Ela espiou os convidados pela janela enquanto as pessoas chegavam. Seu noivado era um aviso para as famílias poderosas que ela pertencia ao Don e essa ideia fazia Angela arrepiar-se toda. Ela sabia que entre aqueles rostos sorridentes e elegantes, havia muitos inimigos e rivais de Don Carlo, que esperavam uma oportunidade para derrubá-lo. Ela também sabia que muitas daquelas mulheres a invejavam por sua beleza e juventude, e que muitos daqueles homens a desejavam por sua sensualidade e rebeldia. Angela se sentia como um peixe fora d'água, uma estranha em um mundo de luxo e violência.
Ela ouviu uma batida na porta e se virou. Sua madrinha de casamento, Ema, a esposa de um dos capangas de Don Carlo vinha ajudá-la. A mulher ruiva entrou no quarto com um sorriso forçado em seu vestido extremamente caro.
- Angela, querida, está na hora. Estão esperando por você na sala. - Ela disse, pegando o braço de Angela e puxando-a para fora.
- Ema, tenho medo do que vai acontecer. Falam pelos ventos que meu noivo é um monstro e isso me assusta. - Angela sussurrou, tentando se soltar.
- Não diga bobagens, menina. Você tem sorte de ter sido escolhida por Carlo. Ele é um homem rico e poderoso, e vai te dar tudo o que você quiser. Só tem que obedecer a ele como uma boa esposa. - Ema disse, arrastando Angela pelo corredor.
- Mas eu não o amo, Ema. Amor deveria ser a coisa mais importante em um casamento e eu não sinto nada. - Angela disse, deixando algumas lágrimas caírem.
- Não chore, criança. Embora eu sinta sua dor, não podemos fazer nada. Foi o seu pai quem aceitou a proposta do Don e você tem que cumprir o seu dever como filha de um homem dos negócios. - Ema disse, empurrando Angela pelos corredores. - Além disso, você vai ter o mundo aos seus pés e quem sabe até o universo. Ser casada com alguém como Carlo vai te proporcionar muitas possibilidades. Use ao seu favor. O amor irá vir com o tempo.
Angela entrou na sala e viu Don Carlo sentado em um sofá, rodeado de homens carrancudos e mulheres exuberantes. Ele usava um terno preto e uma gravata vermelha, e tinha um charuto na boca, além de olhos enormes que devoraram Angela. Carlo deu um sorriso malicioso e se levantou.
- Ah, finalmente, a minha noiva chegou. Venha cá, Angela Gusmão. Deixe-me apresentá-la aos meus convidados. - Ele disse, oferecendo a mão para sua noiva.
Angela sentiu um calafrio percorrer o seu corpo. Ela não queria tocar no homem de 1,90, nem ouvir a sua voz. Ela queria fugir dali, correr para longe daquele lugar. Mas sabia que se fizesse isso, seus pais iriam pagar caro. Ela estava presa em um pesadelo, e não tinha como fugir sem machucar alguém.
Ela hesitou por um momento, mas logo sentiu a mão de Ema empurrando-a para frente. Ela não teve escolha senão aceitar a mão de Carlo, que a puxou para perto de si. Ele a abraçou pela cintura e a beijou na bochecha, fazendo-a sentir o cheiro de fumaça e álcool. Ele a olhou nos olhos e disse:
- Você é linda, Angela. A mulher mais linda que eu já vi. E agora você é minha. Só minha. Ninguém mais pode tocá-la ou olhá-la. Você me entende?
Angela sentiu um nó na garganta. Ela não conseguia falar, nem respirar. Ela só queria gritar e chorar. Ela olhou ao redor e viu os olhares curiosos e invejosos dos convidados. Ela se sentiu exposta e humilhada. Ela se perguntou como seria a sua vida a partir daquele momento. Ela se perguntou se algum dia ela seria feliz. Ela se perguntou se algum dia ela seria livre.
Tantos questionamentos a fizeram tomar uma atitude. Ela seria a pior esposa do mundo para Don Carlo Cortez e ele iria ter que aturá-la. Ela decidiu que não iria se submeter aos caprichos, nem se deixar intimidar pelo poder dele. Ela iria desafiá-lo, provocá-lo e irritá-lo sempre que pudesse. Ela iria mostrar a ele que ela não era uma boneca, mas uma mulher de personalidade e coragem.
Angela então soltou a mão dele e se afastou. Ela olhou para Carlo com desprezo e disse:
- Não me toque, Don Carlo. Você pode ter comprado o meu corpo, mas não a minha alma e nem muito menos minha dignidade, embora você não deva saber o que é isso. O Don não é o meu dono, nem o meu marido ainda. Por enquanto é apenas um estranho que me roubou a minha vida, mas logo eu vou ser um inferno na sua vida.
Ela viu a surpresa e a raiva nos olhos dele. Os murmúrios e os risos dos convidados vieram em seguida. A princípio Angela sentiu uma ponta de satisfação com as suas palavras. Ela sabia que acabara de cometer uma loucura, mas não se arrependeu por uns instantes, pois estava disposta a enfrentar as consequências, fossem quais fossem. Ela estava disposta a lutar pela sua liberdade, custasse o que custasse.
Carlo apenas sorriu para as pessoas a sua volta, parecendo tomar o controle da situação em sua cabeça com apenas uma respirada leva. Ele colocou a mão na cintura e deixou a gargalhada escapar fazendo com que seu corpo se inclinasse para trás.
- Parece que me casarei com uma tigresa - ele disse por fim, então pegou seu copo de whisky e ergueu para seus convidados. - Vamos ver quanto tempo durará a fúria da minha esposa, não é?
Feito isso, os demais convidados riram junto com seu anfitrião que olhou satisfeito para sua belo noiva de longos cabelos cacheados. O ar faltou no corpo de Angela, o arrependimento subiu por suas entranhas, mas ela engoliu cada gota da sua raiva jurando que aquele homem iria implorar pelo divórcio, nem que ela morresse por isso.