem ver um objeto sempre inesperado.

Claude tinha um belo pau, reto, bem proporcionado, e as primeiras trepadas me deixaram na lembrança um tipo de entorpecimento,como se eu tivesse ficado intumescida e obturada por ele.

Quando André abriu a braguilha na altura do meu rosto, fiquei surpreendida ao descobrir um objeto menor e também mais maleável porque, ao contrário de Claude, ele não era circuncidado.

O pau com a cabeça imediatamente à mostra se dirige ao olhar e provoca excitação por sua aparência de monolito liso, enquanto o vai-e-vem do prepúcio, revelando a glande como se fosse uma grande bolha de sabão na superfície da água, suscita uma sensualidade mais fina, sua flexibilidade se propagando em ondas até o orifício do corpo do parceiro. O pau de Ringo era mais do tipo do de Claude, o do rapaz tímido mais como o de André, e o do estudante pertencia a uma categoria que eu só reconheceria mais tarde, a dos que, sem ser particularmente grandes, proporcionam à mão uma imediata sensação de consistência, talvez em razão de uma camada cutânea mais densa. Eu aprendia que cada sexo suscitava de minha parte gestos e até comportamentos diferentes. Da mesma maneira que, a cada vez, era necessário adaptar-me a outra epiderme, outra carnadura, outra pilosidade, outra musculatura (não é preciso dizer, por exemplo, que a maneira de agarrar um tronco que nos cobre varia segundo sua conformação: ele pode ser liso como uma pedra, pesado e com algum veio ou ainda os que impedem a visão da genitália. É, também, evidente que estas visões não repercutem no imaginário da mesma forma, e, assim, retrospectivamente, parece que minha tendência era de ser mais submissa aos corpos mais magros, como se eu os considerasse verdadeiramente machos, enquanto tinha

mais iniciativa com os corpos mais pesados que eu feminizava, qualquer que fosse seu tamanho); a compleição característica de cada corpo parecia me induzir a atitudes próprias.

Guardo a lembrança agradável de um corpo nervoso, com uma vara afilada golpeando apenas minha bunda a distância, com as mãos sustentando minhas ancas, sem que praticamente nenhuma outra parte do meu corpo fosse tocada.

Inversamente, homens gordos, apesar de me atraírem, me incomodavam quando se esparramavam sobre mim e, sem que eu procurasse me desvencilhar,combinavam comportamento e corpulência, com uma tendência a beijocar e lamber. Enfim, entrei na vida sexual adulta como uma menina, abismava-me às cegas no túnel do trem- fantasma pelo prazer de ser sacudida e apanhada por acaso. Ou melhor, pelo prazer de ser engolida como uma rã por uma serpente.

Alguns dias depois de minha volta a Paris, André mandou uma carta para me prevenir, com tato, que todos nós provavelmente havíamos pegado uma gonorréia. Minha mãe abriu o envelope. Mandaram-me ao médico e proibiram que eu saísse. Mas, a partir daí, o pudor de que meus pais pudessem me imaginar transando tornou- se extremamente intransigente e não me permitiu continuar a suportar a coabitação com eles. Fugi e fui recapturada. Finalmente, deixei de viver definitivamente com eles para viver com Claude. A gonorréia tinha sido meu batismo e, depois, durante anos, vivi obcecada por aquela ruptura que, no entanto, me parecia ser uma espécie de marca distintiva, uma espécie de fatalidade compartilhada pelos que trepam muito.

"Como um caroço..." Nas maiores surubas que participei, nos anos seguintes, era possível encontrar algumas vezes até cento e cinqüenta pessoas (nem todas trepavam, algumas iam apenas para observar), e com um quarto ou um quinto delas eu fazia sexo de várias maneiras: com as mãos, com a boca, na boceta e no rabo. Acontecia de beijar e trocar carícias com outras mulheres, mas isso era muito secundário.

