Sentada na cozinha, olho o celular que apita mais uma vez. Nem sei por que Rodrigo me deu essa coisa, quase nem uso, nem mesmo consigo digitar rápido quando respondo alguma mensagem de Anahi.
Acabei de deixar o aparelho de lado e estou tomando café e folheando o ultimo exemplar da revista Manequim. No inicio era meu principal passatempo, ficar folheando revistas de modas, depois ir para meu atelier e criar um modelo para mim, depois foi como se eu precisasse de mais.
Entretanto eu me perguntava: Mas o que? Nem mesmo tenho um curso superior.
O celular apita mais uma vez informando que chegou outra mensagem e eu o olho com desprezo, com certeza deve ser Anahi, minha única amiga armando uma pegadinha pra mim. Daqui a pouco tenho que começar o almoço. Olho no relógio da parede e fico tranquila sabendo que ainda tenho meia hora de tranquilidade. Pink, minha cadela Golden Retriever levanta a cabeça e me olha pidona.
- Toma aqui. - Balanço um biscoito no ar e ela levanta as orelhas, dá um pulo e vem pegar o petisco. Faço um cafuné na cabeça dela e volto a folhear a revista.
Minha cozinha é enorme, bem arejada, bem equipada, uma cozinha dos sonhos, minha cozinha dos sonhos, assim como toda a casa.
Eu não pude escolher cada coisa, Rodrigo não me pediu opinião, na verdade ele já tinha a casa pronta e só redecorou quando nos casamos um ano atrás. Ele viveu aqui com a primeira e a segunda esposa. Eu não achei mesmo necessidade de comprar outra casa. Para eu que vim de uma família conservadora e tradicional, meu casamento foi o presente dos deuses.
Me casei aos vinte e três anos, com um homem muito influente na cidade. Ele é trinta anos mais velho que eu, mas foi a salvação para mim e minha família.
Meu celular apita novamente e eu pego. Três mensagens não lidas. Reviro os olhos e deixo o celular mais uma vez na mesa. Já perdi a concentração por causa dessas mensagens.
Fecho a revista e pego meu livro encadernado de receitas. Na geladeira tem um bilhete que Ro deixou falando o que deseja para o almoço. Ele sempre pede uma coisa diferente e cada dia eu pesquiso uma receita que ele gosta e anoto no caderninho. Mamãe disse que daqui uns anos eu farei automaticamente, sabendo de perfeitamente, cada uma.
Todos devem estar pensando: O que ela faz da vida?
Isso. E eu amo fazer isso. Cuidar da minha casa, ser dona do meu lar. Eu tenho uma vida bem rotineira, Ro é exigente, assim como meu pai; ele decidiu pagar apenas empregados para trabalhos mais pesados, como alguém para lavar a roupa de casa, um jardineiro e uma equipe de faxina para limpeza pesada. Não contratou uma cozinheira, pois, segundo ele, tem nojo.
Então não foi surpresa para mim essa vida de casada. Na verdade, eu nunca cheguei a fantasiar como seria minha vida de casada. Não faço nada que eu não faria lá na minha casa de solteira. Quer dizer, aqui tem muitas outras coisas que considero boas. Como ser a dona do lar e também tem a noite, quando eu abraço meu marido para dormir.
Ele não é desses que se senta no sofá para assistir alguma coisa ao lado da esposa, ou que entra
no chuveiro comigo - nunca tomamos banho juntos para falar a verdade - ou que fica fazendo carinho, que pega a mulher por trás enquanto ela cozinha.
Rodrigo é um homem normal, não é um personagem perfeitinho de romance. Então, a noite, é o único momento que tenho para toca-lo; ou quando ele pede uma massagem nos pés cansados.
Nosso sexo é ótimo, muito bom, antes de casar eu tinha medo e curiosidade e ele atendeu todas minhas necessidades. Ele foi meu primeiro homem e nunca haverá espaço para outro. Só queria que fizéssemos amor mais vezes. Fazemos só na cama, a noite, duas vezes por semana, ou quando ele está mais relaxado.
Adoro quando ele deita em cima de mim, e adoro abraça-lo nesse momento. Aos cinquenta e dois anos, ele me faz uma mulher amada e feliz.
Meu celular vibra e eu o pego, desbloqueio a tela e leio a mensagem.
