Mais tarde, ouvi-o confessar ao seu primo. Ele vinha trocando as cartas há quatro anos. Ele não podia se casar comigo ainda por causa de sua assistente, Ariela. Ela havia ameaçado fazer algo drástico se ele a deixasse. Ele disse que devia isso a ela.
Meu mundo desmoronou. Cada chicotada que ele levou, cada momento de dor que compartilhei, era uma mentira. Uma farsa encenada para outra mulher. Ele havia escolhido a culpa que sentia por ela em vez do amor que sentia por mim.
Ele até me acusou de uma crueldade monstruosa baseada nas mentiras dela, gritando: "Não acredito que perdi dez anos com alguém tão vingativa. Peça desculpas à Ariela. Agora."
Aquele foi o momento em que soube que o homem que eu amava tinha desaparecido. Então, eu fui embora. Voei para o Rio de Janeiro e me casei com outro homem.
Mas assim que encontrei meu novo começo, Heitor invadiu o local, seus olhos selvagens de arrependimento, implorando para que eu voltasse. E logo atrás dele estava Ariela, seu rosto contorcido pela loucura, uma faca brilhante na mão.
Capítulo 1
Meu estômago despencou, uma pedra fria e dura afundando dentro de mim enquanto eu observava a mão de Heitor se mover, rápida e treinada, trocando a carta da sorte por uma de mau agouro. O baralho antigo e gasto, abençoado por gerações pela matriarca da família Lacerda, continha nosso destino, ou assim eu pensava. Por três anos, ele manteve Heitor cativo, forçando-o a penitências exaustivas, adiando nosso futuro. E agora, diante dos meus olhos, ele estava orquestrando nossa ruína.
Era o quarto ano desse ritual ridículo, uma tradição familiar sagrada que ditava que Heitor, o herdeiro da dinastia Lacerda, só poderia se casar com seu amor de infância – eu – depois de tirar uma carta de tarô da "Sorte". Ele havia falhado três vezes. Cada falha vinha com um preço.
No primeiro ano, Heitor tirou a carta do "Azar". Ele foi submetido a uma semana de meditação solitária e jejum no desolado refúgio da família na serra de Petrópolis. Ele voltou esquelético, seus olhos fundos, e desabou no momento em que me viu, o que o levou ao hospital por dias. Eu odiava aquele ritual. Era bárbaro.
No segundo ano, ele a tirou novamente. Desta vez, a penitência foi física. Suas costas foram açoitadas, não com um chicote, mas com cordas antigas e nodosas, deixando vergões grotescos que levaram meses para cicatrizar. Ele não gritou uma única vez, mas eu ouvi seus gemidos abafados por trás das portas fechadas da capela da família. Senti cada golpe profundamente na minha própria carne. Implorei à mãe dele para parar, mas ela foi inflexível, seu rosto uma máscara de pedra.
No terceiro ano, a carta, novamente, foi "Azar". A punição então foi uma provação de uma semana no gelo, onde ele foi submerso em riachos de montanha quase congelantes, despido de calor e conforto. Ele quase morreu de hipotermia. Lembro-me dos médicos balançando a cabeça, sussurrando sobre danos irreversíveis aos órgãos. Sentei-me ao lado de sua cama, segurando sua mão, lágrimas escorrendo pelo meu rosto, ouvindo sua respiração fraca e irregular. Ele olhou para mim, seus lábios azuis, e conseguiu um sorriso fraco. "Só mais um ano, Laura", ele sussurrou, "então estaremos finalmente livres."
Eu acreditei nele. Eu sempre acreditei. Cada vez, ele emergia mais fraco, mas sua determinação, ele afirmava, queimava mais forte. Ele me amava. Tinha que amar. Estávamos destinados.
Este ano, eu não suportaria vê-lo sofrer sozinho. Eu tinha chegado, determinada a compartilhar sua penitência, a provar meu amor inabalável e convencer sua família rígida de que nosso vínculo era mais forte do que qualquer superstição. Deslizei para as sombras da capela da família, meu coração batendo forte, bem no momento em que a matriarca colocou o baralho de cartas diante dele.
Ele fechou os olhos, respirou fundo e tirou uma carta.
Meu coração saltou. A carta, mesmo à distância, brilhava com uma luz dourada. O rosto severo da matriarca suavizou, um leve sorriso tocando seus lábios. Era a da sorte. Estávamos finalmente livres. Uma onda de alívio me invadiu, tão potente que quase dobrou meus joelhos.
Então, a mão de Heitor, tão familiar, tão amada, moveu-se com um movimento sutil e treinado. A carta dourada desapareceu, substituída por uma opaca e sombria. A carta do "Azar". Minha respiração ficou presa na garganta. Eu não conseguia emitir um som. Meu corpo inteiro congelou, cada músculo travado, minha mente uma tela em branco, aterrorizada.
Ele assentiu gravemente para a matriarca, um retrato de resignação solene. "Parece que meu destino permanece inalterado, avó", disse ele, sua voz plana, desprovida de emoção. "As estrelas ainda conspiram contra mim."
A matriarca suspirou, seu sorriso desaparecendo imediatamente. Ela acenou para o primo de Heitor, Bruno, que estava por perto. "Prepare o de sempre", ela instruiu, sua voz tingida de decepção.