Nos clubes, a quantidade era mais variável certamente em função dos participantes, é claro, mas também dos hábitos do lugar — retomarei a questão mais adiante. Para as noites passadas no bosque de Boulogne', a estimativa seria ainda mais difícil de ser feita: devo considerar apenas os homens que chupei com a cabeça comprimida contra o volante dos carros, ou aqueles com quem mal tive tempo de tirar a roupa dentro da cabine de um caminhão, e não levar em conta os corpos sem cabeça que se alternavam do lado de fora da porta do carro, sacudindo com mãos loucas cacetes em vários estágios de ereção, enquanto outras mãos mergulhavam pelo vidro aberto para massagear energicamente meus peitos? Hoje, sou capaz de contabilizar quarenta e nove homens que me penetraram e aos quais posso atribuir um nome, ou, pelo menos, em alguns casos, uma identidade. Mas não posso incluir nos cálculos os que se perderam no anonimato.

Nas circunstâncias que evoco aqui e também nas surubas quando havia pessoas que eu conhecia ou reconhecia, o encadeamento e a confusão dos amassos e das trepadas eram tais que, se era possível distinguir corpos, ou ainda seus atributos, nem

sempre era possível distinguir as pessoas. E mesmo quando evoco atributos, devo confessar que não tinha sempre acesso a todos eles; certos contatos são muito efêmeros e, se muitas vezes podia, de olhos fechados, reconhecer uma mulher pela doçura de seus lábios, não poderia necessariamente reconhecê-la pelos toques que, eventualmente, podiam ser muito enérgicos. Já aconteceu de me dar conta apenas bem depois de estar há algum tempo trocando carícias com um travesti. Estava entregue a uma hidra até que Éric se separasse do grupo para me soltar, como, ele mesmo disse, "como um caroço da fruta".

Conheci Éric aos vinte e um anos, depois de ele ter-me sido "anunciado", várias vezes, por amigos comuns que estavam certos de que, considerando meus gostos, ele seria, sem dúvida, um homem que eu deveria encontrar.

Depois das férias em Lyon, eu e Claude tínhamos continuado a ter relações sexuais em grupo. Com Éric, o regime se intensificou, não somente porque ele me levava a lugares onde eu poderia me entregar a um número incalculável de mãos e de cacetes, mas sobretudo porque as sessões eram realmente organizadas.

Sempre estabeleci uma diferença clara entre as circunstâncias mais ou menos improvisadas que levam os convidados, depois de um jantar, a se redistribuir em sofás e camas à sua volta, ou as que fazem um grupo animado dar voltas de carro na porta Dauphine, até estabelecer contato com os passageiros de outros carros e acabar todos juntos num grande apartamento, e as noitadas organizadas por Éric e seus amigos. Eu preferia o inflexível desenrolar destas últimas e seu objetivo único: não havia precipitação nem crispação, nenhum fator estranho (álcool, comportamento exibicionista...) emperrava a mecânica dos corpos. As idas e vindas jamais se afastavam de uma determinação de insetos.

As festas de aniversário de Victor eram as que mais me impressionavam. Na entrada, seguranças com cães falavam em walkie-talkies e a multidão me intimidava. Algumas mulheres vestiam-se para a ocasião com roupas transparentes que eu inveJava e, enquanto as pessoas chegavam e se reencontravam tomando champanhe, eu me mantinha à parte. Só me sentia à vontade quando tirava o vestido ou a calça. Minha nudez era a roupa que verdadeiramente me protegia.

A arquitetura do lugar me divertia porque parecia uma butique da moda, La Gaminerie, que ficava no bulevar Saint-Germain. Era uma gruta, maior do que a butique, com cavidades de estuque branco. Nos reuníamos no subsolo e a iluminação vinha do fundo de uma piscina que ficava diretamente sobre a gruta. Através do fundo de vidro, como em uma imensa tela de televisão, assistíamos a evolução dos corpos que mergulhavam na piscina na parte de cima. Descrevo um lugar no qual não costumava me deslocar muito. A escala das coisas tinha mudado a minha volta, mas a situação não era muito diferente do que tinha sido em minha primeira vez com meus amigos de Lyon.