09:15 - N° Desconhecido: Eu não achei que estivesse te importunando. Você é muito gata.
Um homem? - Questiono em pensamento ao ler. Ou Anahi fazendo uma pegadinha. Por essas e outras, Ro a proibiu de vir aqui. Olho a próxima.
09:16 - N° Desconhecido: Posso ligar para você? Se sua voz for tão linda como a dona, eu juro que me apaixono.
09:20 - N° Desconhecido: Pq não quer me responder? Eu estou sendo tão educado. Posso te ligar?
Santo Jesus! Quem pode ser? Como esse cara descobriu meu numero? Somente meus pais, Anahi e meu marido o têm. Penso que talvez pode não ser Anahi. Fico paralisada olhando para o celular.
Tomo coragem e digito:
09:21 - Eu: Por favor, você pode se identificar?
Acabo de digitar e não dá nem tempo a tela bloquear. Ele já responde.
09:21 - N° Desconhecido: Digamos que sou seu admirador secreto.
Me sinto tão mal, culpada, por ter dado um leve sorrisinho ao ter lido. Com certeza é Anahi.
09:22 - Eu: Olá admirador secreto. Eu sou casada. Continue secreto. Adeus.
09:22 - N° Desconhecido: E daí? Eu não sou ciumento.
09:23 - Eu: Gargalhando com sua piadinha atualíssima.
09:23 - N° Desconhecido: Deus! Quem hj em dia fala "Atualíssima"?
09:24 - Eu: Quer saber? Vai catar coquinho. Estou cheia.
09:24 - N° Desconhecido: Hahahahahaha 09:24 - N° Desconhecido: A cada mensagem eu fico achando que estou falando com minha avó.
Catar coquinho? Pq não manda eu ir me f/oder?
09:25 - Eu: Já que você disse... então vai.
09:25 - N° Desconhecido: Eu até iria f/oder, se você fosse comigo ;)
Não respondo. Estou paralisada com o celular na mão. Desconcertada, morta de vergonha com o que acabei de ler., eu não sou nenhuma inocente, eu conheço as coisas do mundo, mas ninguém nunca se dirigiu a mim dessa forma. Em que mundo estamos que um homem fala isso para uma mulher casada? Onde está o respeito?
Eu penso em bloquear o número, mas não sei como. Não estamos em um aplicativo de mensagens, ele está mandando mensagem diretamente para meu celular. Sem ter o que fazer, opto por desligar o aparelho. Já é quase nove e meia, preciso começar logo o almoço e não posso me distrair com esse tipo de coisa.
Começo a cozinhar e acabo me esquecendo do contratempo que tive com esse idiota no celular.
Fico com a ideia na cabeça, de apagar as mensagens do celular. Rodrigo nunca olha meu celular, apesar de ser um pouco controlador, ele confia em mim. Nunca dei motivos para desconfiar. Toda a atenção deve estar apenas no marido e na casa, afinal a esposa é a senhora do lar e qualquer coisa que possa desviar a atenção, precisa ser banida.
Como por exemplo: não tenho perfil em qualquer dessas redes sociais. Acho uma enorme perca de tempo. Na verdade, nem sou intima de computador. Uso mesmo só para pesquisar receitas e coisas sobre moda. Também evito assistir qualquer coisa que possa me viciar, como séries e novelas. Não costumo ler muito, pois Rodrigo disse que eu não posso perder tanto tempo lendo baboseiras de romances que nem existe. Que isso só vai encher minha cabeça de caraminholas.
Vim de uma família centenária em que nunca houve um desvio qualquer nos casamentos, nada de divórcio ou traições. Por que as mulheres da minha família foram ensinadas desde cedo como deve cuidar do casamento.
Se minha família é machista? Lógico que não. Considero-a guardiã da moral e dos bons costumes. Não fui dessas garotas que vivem na farra durante o colégio, nunca bebi nada alcoólico e não tive qualquer contato com qualquer coisa sexual antes do casamento. Nunca namorei e nem pensei nisso. Segundo meu pai, se uma garota tem vários homens ou namorados, ela vai ficar comparando quando enfim um dia casar. O marido precisa ser a única atenção dela, e para isso ela não pode conhecer o que outros homens podem oferecer.