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Uma Intrusa Na Corte

Uma Intrusa Na Corte

5.0
5 Capítulo
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Sinopse

Índice

Sara, passou dias se lamentando pelo término de seu noivado, se afundou em dívidas, acabou perdendo o emprego e foi despejada do apartamento alugado por não pagar alguns meses. Sabia que ir para a casa de seus familiares iria lhe dar dores de cabeças terríveis e para não viver a mercê do destino, decidiu simplesmente pular a ponte de um viaduto. No entanto, o universo não aceitou sua decisão e enviou a alma da garota para seu eu de outra realidade que morreu no mesmo dia e horário de Sara. Ao despertar no novo corpo, ela se depara com uma era medieval, no meio da família real do reino de Clavick e prometida a um lorde muito parecido com seu ex do qual ela não queria ver nem pintado de ouro. "Mas que merda aconteceu?!"

Capítulo 1 O desespero

ATRASADA!

Era a milésima vez na minha vida que estava correndo pela casa para organizar minhas coisas. Um sapato na porta, outro sumido pelo vasto apartamento. Meu casaco favorito deveria estar para lavar, a louça da noite anterior só seria lavada quando eu chegasse, pois não tinha tempo nem de escovar meu pequeno cabelo.

Enfiei a cabeça embaixo do chuveiro para facilitar a escovação e joguei a toalha no pescoço, impedindo a água de molhar a roupa que havia acabado de colocar, também não tinha tempo de trocar caso molhasse. Amarrei as madeixas como dava e coloquei a escova de dentes na boca, após passar uma pequena quantidade de pasta em suas sardas. Corri pelo quarto jogando o carregador do celular, o absorvente e os fones de ouvido dentro da mochila para sair dali.

Lembrei-me da escova na boca e tratei de alisar os dentes com as sardas voltando para o banheiro às pressas. Cuspi a pouca quantidade de espuma que se formou em minha boca e joguei um pouco de água para limpar o restante, então voltei a correr para fora do quarto jogando a toalha ainda em meu pescoço em cima da cama antes de fechar a porta.

Achei o par do sapato perdido no meio do corredor embaixo do tapete e calcei rapidamente. Passei os braços pelas alças da bolsa enquanto destrancava a porta e dava uma última olhada no relógio da parede.

— Merda! — Esbravejei quando vi que faltava apenas vinte minutos para as sete da manhã e eu nem havia pegado o ônibus.

O trânsito de são Paulo não ajuda ninguém que esteja atrasado e a pior coisa que você pode querer é ficar mais cinco minutos na cama em plena quarta-feira. Isso porque o relógio decide trabalhar contra você e os cinco minutos podem se tornar quinze se não for atento.

Para melhorar minha situação o apartamento estava exatamente a uma hora de meu trabalho e eu sabia que uma supervisora de televendas iria arrancar o pouco e curto cabelo que eu tinha para me punir. No sentido figurado, claro. Talvez.

Logo na saída do prédio consegui ver o tamanho da fila de carros que só crescia na rodovia Presidente Dutra e ainda tinha uma enorme ladeira para descer até chegar no ponto onde pegaria o expresso Armênia. Eu precisava correr, pois já deveria estar no meio do caminho e não tinha como avisar a minha chefe que estava presa no trânsito se nem no ônibus eu estava. Conhecendo Aline como eu conhecia, era fato que ela me pediria uma foto do engarrafamento, pois estava cansada de me ver dar desculpas esfarrapadas.

A vida de uma pessoa enrolada como eu era terrível.

Mas a sorte finalmente me deu um leve tapa quando cheguei a metade da descida. Lá estava Henrique subindo a rua com sua Honda Biz nova completamente distraído e sem nenhuma preocupação aparente. Tratei de saltar em sua frente e o rapaz deu um pulo no acento de seu pequeno meio de locomoção, freando rapidamente para não me atropelar.

— Qual é Sara, ficou loucona? — Ele exclamou quando a moto quase me derrubou, com a face pálida parecendo ter visto um fantasma.

— Eu preciso muito de um favor!

— Nem vem, você ainda tá me devendo vintão desde outubro. — Ele disse enquanto dava vida em sua moto. Segurei em suas mãos fazendo a pior cara que poderia. A desesperada que já fiz em toda minha vida.

"Espera, eu devia vinte reais pra ele?"

Henrique torceu o nariz e formou um bico tentando me ignorar por completo, mas forcei ainda mais aquele olhar deixando os ombros caírem e ele bufou quando me viu pelo canto dos olhos.

— Mas que porra. — O garoto me mediu de cima a baixo. — O que você quer?

— Eu te amo! — Comemorei. — Preciso chegar na Vila Maria o mais rápido que esse treco aí conseguir.