Éric me instalava sobre uma das camas ou sofás colocados nas alcovas e, seguindo um ritual informal, tomava a iniciativa de tirar minha roupa e de me deixar

exposta. Ele geralmente começava a me acariciar e a me beijar, sendo imediatamente substituído por outros. Eu ficava quase sempre deitada de costas, talvez porque outra posição mais comum, em que a mulher monta ativamente no homem, não permite a participação de várias pessoas e acaba implicando uma relação mais pessoal entre os parceiros. Deitada, eu podia ser acariciada por muitos homens enquanto um deles, de pé, para aumentar o espaço de observação, se satisfazia no meu sexo. Eu era manipulada por partes; uma mão estimulava a parte mais acessível de meu púbis com movimentos circulares, outra roçava meu dorso ou esfregava meus mamilos...

Mais até do que as penetrações, as carícias me proporcionavam muito prazer, principalmente as picas que passeavam na superfície do meu rosto ou as glandes esfregadas nos meus seios.

Eu adorava segurar de passagem uma com a boca, fazê-la ir e vir entre meus lábios enquanto outra reclamava minha boca do outro lado, roçando em meu pescoço esticado para, logo depois, virar a cabeça e pegar a recém-chegada.

Ou ter uma na boca e outra na mão. Meu corpo entregava-se mais sob o efeito desses toques, de sua relativa brevidade e de sua renovação, do que nas trepadas. A propósito, lembro-me sobretudo da ancilose entre minhas coxas, às vezes depois de quase quatro horas de atividade, provocada pela preferência de muitos homens em manter as coxas das mulheres muito abertas, para simultaneamente aproveitar a visão e meter mais fundo. Quando conseguia descansar, tomava consciência do entorpecimento de minha vagina. Era uma volúpia sentir as paredes enrijecidas, pesadas, um pouco doloridas, guardando, de certa forma, a marca de todos os membros que nela se alojaram.

Este lugar de aranha ativa no meio de sua teia me convinha. Uma vez, não na casa de Victor, mas numa sauna da praça Clichy, encontrei-me na situação de não sair, praticamente durante toda a noite, do fundo de um grande sofá, mesmo havendo uma cama imensa que ocupava o centro da sala. Com a cabeça na altura certa, eu podia chupar quem se apresentasse ao mesmo tempo que, apoiada nos braços do sofá, estimulava até dois sexos ao mesmo tempo. Mantinha minhas pernas bastante levantadas para que os que ficassem suficientemente excitados viessem, um depois do outro, continuar em minha boceta.

Transpiro muito pouco, mas, às vezes, ficava inundada com o suor dos meus parceiros. Aliás, havia sempre filetes de esperma secando no alto das coxas, às vezes nos seios ou no rosto, e até mesmo nos cabelos.

Aliás, os homens que costumam fazer surubas gostam muito de esporrar em uma boceta quando ela já está forrada de bastante porra. De tempos em tempos, com o pretexto de ir ao banheiro, conseguia cair fora do grupo e me lavar A casa de Victor tinha um banheiro com uma luz azulada suficientemente clara sem ser agressiva. Um espelho acima da banheira ocupava toda a parede, e a imagem profunda e fundida que ele refletia tomava a atmosfera ainda mais doce. Costumava ficar observando meu

corpo, espantada ao constatar que ele era mais miúdo do que eu suspeitava ser alguns minutos antes.

Naquele banheiro havia espaço para trocas mais tranqüilas. Sempre havia alguém para me cumprimentar pela cor morena de minha pele e pelo meu savoir-faire no uso da boca — comentários que eu usufruía melhor ali do que quando estava enterrada no sofá, e ouvia, como se fosse muito longe, um grupo trocar impressões sobre mim, como um doente percebendo através do torpor a conversa de médicos e internos na ronda de leito em leito.

Jato d'água em minha xoxota aberta e entorpecida. Era raro que aquele que vinha ao banheiro para uma pausa não aproveitasse do momento em que eu me agachava no bidê, para agitar nos meus lábios a pica já quase flácida mas sempre disposta. E, muitas vezes, apenas refrescada, de pé, as mãos nas bordas do lavabo, ofereci minha vulva à pressão cada vez mais determinada de um sexo que finalmente conseguia ainda dar mais uma bombada. Um dos meus maiores prazeres é o que proporciona um sexo que desliza por entre os grandes lábios e vai ficando firme, descolando progressivamente um lábio do outro, antes de engolfar-se num espaço que fui paulatinamente sentindo se abrir.

