O Preço do Abandono: Quando o Amor Se Desfaz
O cheiro a desinfetante e o aroma metálico de sangue sufocavam o ar.
Acabara de acordar da anestesia, a cabeça pesada e a garganta seca.
Ao meu lado, o meu pai, Artur, jazia em coma, após o grave acidente na Autoestrada A1.
Foi aí que tudo desabou.
Liguei ao Pedro, o meu noivo, as mãos a tremer.
A sua voz, quando finalmente atendeu, estava cheia de impaciência, antes de ouvir a Laura, a minha futura sogra, a implorar: "Pedro, vem cá depressa! A Cláudia desmaiou de novo!"
Seguiu-se a voz fraca e chorosa da Cláudia, a sua irmã: "A culpa é minha por ter um corpo fraco..."
O Pedro suavizou-se de imediato: "Não digas isso, tu és a nossa família. Cuidar de ti é o mais importante."
Família. E eu? E o meu pai?
Respirei fundo.
"Pedro," disse eu, com a voz rouca, "tive um acidente. O meu pai está em coma. Eu... eu perdi o nosso bebé."
O silêncio do outro lado foi como um soco.
Depois, a sua raiva explodiu: "O quê? Perdeste o bebé? Sofia, como pudeste ser tão descuidada? Sabes há quanto tempo queríamos este filho?"
Como se a culpa fosse minha. Ele ainda acrescentou: "A Cláudia tem uma doença cardíaca, stress pode ser fatal! Não podes ser um pouco mais compreensiva?"
Compreensiva? Eu, vazia e dorida, e ele pedia-me compreensividade?
As lágrimas ameaçaram cair, mas engoli-as.
A minha voz, surpreendentemente calma, declarou: "Pedro, vamos cancelar o casamento."
Ele desligou. Bloqueou-me.
A minha barriga, agora plana e vazia, parecia ecoar o vazio no meu coração.
Ele não perguntou se eu estava ferida. Não perguntou onde estávamos.
Só lhe importava a perda "do seu" filho e a sua irmã.
Quando o telemóvel do meu pai tocou, o nome "Laura" brilhava no ecrã. Atendi.
"Artur! Onde está a tua filha? Ligar ao Pedro a esta hora, a dizer disparates sobre cancelar o casamento! Quer matar a minha Cláudia de preocupação?"
Ela não tinha decência.
Será que havia uma gota de humanidade para além da frieza e egoísmo da família do meu noivo?
E como se pode começar de novo quando tudo o que se amou é arrancado, e os que deviam apoiar te acusam e te culpam?
Estava na hora de lutar, não para os ter de volta, mas para me salvar a mim e ao meu pai do abismo em que me tinham empurrado.