— Gatinha, isso não é um treco, ok? — Henrique acariciou o pequeno painel e mandou um beijo para o objeto de duas rodas. — É meu amor. — Deixei um "credo" escapar, o que fez ele me olhar com desdém. — Vai querer a carona ou vai ficar fazendo descaso com o amor verdadeiro?

Ele disse descendo rapidamente da biz para abrir o bagageiro e retirar o capacete reserva colocando-o diante de mim logo em seguida. Enquanto isso o Onix 2019 laranja subi a mesma rua que estávamos. A placa de final 22 era irreconhecível para alguém que já havia rodado são Paulo com o traste que sempre dirigia o carro aquele depois de ter ganho do pai.

Me apressei para me equipar e subir na garupa de Henrique antes que tivesse o desprazer de falar com aquilo que se aproximava, mas o dono da biz era lento demais para entender meu desespero.

— Anda garoto! — Tentei apressá-lo.

— Pera lá que quem tá dando a carona aqui sou eu. — Resmungou ele tarde demais.

— Eu acho que poderia ir mais rápido e mais confortável aqui, querida. — Disse o motorista do Onix me fazendo revirar os olhos e quase vomitar o café frio do dia anterior que encontrei na garrafa.

— Ei, aqui é ponto de bala filhão, rala lá pro seu condomínio. — Henrique fez uma careta ao homem. Tive a porcaria da ideia de olhar para dentro do carro e receber uma piscadela do motorista. Outra vez revirei os olhos.

— Sara, ainda não tivemos aquela conversa. — Disse Matheus e eu apenas fixei meus olhos no caminho a nossa frente enquanto envolvia os braços na cintura de Henrique. — Sara...

Ele pareceu me repreender ao dizer meu nome pela segunda vez e meu motorista colocou seu capacete estalo os dedos para apontar os indicadores ao homem do carro em seguida.

— Perdeu amigão. — Disse por fim acelerando a biz para dar a volta pelo automóvel laranja e pegar o rumo da avenida em direção ao meu trabalho.

Para minha sorte, Henrique cortou todo engarrafamento pelo corredor em meio aos carros. Ficamos empacados em alguns pontos no caminho, mas ele logo arrumava uma saída e no fim das contas acabamos chegando no prédio de meu trabalho com alguns minutos de antecedência.

Depois de ver Matheus não tive tanta empolgação em conversar e meu amigo pareceu entender bem minha opção, pois dirigiu o caminho inteiro sem dizer uma palavra se quer.

Desci da biz quando estacionamos na entrada do prédio e retirei o capacete para passar ao moreno.

— Ei gatinha. — Meu amigo tentou usar um pouco de tranquilidade na voz. — Finge que nem viu aquilo lá. Vocês não precisam conversar sobre nada. Acabou. — Henrique deu um soco leve em meu ombro da maneira mais amigável que poderia. — Eu sei que a gente é trouxa e se apega a uns manés, mas você pulou fora quando descobriu o bosta que aquele cara era. Então não deve nada pra ninguém não, mina.

— Eu sei... — Tentei dar um sorriso que fosse, mas aquela presença havia me levado para alguns dias bons ao lado de Matheus e depois aos dias de sofrimento em um relacionamento abusivo e também ao momento que descobri a traição. Era horrível sentir um milhão de coisas por uma mesma pessoa e não conseguir estar longe dela morando no mesmo bairro. Respirei fundo e entreguei o capacete ao rapaz. — Ei, você quer comer algo em casa depois? Aproveitar que estou te devendo os vinte e a gasolina até aqui.

Mudei o foco do assunto e os olhos de Henrique brilharam com os de uma criança feliz.

— Falou em rango me ganhou! — Ele guardou o objeto reserva no bagageiro da biz e me direcionou a mão fechada em punho. — Quer eu te pegue depois?

— Não, tá tranquilo. — Dei um soquinho em seu punho e ele sacodiu a mão no ar fingindo que havia doído. Eu ri. — Me encontra lá em casa umas oito então, vou pedir uns lanches monstros!

— Demoro gatinha! — Ele comemorou. — Ei, tu não tava atrasada?

— Mas que merda!

Nem olhei no relógio, apenas me virei para correr o mais rápido que poderia em direção ao cão nervoso dentro do prédio. Ela iria me matar.

Subi as escadas do hall de entrada o mais rápido que consegui e gritei ao operador que estava entrando no elevador para que segurasse a porta. Ainda bem que era alguém que não iria me zoar deixando as portas baterem em minha cara.

Eu tinha que descer no quinto andar e geralmente era um trajeto rápido, mas quando se está extremamente atrasada, é difícil achar que algo vá com agilidade. Aquele elevador, por exemplo, estava indo completamente contra mim e meu curto tempo.