Nunca fui vítima de um gesto desajeitado ou brutal; pelo contrário, sempre fui objeto de cuidado e atenção. Se estava cansada ou se a posição se tornava desconfortável, bastava que eu comunicasse, por intermédio de Éric (que sempre estava por perto), para que me deixassem descansar ou me levantar.

De fato, a gentileza sem insistência, quase indiferente, que me rodeava nas surubas, convinha perfeitamente à mulher muito jovem que eu era, gauche em suas relações com o outro. A população do bosque de Boulogne era mais heterogênea — também do ponto de vista social — e parece-me que, neste caso, devo ter tido relações com homens mais tímidos ainda que eu. Via poucos rostos, mas cruzei com olhares que me examinavam com uma espécie de expectativa, alguns até mesmo com espanto. Havia os freqüentadores que conheciam os lugares, organizavam rapidamente o desenrolar das coisas, outros cuja presença era mais furtiva, e também aqueles que observavam sem participar.

Por mais que a situação e os protagonistas sempre mudassem, e Éric se empenhasse em sua renovação — eu o acompanhava sempre com um pouco de apreensão —, meu prazer era, paradoxalmente, o de reencontrar relações familiares nessas circunstâncias desconhecidas.

Lembro de um episódio surpreendente. Encontrei lugar em um banco de cimento particularmente rugoso e granulado. Formou-se um grupo: de ambos os lados de minha cabeça três ou quatro homens se aproximavam para ser chupados, mas eu podia perceber de viés um segundo círculo formado pelo vai-e-vem claro de mãos movimentando picas, que pareciam molas vibrando.

Atrás, havia ainda algumas sombras atentas. No momento em que minhas roupas começavam a ser arregaçadas, ouviu-se o estrépito de um acidente de carro. Largaram- me. Estávamos num desses pequenos bosques ao longo do bulevar de l'Amiral-Bruix, perto da porta Maillot. Depois de algum tempo fui me juntar ao grupo que observava da entrada, por entre as sebes. De um Mini Austin saía uma faixa luminosa bem no meio da avenida. Alguém disse que havia uma mulher jovem dentro dele. Um cachorrinho aflito corria em todas as direções. A faixa luminosa e os faróis ligados do carro formavam uma estranha mistura de luzes amarelas e brancas.

Sem prestar muita atenção as sirenes dos caminhões de socorro, reocupei o banco. E, como se o espaço do bosque fosse elástico, o círculo se refez e os atores retomaram a cena no ponto em que tinha sido interrompida. Algumas palavras foram trocadas, a visão do acidente fazia repentinamente sobressair o laço até então mudo entre as pessoas, e eu reencontrava minha efêmera pequena comunidade, inteiramente cúmplice na realização de sua atividade particular; Eu adorava me introduzir nas raras trocas de propostas e nos gestos ou atitudes ordinárias, que, no bosque de Boulogne, ao mesmo tempo, temperam e colocam em relevo os encontros extraordinários. Uma noite em que a porta Dauphine estava quase deserta, vimos contra a luz dos faróis do carro dois homens, muito altos, negros, parados na beira da calçada. Tinham o ar de duas pessoas desgarradas, ou que, num subúrbio desolado, esperam um improvável ônibus. Eles nos levaram a um pequeno quarto perto dali. O cômodo e a cama eram estreitos. Comeram-me um depois do outro. Enquanto um deles me cobria, o outro ficava sentado no canto da cama sem intervir. Ele simplesmente observava. Tinham movimentos muito lentos, pirocas grandes como nunca havia visto, não muito grossas, que penetravam fundo sem que eu tivesse de abrir muito as pernas. Eram como gêmeos. Dois contatos que se encadearam nas carícias sem precipitação. Eles me tocavam com precisão e, em troca, era maravilhoso usufruir da imensa superfície de pele que me ofereciam. Acredito que, naquela vez, pude sentir toda a intensidade de uma penetração realmente paciente.

