Estou furiosa, meu chefe está ameaçando demitir todo o setor em que eu trabalho, com exceção de mim e outras duas moças.
Antônio é um dos seres mais asquerosos que eu conheço, trata todos como objetos que podem e serão comprados.
Desde que me filiei ao sindicato temos nos estranhado pelos corredores. Sim, ele mantém uma fábrica de costura em seu escritório, diz que é para não esquecer de onde veio.
Um populista com ar de empreendedor, é o que ele aparenta ser; mas, se realmente não tivesse esquecido a pobreza, não demitiria as pessoas no auge desta crise - Daniela, - Stephanie me chama, interrompendo meu devaneio, - ele está te esperando, anda...
A sigo pelo corredor de mármore, ela abre a porta e o observo falar no celular, o cabelo escuro cai suavemente pelo pescoço, os olhos escuros encontram os meus e ele sorri aquele sorriso sacana tão característico enquanto faz um gesto para que eu entre.
Obedeço e ergo uma sobrancelha em sinal de que não vou ceder um milímetro sequer.
- Eu já te ligo, estou com a orquestradora da greve aqui...
Ele desliga o aparelho e ficamos nos encarando em silêncio por alguns minutos.
- Quer dizer que a senhora está armando uma greve?
- Quer dizer que o senhor está demitindo essas pessoas sem qualquer consideração? - Ele franziu o cenho e eu cruzei os braços.
- Já falei sobre isso, o país está em crise... Prefere que eu abra falência e não pague ninguém?
- Você poderia, por exemplo, rever a diretoria e parar de colocar as mulheres com as quais se relaciona e não entendem nada de mercado para cuidar da empresa. Ou então tirar todos os puxa-sacos que você tem e contratar uma boa equipe de marketing...
- Agora você entende até mesmo de marketing?
- Claro que sim, eu consumo e sei muito bem que ver uma mulher só de calça jeans em um anúncio não me dá vontade de comprar a tal bendita calça. Acha que preciso de uma pós-graduação para saber o que uma propaganda me inspira?
- Por que você tem que ser tão difícil? Já sei, é o seu nome. A partir de agora evitarei toda e qualquer Daniela que cruzar o meu caminho. É isso, deve ter a ver com o nome...
- Meu nome? - Sentei-me enquanto ele passou as mãos pelos cabelos, visivelmente desestabilizado.
- Daniela, não tem como... Me entenda; eu, mais do que ninguém, queria que fosse diferente e...
- Eu já te pedi uma chance, deixe-me tentar do meu jeito?
- Eu não posso! Se der errado, essa gente vai para a rua sem nada... É leviano de sua parte!
- Não foi leviano colocar as estudantes de moda que te mostravam mais do que linha e agulha para comandar esse povo até a ruína...
- Você está insinuando algo?
- Eu não!
- Daniela, me entenda, por favor, eu não tenho condições de fazer isso. Vamos fechar essa fábrica e pronto, você será transferida para a unidade do Brás e...
- Essas pessoas são minha família e eu não posso deixar de fazer alguma coisa, ainda mais quando é possível.
- Não é, eu vetei.
- Então estamos em greve!
- Hoje é aniversário da minha filha, eu preciso sair mais cedo, eu tenho um mar de problemas..., vamos nos acertar amanhã?
- Você não está se importando nem um pouco com as filhas e problemas dessas pessoas, por que eu deveria me importar com a sua?
- Ela tem só sete anos... Aliás, - ele olhou no relógio - ela fez oito enquanto você cuida da minha vida sexual. - Corei enquanto ele arrumava papéis sobre a mesa.
- Não estou nem aí para a sua vida sexual, só quero que você trate os seus funcionários com o mesmo respeito que eles têm por você.
- Eu sempre os respeitei. Infelizmente o país está numa crise e não parece que sairá tão cedo. Daniela, amanhã eu converso com você, e juro que com todo o cuidado e delicadeza que a situação exige...
- Antônio, eu...
- Eu só quero dar isso a ela. - Ele me estendeu uma pequena caixa e fez sinal para que eu abrisse, era uma espécie de cubo onde haviam fotos da pequena e dele e de um anjo...
- A mãe dela morreu?
- Não, ela é uma médica a serviço dos Médicos sem Fronteira, uma mulher totalmente abnegada que não pensa em dinheiro e...
- Você vai buscá-la no aeroporto?
- Não, ela não vem este ano...
- Está certo, vá ver sua filha - ponderei. Minha vida toda eu passei com o coração na mão nos dias de aniversário, sonhando em ver pelo menos um dos meus pais.
- Eu prometo que amanhã cedo a gente vai sentar e entrar num acordo, quem sabe eu repasse a oficina? Eu não sei...
- Eu prometi que a gente entraria num acordo hoje ou em greve! Eu te entendo, Antônio, mas ou você suspende a demissão ou nenhuma máquina trabalhará mais. Não haverá um ponto dado por nenhuma máquina e eu te juro que farei com que todas as máquinas que estão a seu dispor fiquem na mesma situação.
- Vamos comigo, então! Eu vou até minha filha e nós comemoramos, eu a coloco na cama e a gente vai entrar em um acordo, nem que viremos a noite até achar um meio-termo.
- Está certo.
Desci com o patrão e fiz um sinal positivo para as meninas que me esperavam no caminho, algumas pessoas o cumprimentavam, mas a grande maioria não olhava em sua direção.
Em alguns minutos estávamos no carro, o trajeto todo só não foi em absoluto silêncio porque o rádio do carro tocava uma música melodiosa e triste.
A casa era algo que eu apenas vira em novelas, as paredes brancas eram imponentes, o jardim serpenteava o caminho e uma empregada boliviana veio até nós.
- Senhor Antônio, a sua mãe levou a pequena Duda. Disse que ia comprar presentes de aniversário, eu fui contra, mas ela me ignorou e saiu. - O sotaque era forte, mas o tom de voz estava repleto de carinho; ela era uma mulher forte, e seus cabelos caíam em duas tranças até a altura da cintura.
- Tudo bem, Remédios. Essa é a Daniela, uma moça da empresa. Aproveitarei que Duda não está e vou fazer uma reunião, não me interrompa a não ser que seja Maria Eduarda chegando. E não se preocupe, mamãe cuida bem dela...
Remédios girou nos calcanhares e saiu com uma expressão de desagrado, como se não concordasse com a atitude do patrão, Antônio entrou logo em seguida e eu fui atrás dele. Mal sabia que minha vida viraria do avesso depois de entrar naquela casa.