Finalmente observei o relógio em meu pulso e meus olhos se arregalaram quando descobri que já havia perdido quatro minutos de tempo. As portas se abriram no quinto andar com a graça divina e pulei igual louca para fora saindo pelo corredor até a operação as pressas, forçando minhas pernas a enfrentarem seu limite.

Me senti aliviada ao ver que a bancada de Aline estava vazia e que todos papeavam no corredor da supervisora. Provavelmente ela deveria estar falando com algum outro supervisor ou até mesmo com nosso coordenador.

Percorri os olhos pelos corredores de operadores em busca de um computador livre onde eu pudesse abrir meu ponto sem que percebessem meu atraso.

Joguei a mochila embaixo da bancada de Aline e caminhei até o final da fileira onde geralmente estavam os meninos da retenção. Sempre havia um p.c. livre naquela área e para minha felicidade estava mesmo.

— Bom dia, bom dia, bom dia. — Falei aos operadores durante o trajeto até a máquina para consegui logar. antes que minha chefe aparecesse. Respirei aliviada quando estava pronta para mais um dia de trabalho.

— Sara, vê se eu já consigo sair de dez? — Disse a operadora próxima de mim e bufei.

— Gente, nem cheguei. — Falei de maneira descontraída e ela fez um olhar sofrido. Deixei outro bufar escapar, então me dirigi até a mesa de Aline novamente para olhar o gráfico da operação. — Tem dois de pausa, espera quatro minutinhos. Pessoal, porque tem tanta gente de pausa feedback se não tem supervisor na operação?! Feedback do Gasparzinho?

Falei em voz alta para que todos conseguissem me ouvir, o assistente do outro lado da operação parou de conversar com seus colegas e correu para o computador de seu supervisor analisando o gráfico também.

— Quem tiver com pausa indevida vai ser desconectado! — Ele gritou e revirei os olhos. — Nathalia, finaliza com esse cliente, você está há meia hora com ele.

Dois minutos antes aquela criatura nem estava na máquina e de repente já era o líder estupido ameaçando todos apenas para mostrar serviço. Me dava náuseas.

— Vem falar com ele então, ele quer falar com o super.

Momento de desespero!

Ou o produto estava atrasado, ou chegou com defeito, ou o operador foi um filho da puta com o cliente que só queria uma informação, ou então era um cliente cricri que decidiu encher o saco de uma empresa de telemarketing. Nessa hora não existem inimigos no atendimento ao público e toda vez que ouvimos aquela frase dizemos a mesma coisa:

— O supervisor está em reunião! — Em coro.

Nathalia voltou para sua tela negando com a cabeça enquanto achava graça de nosso desespero.

Segundos depois, Aline apontou no corredor principal que dava acesso aos elevadores. Tinha um olhar ameaçador e vinha tão rápida e raivosa que quase saltei pela janela se não fosse o vidro blindado sem aberturas.

Meu celular vibrou em meu bolso e eu sabia que se olhasse naquele momento o que poderia ser, ela iria me arrancar a cabeça, por conta das diversas câmeras espalhadas por todo ambiente.

— Sara, podemos conversar? — Falou então ao se aproximar.

Aline tinha seus 32 anos. Três anos de experiencia em atendimento e quatro como supervisora de operação. Estava naquela empresa há exatos sete anos e eu era sua assistente há quase três anos. Eu conhecia bem sua forma de lidar com todos os operados, seus olhares para cada situação e seu tom de voz. Aquele que estava usando comigo em particular.

Os olhos verdes da morena estavam dilatados de angústia e os lábios ressecados pareciam ter sido machucados recentemente por seus dentes. Nervosismo. Não a contrariei, segui a mulher pelo corredor até a área dos bebedouros onde ela parou e respirou profundamente.

— Acabei de falar com Ricardo e ele viu seu espelho de pontos e seus atrasos. Também viu nosso número de metas comparando com as outras equipes, além também das suas faltas. — Meu coração quase saiu fora do corpo naquele momento. Eu não acreditei no que vinha a seguir. — Ele decidiu te cortar.

— O que? Mas eu não levei nenhuma advertência e minhas faltas são todas atestadas.

— Não levou porque eu não apliquei, Sara. Sua mãe morreu no ano passado e eu sei que vocês eram muito ligadas, por isso relevei esse tempo todo, mas já fazem meses e você continua nas nuvens. — Aquela vaca estava mesmo dizendo que havia relevado minhas gafes, sendo que eu era quem fazia tudo naquela merda de lugar para que a bonita ficasse papeando com seus queridinhos.

Uma raiva me subiu ali, pois havia dias que eu fazia serviço dobrado para pagar as faltas e mesmo assim estava sendo apunhalada pelas costas. Aline se esquecera que até seus cafés era eu quem buscava na padaria do outro lado da rua e tive certeza que nem havia me defendido dentro dessa reunião escrota.