Enquanto me vestia, eles conversavam com Éric sobre os hábitos do bosque de Boulogne e sobre o trabalho como cozinheiros. Quando os deixamos, me agradeceram com a justeza de anfitriões sinceros, e a lembrança que guardo deles é marca de afeição.

No Chez Aimé, as relações entre as pessoas tinham menos civilidade. O "Aimé" era um clube de trocas de casais muito concorrido. Vinha-se de muito longe, às vezes do exterior, para freqüentá-lo. Anos após seu fechamento, eu ainda me espantava como uma provinciana quando Eric enumerava o nome das personalidades, artistas de cinema, da música popular e do esporte, homens de negócios que eu poderia ter conhecido lá sem ter aberto suficientemente os olhos para reconhecê-los.

Nos anos em que o freqüentávamos, estreou um filme que parodiava alguns aspectos da liberação sexual e uma cena se passava num clube parecido com o Chez Aimé: via-se um grupo de homens se comprimindo em volta de uma mesa onde havia

uma mulher deitada, de quem só era possível distinguir as pernas calçadas com botas que se agitavam comicamente acima das cabeças.

Com efeito, naquela época, as botas de cavaleiro estavam na moda, eu as usava e, por serem difíceis de tirar, tinha o hábito de ficar com elas mesmo não tendo nada sobre o corpo. E mais de uma vez, deitada sobre uma mesa, as exibi da mesma maneira que no filme. Tive, então, a vaidade de supor que meu traje minimalista e meus movimentos no ar tinham influenciado a imaginação do cineasta.

O prazer de me entregar durante longas sessões no Chez Aimé, a bunda colada na beirada de uma grande mesa de madeira, a luz de uma luminária suspensa caindo sobre o meu corpo como sobre uma mesa de bilhar só é igual à aversão que eu sentia do caminho que percorríamos para chegar até lá. O Chez Aimé era longe de Paris: era preciso atravessar a escuridão sinistra do bosque de Fausses-Raposes à Ville-d'Avray, para, finalmente, encontrar a casa no fundo de um pequeno jardim que se parecia com os do subúrbio da minha infância. Éric nunca me revelava com antecedência a programação da noite, porque acredito que uma de suas satisfações era a de organizá- la juntamente com as surpresas; era sua maneira de criar condições "romanescas". Aliás, eu fazia o jogo sem nenhuma pergunta. No entanto, quando percebia que já estávamos a caminho, ficava ansiosa tanto ao pensar nos desconhecidos que em breve me obrigariam a despertar de mim mesma, quanto pela antecipação da energia que seria obrigada a despender. Era um estado similar ao que experimento sempre antes de fazer uma conferência, quando sei que será necessário que eu esteja inteiramente concentrada no meu assunto e entregue à platéia. Ora, nem os homens que encontramos nessas circunstâncias, nem um auditório mergulhado no escuro têm rosto e, como por encantamento, entre a ansiedade que antecede e a fadiga que se segue, não se tem consciência da própria exaustão.

Entrávamos pelo bar. Não me lembro de ter sido comida ali, embora o contato da boceta com o revestimento de couro sintético do tamborete e a bunda amassada pronta para pegação disfarçada tenham pertencido ao registro de minhas fantasias mais antigas. Não tenho certeza de ter estado muito atenta ao que se passava à minha volta, às mulheres empoleiradas perto do balcão de quem vinham apalpar a xoxota e a gordura da bunda.

Meu lugar era em uma das salas da parte de trás, estirada, como disse, sobre uma mesa. As paredes eram nuas. Naquelas salas não havia cadeiras ou banquetas, não havia nada além de mesas rústicas e luminárias que pendiam do teto. Podia ficar ali duas ou três horas.

