Esmeralda observava a tudo com humor ermo, não mais olhava com olhos de admiração as grandes construções que passavam diante de si, muito menos espantava-lhe a mudança drástica de arquitetura das casas, observava a tudo com grande indiferença, nada daquilo era o suficiente para lhe emocionar.
Seu coração estava tão pesado com a traição que sofrera que sentia-se dissaborosa com a vida, mas ao fundo não estava surpresa com a falha do plano, afinal sabia que estava fácil demais, é claro que a vida não lhe facilitaria tanto, parecia pô-la a prova. Mas o que o destino aguardava para ela? Talvez os deuses caídos estivessem aborrecidos e decidiram tirar troça de sua sina miserável? Não. Era besteira o que pensava, não era ninguém para se engrandecer a ponto de pensar que alguma entidade poderosa lhe vigiava e pregava-lhe peças maldosas, embora nesses momentos em que tudo dava errado o parecesse.
– Então... Lucius esse tempo todo era o rei! Mas que grande descoberta... – Rizza comentou percebendo o ar fúnebre que havia se instalado na carruagem, contudo aquilo só afundou o humor de Esmeralda.
– Infelizmente o descobri da pior maneira, se soubesse antes saberia que não poderia dizer nada a ele, afinal se tornou o cachorrinho de minha irmã – retrucou amargamente, perceber que seu mais querido amigo de infância voltou-se contra ela junto de sua irmã era um golpe tão baixo e inesperado que em alguns momentos lhe deixava sem ar. Como poderia imaginar que aquele garotinho sorridente poderia se tornar uma cobra? Sim, ele era o rei, responsável por manter a harmonia no reino, mas o que custava interceder o casamento? Ele tinha todos os meios, poderia argumentar com os dois duques, arranjar outra pessoa para ela.... Mas ele ficou neutro até que então decidiu pender para o outro lado abandonado à sorte uma pessoa que dizia ele ser muito querida...
– Como o encontrou afinal?
Esmeralda se mexeu inquieta e com um suspiro profundo contou de seu breve encontro com Lucius, Rizza escutou tudo no maior silêncio, sem proferir comentários ou demonstrar qualquer expressão. Finalizado o relato um minuto de silêncio se prolongou na carruagem até que por fim decidiu emitir sua opinião:
– Esme, posso ser sincera?
– É claro.
– Tem certeza? Por que muito provavelmente não vá gostar do que vou te dizer – ao ouvir o seu segundo questionamento, a jovem suspirou imaginando o que estaria por vir, nunca era bom quando alguém pedia para ser de fato sincero, entretanto precisava ouvir a opinião de sua amiga sobre sua situação, ter a visão de outras pessoas sobre um problema tornava mais fácil solucioná-lo.
– Ainda assim preciso escutar, sei que fui muito estúpida em ter confiado nele – depreciou-se com a voz acre e os olhos baixos.
– Não diga assim de si mesma... Mas realmente não foi uma decisão muito sábia dizer a ele o seu plano, ainda mais a uma pessoa que se distanciou e mudou tanto com o passar dos anos, ele já não é mais seu amigo Lucius e sim o rei, ou antes que descobrisse sua verdadeira identidade, um nobre como todos os outros.
– Sim, eu sei. Mas foi tão difícil olhar para ele e não pensar nele como meu amigo mais querido, como meu irmão... Éramos tão próximos desde tenra idade e pensar que ele mudou tanto era algo tão...Surreal! Mas agora sei que se tornou uma víbora! Eu me sinto tão sozinha, não posso confiar nem em minha própria sombra – desabafou desesperada, estava tão cansada dos golpes que recebia sem cessar, a cada momento alguém se virava contra ela e aquilo a desesperava.
– Essa é a corte, um lugar traiçoeiro onde a qualquer deslize você é comida viva, mas você tem a mim e sabe que pode contar comigo.
Esmeralda assentiu em silêncio e assim ficou. Ela não queria dizer, mas se perguntava se poderia mesmo contar com aquela mulher ao seu lado, é claro que mais do que ninguém tinha se mostrado leal, mas o que ganhava com tudo aquilo? Qual a sua recompensa em ficar ao lado de uma nobre na situação de Esmeralda? A jovem sabia que estava se tornando neurótica, todavia após tantas traições, como não ficar? Precisava descobrir o principal objetivo de Rizza a estar acompanhado em uma jornada cheia de incertezas.
– Fico feliz que esteja me acompanhado, acho que jamais irei te retribuir a altura do que faz por mim – começou o diálogo, embora aquilo fosse mais uma isca em seu anzol, era verdade, não tinha muito o que dar a ela, logo partiria para um lugar bem longe e não sabia se teria tanto a sua disposição.
– Sabe que não precisa, te ver bem é o que importa – ao ouvir aquilo Esmeralda semicerrou os olhos levemente e então prosseguiu:
– Sabe que não mereço tudo isso.
– É claro que merece.
– Por quê? Nunca fiz algo que merecesse toda essa lealdade – Esmeralda indagou genuinamente curiosa. Rizza se sacrificava por ela a todo momento e a jovem não se lembrava de ter feito algo que era merecedor de tanta devoção.
– É claro que fez, lembra-se de quando ajudou o orfanato?
– Mas só por isso? – Rizza fazia tudo aquilo apenas por uma ação simples como aquela? Não que ajudar crianças carentes não fosse algo notável, mas não a ponto de receber toda aquela admiração e sacrifícios que a mulher fazia por ela. Abandonar toda uma vida para seguir uma nobre que tinha um destino cheio de incertezas era no mínimo loucura.
