Acabei de acordar no hospital. O cheiro a desinfetante, o corpo pesado, mas o alívio era imenso. O meu bebé, o nosso pequeno milagre, estava seguro depois de um acidente de carro terrível. A cirurgia para salvá-lo tinha sido um sucesso. O Pedro, o meu marido, estava ao meu lado, as mãos dadas, partilhando o meu alívio. Mas então, o telemóvel dele tocou. A minha meia-irmã, Sofia, tinha tentado suicidar-se. Num piscar de olhos, o Pedro largou a minha mão, largou a mim, recém-operada e ainda em choque. Ele correu para ela, deixando-me para trás, sozinha, no leito hospitalar. Três dias se passaram, e ele não voltou. As suas desculpas eram vagas: "A Sofia ainda precisa de mim. Ela só fala comigo." Fui buscar alta em táxi, porque ele não apareceu. Ele estava a acalmá-la do pânico por um acidente hipotético, enquanto eu tinha vivido um real. Senti-me a diminuir, a tornar-me insignificante. "Ele é o meu marido", disse à minha mãe, "devia estar aqui!" Até o meu padrasto me ligou, repreendendo-me por não ser "compreensiva". "Tu és forte", disse ele. "Tu aguentas." "Então eu não mereço compaixão?", sussurrei. Essa "força" era uma prisão. Mas eu não ia deixar o meu filho ser a segunda escolha de ninguém. Eu, Clara, tinha acabado de sair do hospital depois de quase perder a minha vida e a do meu filho, e ele escolheu a irmã. A ironia era amarga. Agora, era a minha vez de escolher. E era hora de lutar.