Sempre a mesma configuração: mãos percorrendo meu corpo, minha cabeça virando para chupar ora à direita, ora à esquerda, enquanto outros cacetes se esfregavam em meu ventre. Cerca de vinte homens podiam se revezar assim durante toda a noite. Esta posição, a mulher deitada de costas, seu púbis na altura do pau do homem apoiado em suas pernas, é uma das melhores e mais confortáveis que conheço. A vulva fica bem aberta, o homem fica à vontade para atochar horizontalmente e meter fundo sem parar.

Trepadas vigorosas e precisas. As vezes, as investidas eram tão vigorosas que eu agarrava a beirada da mesa com as duas mãos e, durante muito tempo, fiquei permanentemente com a marca de uma pequena esfoladura bem abaixo do cóccix, no local onde minha coluna vertebral friccionava a madeira rugosa.

O "Aimé" acabou fechando. Fomos lá uma última vez, o lugar estava deserto e eles tinham acabado de receber uma intimação da polícia judiciária. Diante da situação, propusemo-nos a voltar mais tarde e Aimé, com o tronco pesado atrás do balcão, berrava com sua mulher, recriminando-a por estar nos obrigando a ir embora.

Naquela noite, um amigo chamado Henri, Claude e eu, que formávamos o mais amigável dos trios, acabamos nos Glycines, em minha primeira visita a um lugar que nos fazia sonhar. Henri morava num apartamento minúsculo na rua de Chazel, em frente do muro alto coberto de reboco claro, que escondia a mansão. Claude e eu tínhamos o hábito de passar na casa de Henri, que ficava no caminho que fazíamos quando voltávamos da visita dominical a nossos pais. Trepávamos os três, os dois metendo em mim ao mesmo tempo, um na boca, e outro no rabo ou na boceta, sob os alegres auspícios de um dos mais belos quadros de Martin Barré, que chamávamos de "o espaguete", presente do autor a Henri.

Depois costumávamos espiar pela janela as entradas e saídas nos Glycines.

Henri tinha ouvido falar que a boate era freqüentada por atores de cinema que, às vezes, acreditávamos ver passar. Ficávamos como crianças idiotas, fascinados e iludidos por uma atividade secreta que nem conseguíamos imaginar, mas excitados pela aparência de coisas que nos eram inacessíveis: os carros chiques que paravam diante da porta, o porte burguês das silhuetas que desciam. Quando, alguns anos mais tarde, transpus aquele portal, imediatamente percebi que preferia o estilo gasto do Chez Aimé.

Subimos a pequena aléia de cascalho, ocupada por um grupo de japoneses, conduzidos por uma jovem com ares de aeromoça. Ela exigiu que eu apresentasse a carteira de seguridade social, que eu evidentemente não tinha, nem comigo nem em outro lugar qualquer, pois não trabalhava regularmente.

Mesmo que eu tivesse um contracheque, me sentiria como se estivesse devendo alguma coisa, uma vez que, diante de uma mulher maior que eu — jamais de um homem — sou, ainda hoje, uma criança desajeitada, qualquer que seja sua idade. Acabamos entrando.

O lugar era claro como uma sala de jantar, com muita gente nua deitada sobre colchões no chão, e o que me desconcertava ainda mais do que a ameaça da "inspetora de trabalho" na entrada era que as pessoas contavam piadas. Uma mulher de pele branca, sem maquiagem, cujos cabelos desfeitos apresentavam traços do mesmo coque banana da recepcionista, fazia a assistência rolar de rir contando que seu filho pequeno "queria muito acompanhá-la esta noite".

Lembro-me de Éric, sempre extremamente prático, apalpando a parede à procura de um interruptor, porque tínhamos conseguido combinar uma troca de parceiros com um casal, que certamente seria mais agradável com a luz mais baixa.

Porém, uma das garçonetes que navegavam entre os corpos com uma bandeja de flûtes de champanhe pisou em um fio e reacendeu a luz. Ela mesma acompanhou seu gesto com um sonoro "merda", apoiado por todos.

Depois disso, não me lembro de termos falado mais nada.