– Não, mas foi o principal motivo. Nunca ninguém me tratou como você, acho que é a primeira pessoa que tenho uma amizade verdadeira – aquilo foi um golpe e tanto para Esmeralda. Jamais tinha perguntado a Rizza qual sua história, pelo o que tinha passado, os seus medos e inseguranças, seus sonhos... No fim não a conhecia completamente e isso se devia a sua negligência. Ambas conversavam tanto, contudo nunca se aprofundaram no passado da mulher que a servia com grande afinco. A jovem se sentiu culpada por não ter dado a devida atenção a quem estava ao seu lado há tanto tempo.
– De onde você era?
– Bem... Você provavelmente não vai acreditar, mas sou filha de um barão – respondeu enquanto deixava uma risada áspera escapar de seus lábios. A jovem não conseguiu conter o assombro em seus olhos, afinal por mais baixa que fosse a posição de um barão ainda era um nobre e como tal receberia todo o tratamento destinado a sua posição, era simplesmente impensável que a filha de um barão trabalhasse como uma simples empregada.
– Como? Mas então por que está aqui?
– Meu pai nunca foi muito bom com finanças, sempre vivemos pendurados com as contas, nossa fazenda nunca rendeu como deveria, tínhamos mais gastos do que rendimentos e um dia me dei conta que não era uma nobre de verdade, eu não usaria vestidos de seda, não participaria de bailes e muito menos me casaria.
– E então veio para o palácio?
– Sim, meu pai tinha um conhecido que trabalhava na administração e me recomendou, não como filha obviamente, seria desonroso para ele ter uma filha que servia aos outros não como dama de companhia, mas como empregada.
– Imagino como deve ter sido difícil...
– A princípio foi mais difícil me acostumar com a capital e de estar só, o trabalho era o de menos, não tínhamos servos em nossa casa então tudo recaia sobre mim.
– E quanto ao seu pai? As finanças melhoraram?
– Não sei, não tenho muito contato, apenas mantenho correspondência com minha irmã mais nova, infelizmente o meu trabalho passou para ela. Desde que vim venho juntando algum dinheiro para ela conseguir ao menos uma roupa para participar do próximo baile e tentar encontrar um marido para que saia dessa vida. Não quero que tenha o mesmo destino que eu...
– Você gostaria de se casar? – a indagou repentinamente e aquilo pegou Rizza desprevenida que hesitou alguns minutos em responder:
– Bom... Quem não? Passar o resto dos dias sozinha parece ser muito triste, mas duvido que alguém iria me querer, não sou ninguém... – sua voz diminuiu gradualmente conforme proferia as palavras que lhe pesavam tanto.
– Não diga isso, já se esqueceu que te nomeei minha dama de companhia? Assim que chegarmos ao ducado será apenas minha amiga e não mais uma empregada – Esmeralda tentou reconfortá-la enquanto se aproximava de sua amiga e lhe segurava a mão. Rizza ergueu os olhos e a encarou lançando um largo sorriso, apesar da sua tentativa de parecer bem a jovem sabia perfeitamente que mascarava a tristeza com aquele gesto.
– É curioso que não tenha sido designado a você uma dama para te servir, afinal é filha de um duque – Rizza comentou como se tentasse desviar um pouco o foco da conversa, afinal era doloroso recorrer àquelas memórias. Assim que Esmeralda ouviu a sua observação quase retrucou desmentindo a sua descendência, porém se calou, já tinha tido uma experiência muito ruim ao contar um segredo a alguém que confiava, não cometeria o mesmo erro – mas de qualquer modo agradeço por me ter em tal alta estima, será uma honra te servir.
– Sabe que não poderei te oferecer muito, mas farei o possível para que não lhe falte nada – prometeu com grande obstinação pendendo em sua voz.
– Não se preocupe comigo, me sinto satisfeita em te servir.
Esmeralda abriu um largo sorriso. Sabia que Rizza não lhe servia por devoção ou amizade, pelo menos não no início. Ao ouvir sua história de vida estava mais claro que nunca que estava ao seu lado por puro interesse, uma recém chegada à corte, uma nobre que não distinguia os outros por sua posição social e alguém que aos poucos se via cada vez mais só, era uma ótima maneira de subir nos degraus da sociedade, mas como julgá-la por lutar por sua sobrevivência?
Rizza queria se casar, queria ter a oportunidade que nunca teve e Esmeralda era um meio para que isso acontecesse, embora um meio muito lento, afinal o que tinha para oferecer? Filha bastarda que era, casando-se para ser sacrificada, o que aquela mulher via de tão vantajoso em se aliar a ela? Esmeralda não sabia, contudo tinha muito a lhe agradecer. Por mais que houvesse interesse em suas ações, a jovem tinha se apegado a Rizza e lhe queria bem e, pelo menos até aquele momento, sentia que não havia apenas segundas intenções em suas ações, sua amizade pode ter iniciado com interesse, mas havia algo a mais que as mantinha unidas.
– Agora, estou curiosa. O que pretende fazer quando o plano de fugir deu errado? Vai ser difícil se livrar desses brutamontes.
– Na carta que enviei para minha mãe pedi que ela estivesse o mais perto do ducado, como ela conhece empregadas de confiança lá dentro iremos manter correspondência para programar a nossa fuga – por sorte Esmeralda se recordou que a condessa tinha empregados de confiança ali dentro por conta de sua falecida mãe, Rose, e era provável que alguns deles estivessem servindo a casa ducal ainda, entretanto estava temerosa se realmente conseguiria ser contada uma vez que se passaram tantos anos.
– Ainda pretende fugir?