Ouço a voz frenética de Caio no corredor, sem nem se dar ao trabalho de sussurrar. "Por favor, Léo", ele implora ao chefão, Léo Ferreira. "Só me faça este favor. Preciso de um tempo dessa conversa de casamento dela."
Então sua voz se torna escorregadia, cheia de tentação. "Como 'noivo' dela, você pode finalmente fazer com que ela assine o acordo de demolição do Casarão dos Oliveira. Ela fará qualquer coisa que você pedir."
Meu coração se transforma em uma pilha de cinzas frias e mortas. O homem que eu amava e a mulher em quem confiava não apenas me traíram. Eles tentaram me apagar.
Quando todos voltam para o meu quarto, eu me recomponho. Olho para além de Caio, para além de Viviane, e fixo meus olhos no homem mais perigoso da cidade.
Um leve sorriso toca meus lábios. "Só você me parece familiar", digo a Léo Ferreira, minha voz uma coisa suave e quebrada.
"Noivo", digo, a palavra com gosto de veneno e oportunidade. "Me desculpe, parece que esqueci seu nome. Me leve pra casa."
Capítulo 1
Júlia Oliveira POV:
A última coisa de que me lembro é do meu noivo, Caio, brindando ao nosso futuro. A primeira coisa que ouço ao acordar é ele dizendo ao chefão mais temido da cidade para fingir ser meu noivo no lugar dele.
Minhas pálpebras parecem coladas. Um zumbido baixo e clínico preenche o espaço ao meu redor, e o ar tem um cheiro estéril, agudo.
"...possibilidade de dano neurológico grave", diz uma voz calma e distante. Um médico.
Forço meus olhos a se abrirem. A luz é um branco leitoso e opaco. Um médico está ao pé da minha cama, seu rosto sombrio. Ele está falando com Caio.
Meu Caio.
Uma onda de alívio me invade, tão forte que quase me deixa tonta. Ele está aqui.
Tento me sentar, mas minha cabeça parece cheia de areia molhada. Um gemido suave escapa dos meus lábios.
A cabeça de Caio se vira bruscamente em minha direção. Seus olhos, geralmente tão cheios de um charme fácil, estão arregalados com algo que não consigo identificar. Não é preocupação. É outra coisa.
"Júlia", ele sussurra.
Eu lhe dou um sorriso fraco e brincalhão. A festa. Meu aniversário. O champanhe tinha um gosto estranho. "Onde estou?", pergunto, minha voz rouca. Tento injetar um pouco de humor, para provocá-lo. "E quem sou eu?"
Seu rosto congela. Ele não ri. Ele não corre para o meu lado e me chama de sua querida Júlia.
Ele apenas encara, seus olhos dardejando do meu rosto para o médico e de volta. A hesitação dura apenas um segundo, mas parece uma eternidade.
Então ele empurra a cadeira para trás, o som arranhando o chão, e sai correndo do quarto.
Ouço sua voz frenética no corredor, abafada, mas urgente. "Intoxicação por álcool pode causar amnésia? É possível?"
O médico dá uma resposta vaga e evasiva.
A voz de Caio baixa, mas as palavras são nítidas, claras. "Tragam Léo Ferreira para o hospital. Agora."
Léo Ferreira. O chefão do Grupo Ferreira. O mais jovem na história da família, um homem cuja reputação foi construída sobre uma eficiência implacável e uma brutalidade silenciosa. Seu nome paira no ar como cheiro de pólvora. Ele é o homem que vem tentando demolir o último legado da minha família, o Casarão dos Oliveira, nos últimos três anos. Meu inimigo.
Quando Caio volta, ele evita meus olhos. Ele me diz que meu nome é Júlia. Ele me diz que Léo Ferreira é meu noivo. Ele me diz que vamos nos casar.
Por um segundo, acho que ele está entrando na minha brincadeira. Uma brincadeira cruel e estranha, mas uma brincadeira.
Então Viviane Gomes, minha melhor amiga, a garota que eu considerava uma irmã, entra. Ela não está olhando para mim. Sua mão está entrelaçada no braço de Caio, a cabeça apoiada em seu ombro. Parecem uma pintura de um casal perfeito e apaixonado.
O ar some dos meus pulmões. A brincadeira acabou.
Caio deve ver a confusão no meu rosto, porque ele passa a mão pelo cabelo e praticamente foge do quarto de novo. Desta vez, ele encontra Léo Ferreira no corredor. Ele nem se dá ao trabalho de baixar a voz.
"Ela acha que você é o noivo dela", diz Caio, e posso ouvir a excitação mal disfarçada em sua voz. É uma nota brilhante e aguda de pura alegria. "O médico disse que provavelmente é temporário. Apenas entre na onda."
A voz de Léo é um ronco baixo, carregado de uma impaciência que parece uma ameaça física. "E por que eu deveria me envolver nessa farsa?"
"Por favor, Léo", Caio implora, sua voz baixando para um sussurro conspiratório. "Só me faça este favor. Ela tem me deixado louco com toda essa conversa de casamento. Preciso de um tempo."
Léo bufa, um som de puro desdém. Ouço seus passos se virando para ir embora.
"Espere!" Caio o agarra. "Eu tenho outra pessoa para manter feliz. Vou fazer valer a pena pra você."
Agarro os lençóis finos do hospital, meus nós dos dedos brancos. O quarto estéril de repente parece um caixão.
"Pense nisso", Caio insiste, sua voz escorregadia de tentação. "Como 'noivo' dela, você pode finalmente fazer com que ela assine o acordo de demolição do Casarão dos Oliveira. Ela fará qualquer coisa por você."
Meu coração, que era um navio solitário jogado em uma tempestade, se transforma em uma pilha de cinzas frias e mortas. O homem que eu amava, a mulher em quem confiava. Eles não apenas me traíram. Eles tentaram me apagar.
A porta se abre. Caio, Léo e Viviane entram.
Caio vê meus olhos abertos e congela. Ele dá um empurrão forte em Léo.
"Seu nome é Júlia", ele repete, a voz alta e quebradiça. "Ele é seu noivo. Vocês vão se casar em breve." Ele gesticula entre si e Léo. "Eu sou primo dele. Seremos família em breve."
Viviane dá um passo à frente, o braço entrelaçado ao dele, um gesto casual e possessivo. Um lampejo de culpa cruza o rosto de Caio antes que ele componha suas feições em uma máscara de indiferença.
O último pingo de esperança em meu peito morre. Há apenas uma dor que vem a cada respiração, aguda e constante.
Eu me recomponho. Levanto a cabeça. Olho para além de Caio, para além de Viviane, e fixo meus olhos no homem mais perigoso da cidade.
Um leve sorriso toca meus lábios. "Só você me parece familiar", digo a Léo Ferreira, minha voz uma coisa suave e quebrada.
Sua testa se franze. Seus olhos escuros e penetrantes me examinam, como se tentassem descascar as camadas dessa mentira e encontrar a verdade.
Eu me movo, me esforçando para sentar, o movimento enviando uma pontada de dor pelo meu corpo.
Meu olhar nunca deixa o dele.
"Noivo", digo, a palavra com gosto de veneno e oportunidade. "Me desculpe, esqueci seu nome. Me leve pra casa."
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