Com exceção do bosque de Boulogne, não costumávamos nos misturar com outros antes de sermos cumprimentados, antes de que tivesse sido respeitada uma certa distância de transição, na qual algumas palavras são trocadas e cada um mantém entre si e os outros o espaço do copo que oferece ou do cinzeiro que passa. Sempre quis abolir este suspense, mas eu suportava melhor certos rituais do que outros. Achava Armand engraçado: quando todo mundo ainda estava de conversa, ele tinha o hábito de ficar completamente nu (ele dobrava suas roupas com o cuidado de um criado de quarto), era inconveniente por se antecipar apenas alguns minutos. Tinha de me ajustar à mania, um pouco idiota, daquele grupo que só iniciava a suruba depois de ter jantado, sempre no mesmo restaurante, como um grupo de antigos colegas de escola cuja alegria inabalável era a de tirar a calcinha ou o collant de uma das mulheres presentes enquanto o garçom servia a mesa.

Em compensação, contar histórias libidinosas numa boate de surubas me parecia obsceno. Será que eu, instintivamente, conseguia distinguir os números que são apresentados como prelúdio à verdadeira comédia, para melhor prepará-la, das momices e palhaçadas que servem apenas para postergá-la? Os atos praticados no primeiro caso não o são no segundo e estão, na verdade, "fora do lugar".

Mesmo que tenha guardado até hoje reflexos de católica praticante (fazer o sinal da cruz disfarçadamente se pressinto um incidente, sentir-me observada logo que tenho consciência de uma falta ou erro...) não posso verdadeiramente pretender crer em Deus Aliás é bem possível que esta crença tenha me abandonado quando comecei a ter relações sexuais. Portanto, sem uma missão a cumprir, sem rumo, descobri ser uma mulher mais passiva, sem outros objetivos a atingir que não fossem os que os outros me oferecessem. Na persecução desses objetivos, sou mais do que constante, e se a vida em si não tivesse fins eu os perseguiria sem trégua, mesmo que eu mesma não os tivesse definido. Foi com este estado de espírito que jamais fugi à tarefa que me foi confiada, já há muito tempo, de dirigir a redação da Art Press.

Participei da criação da revista, dediquei-me bastante a este trabalho para que fosse estabelecida uma identificação entre mim e ele, mas nele sinto-me mais como um condutor que não deve sair dos trilhos do que como um guia que sabe onde está o porto. Eu trepava dessa mesma maneira. Como eu era totalmente disponível e não tinha estabelecido um ideal a ser atingido, tanto na vida profissional quanto na vida amorosa, fui estigmatizada como uma pessoa sem nenhum impedimento, excepcionalmente desprovida de inibição, apesar de não ter nenhum motivo para não

ocupar este lugar. Minhas lembranças das surubas e das noites passadas no bosque de Boulogne em companhia de um dos meus amigos-amantes articulam-se entre si como os quartos de um palácio japonês.

Acreditamos estar num cômodo fechado até que outra parede desliza, revelando uma seqüência de outros cômodos, e à medida que avançamos, outras paredes se abrem e se fecham, e se os cômodos são muito numerosos, incalculáveis são as maneiras de passar de um para o outro.

Mas, nessas lembranças, as visitas aos clubes de trocas de casais ocupam um lugar pouco relevante. O Chez Aimé era coisa de outra ordem: era o berço nu da trepada. Se guardo na memória o fiasco dos Glycines foi porque ele representou a atualização exemplar de um devaneio da época em que estava saindo da adolescência. Talvez isto se deva ao fato de que minha memória seja sobretudo visual e que eu me lembre melhor, por exemplo, do Cléopâtre, clube aberto pelos antigos clientes do Chez Aimé, com sua localização extravagante no coração do centro comercial do XIIIe arrondissement, decoração limpa e atividades sexuais bastante banais. Em compensação, outros lugares e outros acontecimentos são tão marcantes que eu quase poderia classificá-los por temas.

Como, por exemplo, a visão do cortejo de carros, continuidade viva de nosso próprio carro. Subíamos a avenida Foch e tive uma súbita vontade de fazer xixi.

