Quando acordei, a primeira coisa que vi foi o teto branco do hospital. O braço direito enfaixado e a cabeça a latejar, um cheiro forte a desinfetante no ar. A minha mãe dormia numa cadeira ao meu lado, mas Pedro, o meu marido, não estava lá. Peguei no telemóvel e vi dezenas de chamadas dele. E uma mensagem que me encheu de um nojo gélido: "Inês, onde estás? A Cláudia não para de chorar. O veterinário disse que o Miau pode não sobreviver à noite. Preciso de ficar aqui para a apoiar. Liga-me quando vires isto." Nem uma única palavra sobre mim. Decidi ligar-lhe. A voz ansiosa do Pedro, sem preocupação genuína, soou: "Finalmente! Onde te meteste? Estou aqui no veterinário, a Cláudia está..." "Pedro", interrompi, a minha voz assustadoramente calma. "Eu tive um acidente de carro." Houve um silêncio. Depois, o suspiro de irritação dele. "Um acidente? Estás bem? O carro ficou muito danificado? Sabes o quão caro é o seguro." Mesmo depois de dizer que estava no hospital, a voz chorosa da minha "melhor amiga", Cláudia, apareceu ao fundo. "Pedro, o veterinário quer falar connosco... Oh, desculpa, estás ao telefone? Inês? Desculpa, a culpa é toda minha. O Pedro está aqui a consolar-me. Ele tem sido um anjo." Um anjo. O meu marido, um anjo para ela, enquanto eu quase morria. Foi então que a decisão se solidificou. "Pedro", disse eu, a minha voz agora firme. "Vamos divorciar-nos." Ele explodiu. "Divórcio? Estás a ser egoísta, Inês! Um pequeno acidente e já queres acabar com tudo?" Um pequeno acidente. Não aguentei mais. Estava farta. Ele podia ter ficado com a Cláudia e o gato. Eu queria a minha vida de volta. Mas a luta estava apenas a começar.