Bruno assentiu, seu olhar distante, já aceitando o inevitável. Ele não questionou. Ninguém nunca questionava. Era o jeito dos Lacerda. Mas eu tinha visto. Eu tinha visto tudo.
Minha mente disparou, tentando encontrar uma explicação, uma razão. Por quê? Por que ele faria isso? Por que ele escolheria mais dor, mais adiamento, quando a liberdade estava literalmente em sua mão? A traição me atingiu mais forte do que qualquer golpe físico. Era um fogo ardente em meu peito, transformando tudo que eu conhecia em cinzas. Era por atenção? Era um jogo doentio? Não, Heitor não era cruel. Ele não podia ser. Isso tinha que ser um engano.
Então, ouvi vozes logo na esquina, perto do antigo arco de pedra. Heitor e Bruno.
"Você está louco, Heitor?" A voz de Bruno era baixa, carregada de exasperação. "Mais um ano? Você realmente tirou a carta da Sorte desta vez! Todos nós vimos!"
A voz de Heitor estava cansada, quase derrotada. "Eu não podia, Bruno. Ainda não."
"Ainda não?" Bruno zombou. "A Laura veio até aqui, pronta para pular no fogo com você! Ela passou por um inferno por causa desse ritual estúpido, por sua causa! Quanto mais ela pode aguentar?"
Heitor suspirou, um som profundo e trêmulo que perfurou meu coração. "Eu sei. Eu vejo isso toda vez que ela olha para mim. Mas e a Ariela? Ela tem sido minha sombra por oito anos. Oito anos, Bruno. Ela desistiu de tudo para me seguir, para trabalhar para mim. Ela me ama. Ela me disse ontem à noite que não suporta a ideia de eu me casar com outra pessoa. Ela disse que iria embora, desapareceria, faria algo drástico se eu seguisse em frente."
Meu sangue gelou. Ariela. Ariela Vargas. Sua assistente. A garota quieta e insignificante que sempre parecia estar à espreita na periferia. Oito anos. Ele a conhecia há oito anos. Os mesmos oito anos em que estivemos noivos.
"E você acredita nela?" A voz de Bruno era afiada. "Você acha que ela realmente faria algo? Ou ela está apenas te manipulando? Porque parece muito com manipulação para mim, Heitor. Você está sacrificando a Laura, seu futuro, por uma assistente manipuladora. E quanto à Laura? Você não tem ideia do que ela passou - do que nós passamos, por causa da sua... culpa. Sua obrigação."
"Não é só manipulação", Heitor rebateu, sua voz soando genuinamente dolorida. "A família dela, a origem dela... ela não tem nada, Bruno. Eu sou tudo que ela tem. Ela sacrificou tanto por mim. Eu devo isso a ela."
"Você deve a ela?" Bruno repetiu, a incredulidade pesada em seu tom. "Você deve à Laura sua lealdade, sua honestidade, seu futuro inteiro! Não à Ariela, que se agarra a você como uma sereia a um naufrágio. Isso não é caridade, Heitor. Esta é a sua vida. E a da Laura."
"Eu só preciso de mais um ano", Heitor implorou, sua voz falhando. "Mais um ano para resolver isso. Para ter certeza de que ela está estabelecida, segura. Então eu me casarei com a Laura, eu juro."
"Mais um ano?" Bruno riu, um som amargo e oco. "Você tem dito isso por quatro anos, Heitor. Quatro anos que você tira a carta da 'Sorte' e a troca pela do 'Azar'. Quatro anos que você se submete a essa tortura, e a Laura à dela. E para quê? Pela Ariela? Você ao menos se escuta?"
Meu mundo desmoronou. Quatro anos. Ele tinha feito isso por quatro anos. Cada chicotada, cada febre hipotérmica, cada momento agonizante de dor que eu o vi suportar, tinha sido uma farsa. Uma mentira. Ele havia escolhido aquilo. Ele havia escolhido Ariela em vez de mim, em vez do nosso futuro, em vez do nosso amor. A luz dourada da carta da sorte, a esperança que ela representava, tinha sido um truque cruel, uma miragem que ele mesmo havia conjurado e depois destruído.
Apertei os punhos com tanta força que minhas unhas cravaram nas palmas das mãos. A dor física era uma pulsação surda em comparação com a ferida aberta em meu peito. Minha cabeça girava, um vórtice nauseante de traição e incredulidade. Ariela. Sempre foi a Ariela. A assistente silenciosa que eu mal havia notado, que sutil e insidiosamente se entrelaçou no tecido da vida de Heitor, tornando-se a força silenciosa e destrutiva entre nós.
Cada olhar amoroso que ele me deu, cada toque terno, cada promessa de para sempre sussurrada durante aquelas noites intermináveis de hospital - tudo estava manchado agora. Uma teia de mentiras, cuidadosamente tecida, projetada para me manter amarrada enquanto ele jogava um jogo perigoso de obrigação e culpa com outra mulher. Minha respiração engasgou, um soluço silencioso rasgando minha garganta. Heitor Lacerda, o homem que eu amava, meu amor de infância, era um mentiroso. E ele a havia escolhido.