Prometo te Odiar

Letícia

Sempre me disseram que a vida é feita de escolhas; algumas são impossíveis fazer, enquanto outras vivemos a vida para nos arrepender. Mas somos humanos, nascidos para cometer erros.

O que esqueceram de me dizer foi que... algumas escolhas nos assombram para sempre.

Uma escolha que fiz...

Um momento de impulso.

Um destino que eu não poderia reescrever.

Afinal, não podemos parar o tempo, não é mesmo?

Um segundo foi o bastante.

Eu a matei naquela noite...

...Minha irmã.

Lívia.

Minha história foi manchada desde o começo... manchada pelo sangue dela. A morte dela foi um pecado para eu lamentar pelo resto dos meus dias. Eu não era uma pessoa ruim, mas eu era a perfeita vilã.

Eu puxei o véu preto sobre o meu rosto. E este será o meu martírio.

***

Letícia

Um dos maiores desafios da vida é que nunca podemos ou poderemos desfazer o que foi feito. E não importa o quão devastador seja o resultado; não podemos voltar no tempo – não podemos mudar o passado – não podemos planejar o futuro na íntegra, na certeza que vai dar tudo certo.

Numa bela noite, acordei do coma depois de dias, com duas pernas quebradas, três costelas fraturadas, uma espinha comprometida e o crânio fraturado... e mais cicatrizes do que eu poderia imaginar

Há quatro meses, cometi um erro que arruinou mais de uma vida. Desde então, aprendi que o luto é apenas um estágio de aceitação da situação. Assim como a negação. Raiva. Barganha. Depressão. Aceitação... eu ainda estava no quarto estágio: Depressão.

A tristeza ainda me sufocava todas as manhãs enquanto eu engolia meu café da manhã e cada minuto do dia. Embora não fosse tão pesada quanto a culpa, a dor embutida ainda inflamava o pus como uma ferida não curada.

Mas foi a culpa... A culpa era o que me matava todos os dias. A dor tornou-se minha companheira; a dor era o meu pesadelo e a culpa acabou por ser a minha alma gémea.

“Letícia, você ainda não tomou seu café da manhã.”

Eu podia sentir sua presença atrás de mim, mas não me afastei da janela.

"Eu não estou com fome."

Ione, nossa empregada e minha única amiga, fez um som no fundo da garganta. "Seu pai não vai gostar de saber."

“Ele não precisa saber,” eu disse com as unhas cravadas nas palmas das mãos.

"Sua irmã..."

Meus pulmões cederam, meu corpo esfriou.

"Pare. Nem termine essa frase.”

“Letícia.”

"Por favor, pare. Pare de tentar. Só pegue a comida e vá embora.”

Minha voz trêmula foi seguida pelo silêncio e então ouvi o som da porta fechando. Sua presença desapareceu e eu finalmente fui capaz de mergulhar em autopiedade novamente.

Minha janela dava em direção aos estábulos atrás da mansão. A propriedade de meu pai expandiu muitos milhares de acres, mas esse local costumava ser minha vista favorita.

Exceto agora, não era nada além de um lembrete dolorido.

Como nossas vidas podem mudar tão rapidamente em poucos meses?

Se ao menos não tivéssemos fugido. Se eu não tivesse sido tão teimosa. Se ao menos eu não estivesse dirigindo naquela noite...

Um véu preto esconde parte do meu rosto, deixando apenas meus olhos a mostra. Ouvi comentários aos sussurros de estranhos:

“Ouvi dizer que ela é feia agora, é por isso que ela se esconde atrás do véu.”

“É bom que ela o mantenha coberto. Não quero que ela me dê pesadelos.”

“Horrível!” Alguns zombaram.

“A pobre menina rica!”, outros se compadeceram.

Os sussurros não doeram. Na verdade, eles tiveram pouco efeito sobre mim. Eu tinha aprendido a me fechar para o mundo enquanto me cercava de minha própria miséria. Natasha, minha terapeuta, disse que não era a forma correta de enfrentar a dor. Segundo ela, eu estava tornando as coisas mais difíceis para mim mesma.

Aliás...Ela disse muitas coisas, mas nenhuma delas importava.

Minha irmã estava morta. Por minha causa.