O Preço da Paixão Urbana
Contos Eu era Duda, costureira da favela, com sonhos bordados em croquis de moda, e ele era Pedro, meu grafiteiro, a promessa de um amor selvagem que valia tudo.
Larguei minha casa, a máquina de costura e o futuro por ele, trocando a segurança pela paixão nas vielas do Rio.
Mas o cheiro de tinta fresca deu lugar ao perfume caro, e o som do funk ao burburinho presunçoso de uma cobertura na Zona Sul, onde Pedro, em seu terno de linho, revelou a cruel verdade: eu não era um amor, era uma aposta de cinquenta mil.
"Ingênua como o diabo", ele sussurrou, a risada debochada ecoando com o escárnio dos seus amigos ricos, enquanto a chave do carro de luxo brilhava, cegando-me para a humilhação.
Eu o encarei, procurando o homem que amei, e só encontrei um vazio frio, a diversão cruel de quem vê um inseto se debater antes de esmagá-lo.
Quando ele tentou me arrastar para fora dali, a dor do corte no meu ombro, do nosso "ninho de amor", acordou-me para a fúria.
Com a tesoura de costura, a única coisa pontiaguda que eu carregava, cravei-a em sua mão, marcando-o com o sangue que selaria nosso destino: não mais amantes, mas inimigos jurados.
"Você é mais selvagem do que eu pensava", ele disse, jogando as notas do táxi aos meus pés, e se virou, me deixando ali, desabada no chão de mármore frio, com o coração em frangalhos.
Joga fora como lixo? Sem teto, sem dinheiro, sem esperança, apenas a dor lancinante da traição, a ironia me colocou em um canteiro de obras, construindo prédios de luxo para a construtora da família dele, sobre os escombros da minha própria vida.
Meses depois, como um bicho exótico e sujo, ele e seus amigos me viram, e Pedro, em seu carro de luxo, com um sorriso de escárnio, me ofereceu uma nova aposta: uma corrida de carros, onde meu único prêmio seria escapar daquele inferno.
Disse que se eu perdesse, faria o que ele mandasse, qualquer coisa, e olhando para a minha vida miserável, eu aceitei, porque não tinha nada a perder.
No asfalto da estrada deserta, com as lágrimas misturadas ao suor, a voz dele ecoou no fone, "Duda, freia!", mas eu pisei fundo, o ódio me incendiando, em direção ao penhasco, consciente de que, talvez, eu voaria sozinha.
Pois o destino perverso não o levou, e a busca obcecada dele, a culpa doentia, se tornou uma lenda melancólica, o tormento de um fantasma que ele mesmo criou.
Através de um convite de noivado, ele descobriu que eu sobrevivi e, invadindo minha festa como um espectro, gritou para todos: "EU PROCUREI POR VOCÊ POR CINCO ANOS!", sem saber que cada cirurgia, cada sessão de fisioterapia, cada passo da minha reconstrução, foi alimentado pelo ódio e pela sede de vingança.
Pedro esperou na porta do meu prédio, mas eu não cedi, minha alma congelada pela memória daquela aposta, e um plano cruel começou a tomar forma.
"Você quer o meu perdão, Pedro?", eu perguntei, fria, saboreando cada sílaba, e decretei: "Termine seu noivado. Enfrente sua família. Desista de tudo por mim, e talvez, só talvez, eu considere te perdoar."
Ele aceitou, sem hesitar.
Seu pai, furioso, espancou-o brutalmente, mas, mesmo coberto de hematomas e dor, ele ligou para mim, a voz fraca, mas firme: "Eu fiz, Duda. Eu fiz o que você pediu."
Na sala de reuniões, Luana e eu, duas mulheres que ele subestimou, o encaramos enquanto ele sussurrava: "Vocês… foi tudo um plano. Você me usou, Duda."
"Usei? Sim, eu usei", eu respondi, fria como aço, "mas há uma diferença fundamental entre nós, Pedro. Eu nunca fingi sentir algo que não sentia. Eu te disse exatamente o que eu queria."
Seu rosto se desfez, a última centelha de esperança em seus olhos se apagou enquanto eu o deixava para trás, um monumento quebrado à sua própria arrogância.
"Você nunca me amou", disse eu, a sentença final, enquanto fechava a porta para o nosso passado.
O toque dele em meu vestido de noiva, tão próximo, fez as cicatrizes em minhas costas arderem com a memória do acidente, mas quando ele se ajoelhou e comeu o sanduíche sujo, confessando sua miséria, o ódio em mim se tornou um vazio pacífico.
"Nós estamos quites. Acabou", eu disse, fechando a porta para ele, fechando a porta para tudo.
Ele enviou uma fortuna e a escritura de um andar inteiro em seu prédio, um presente de casamento que eu recusei, mas quando Bernardo disse para eu ter aceitado, Pedro estava lá, nas sombras da igreja, olhando para mim.
Na Bahia, dez anos depois, minha filha me perguntou por que um homem estava olhando para nós na praia, e minhas cicatrizes não doíam mais, mas a figura distante de um homem barbudo, com uma garrafa na mão, me lembrava de um passado que ele não podia mais tocar.