Quatro ou cinco carros seguiam o nosso. Paramos, desço e atravesso correndo uma faixa de grama para chegar a uma árvore. As portas dos outros carros se abrem, e alguns, sem entender o que estava acontecendo, se aproximam. Éric corre e se interpõe, já que o lugar é exposto e muito iluminado. Volto ao carro e o cortejo dá a partida. Estacionamento na porta de Saint-Cloud: o guarda observa quase quinze carros chegando uns atrás dos outros, e retornando uma hora mais tarde quase na mesma ordem. Em uma hora, uns trinta homens me comeram, muitos me mantendo levantada e encostada em um muro, outros sobre o capô do carro.

Algumas vezes o roteiro se complica pela necessidade de despistarmos alguns carros na estrada. Os motoristas combinam um destino, uma fila se forma, seguida por outras que vão se juntando, até que a fila se torna muito grande e acaba sendo mais prudente limitar o número de participantes. Uma noite rodamos durante tanto tempo que parecia uma viagem. Um motorista que conhecia um certo lugar, acabou revelando que não sabia tão bem o caminho.

Eu via pares de faróis nos seguindo à direita e à esquerda aparecendo e desaparecendo no retrovisor. Finalmente, após muitas paradas e conciliábulos, sob os degraus de uma quadra de esportes do lado de Vélizy-Villacoublay, tive o direito de usufruir os cacetes pacientes daqueles que não se desgarraram no caminho.

A errância poderia ser outro tema. Os carros andam, param, partem novamente, manobram secamente como um jogo teleguiado. Picadeiro da porta Dauphine: nos comunicamos de um carro ao outro e a senha parece ser: "Você tem um lugar?" Alguns

carros deixam o círculo e uma espécie de perseguição se inicia em direção a um endereço desconhecido. Aconteceu, na verdade, apenas uma vez, em que a procura demorasse um pouco mais e que acabássemos fazendo algumas bobagens. Estou com um grupo de amigos, pouco habituados ao bosque de Boulogne, seis pessoas apertadas em um Renault e dispostas a desistir depois de ter rodado um tempo em vão. Numa das aléias principais, ao vermos dois ou três carros parados no sinal, entramos na fila. Eu, como um pequeno soldado bravo e fanfarrão, em nome dos outros que ficam me esperando, desço para chupar o pau do motorista do carro parado atrás do nosso. Previsivelmente, dois policiais se plantam à minha frente enquanto tento cair fora. Eles perguntam ao homem, que se abotoa desconfortavelmente sob o volante, se ele me pagou e exigem que todos se identifiquem.

Mesmo quando minha memória se organiza em torno de fatos corporais, as sensações acabam sendo menos relevantes do que os ambientes. Poderia reunir muitos casos ligados ao uso que fiz durante muito tempo do meu ânus, tão regularmente ou, até mesmo, mais do que de minha vagina. Num belo apartamento situado atrás dos Invalides, participo de uma suruba em petit comitê e recebo pela abertura anal a viga de um gigante.

O quarto em mezaniflo com vão envidraçado e as numerosas lâmpadas iluminando o nível da cama lembram um cenário de filme americano.

O lugar tem em si um caráter desmesurado e irreal por causa de uma gigantesca mão aberta de resina pintada, colocada na sala àguisa de mesa baixa, e onde uma mulher pode facilmente se estender. Tenho receio do sexo do grande gato de Cheshire, quando percebo a via por onde ele procura penetrar, mas ele acaba conseguindo sem forçar demais e fico espantada e quase orgulhosa ao descobrir que tamanho não constitui um obstáculo. O número também não. Por alguma razão — período de ovulação? blenorragia? — aconteceu de só haver penetração em meu cu, em uma suruba onde havia uma multidão. Vejo-me ao pé de uma escada estreita, na rua Quincampoix, hesitante antes de decidir se ia subir. Claude e eu havíamos conseguido o endereço, quase por acaso. Não conhecíamos ninguém. O apartamento tem teto baixo, extremamente escuro. Escuto os homens perto de mim passando a senha: "Ela quer ser enrabada", ou prevenindo aos que tomam o caminho errado: "Não, ela só dá o rabo." Dessa vez, acabei passando mal. Mas fiquei também com a satisfação pessoal de não ter me sentido impedida de fazer o que queria.

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