— Sara, tente entender. — Ela seguiu. — Ele é o dono e eu não posso fazer nada.

— Ótimo, sua egoísta de merda. — Deixei escapar. Estava com tanto nojo que não consegui me conter. — Vai lá sentar mais no pau dele pra ver se consegue entrar na casa que ele tem no Morumbi, já que só sabe ajudar a si mesma.

— Sara!

— Ah! Vai se foder! — Deixei-a parada no corredor para voltar a operação e pegar minha mochila.

— Sara, não é assim também. — Aline me seguiu pelo caminho, mas eu já estava tão cheia de tudo aquilo que simplesmente desisti ali mesmo.

Tudo bem que eu era uma pessoa bem atrapalhada e cheia de desculpas sem nexo, mas fazia de tudo para causar uma boa impressão quando estava no trabalho e engoli diversos sapos com o passar dos anos trabalhando ali. Não era justo que nem tivesse tido uma boa defesa diante de alguém importante e que vivia comendo minha chefe.

Ao menos eu não havia me rebaixado tanto para chegar ao nível de assistente e mesmo sabendo de tudo nunca atravessei o prédio para contar a verdade a esposa de Ricardo que não imaginava estar sendo vitima de uma traição há quase dois anos.

— Sara, você não precisa sair agora, a gente pode tentar...

— A gente não pode! Você já falou que sua bunda não ajuda em nada nessas horas! — Esbravejei para que toda operação ouvisse com clareza. — Então eu to indo no RH e nunca mais piso nesse lugar cheio de líder falso que só sabe trair todos e principalmente a família que tem!

Gritei ainda mais alto para que Ricardo me entendesse bem mesmo preso em sua sala e o homem moreno de aproximadamente quarenta anos saiu da enorme sala de reuniões tão pálido como se tivesse sido enforcado por um brutamontes. Logo atrás estava sua esposa linda e loira de olhos azuis, completamente devastados pelo que havia acabado de escutar.

Engoli em seco. Mesmo que não tivesse dito diretamente, todos ali comentavam há meses suas suspeitas e tinha certeza que Tania havia ouvido os rumores, então sabia exatamente de quem eu estava falando.

Seus olhos foram de Aline a Ricardo e eu me limitei a correr para o primeiro andar onde iria pedir para assinar as contas.

Fazia bem uns três anos e meio que trabalhava naquela empresa. Passei meus primeiros meses na linha, ouvindo desaforos e xingos de clientes, quase surtei, mas aguentei firme. Bati metas e até ganhei diversas premiações por sempre me destacar como atendente. Com tantos méritos, tive a ascensão. O convite para ser assistente de supervisor veio e o salário era ótimo para uma jovem de 19 anos sem expectativas de vida. Mas eu nunca pensei que passaria tantos sufocos.

Trabalhava de segunda a segunda seis horas e vinte por dia com apenas uma folga por semana e um domingo por mês. Recebia pouco mais que um salário mínimo, condução e vale alimentação de 140 reais. Era ótimo para alguém que vivia com a mãe e pagava pouca coisa, mas depois que assumi aluguel, luz, água, internet, conta de celular e alimento. Passou a ser ligeiramente apertado.

Para variar, os remédios e o próprio tratamento de minha mãe, precisou de muito dinheiro, então gastamos toda sua aposentadoria e precisei pedir empréstimo para inteirar muita coisa. No fim das contas, tanto dinheiro não ajudou e mamãe faleceu no começo de dezembro do ultimo ano.

Isso me levou a entrar em um estado de inercia que me tornou ainda mais enrolado do que já era. O que antes eu errava pouco, passei a fazer com frequência e por vezes tentei me esforçar para conseguir sair daquilo, mas era difícil.

Eu não era uma pessoa com grandes decisões na vida. Na verdade, me achava um verdadeiro fracasso e quando entrei no call center consegui me sentir alguém de verdade por quando bater todas as conquistas deles. Pois fora dali eu era uma negação completa.

Aos 22 anos eu não sabia o que seria no futuro. Não sabia qual faculdade escolher ou para onde ir. Havia acabado um relacionamento terrível e meu melhor amigo desde o ensino médio era o dono de uma biz metido a cara da quebrada, mas que era o primeiro a correr se um ladrão nos parasse na rua. Para melhorar a situação eu havia acabado de me demitir depois de surtar com uma chefe que passou boa parte dos meus dias dentro da empresa explorando minha boa vontade enquanto dava a raba para nosso chefe no banheiro do call center.

Deixei o RH de lado e segui direto para a saída. Mesmo que não tivesse volta o que eu havia acabado de fazer, era melhor esfriar a cabeça para não tentar atacar ninguém enquanto emitiam os papeis da demissão.

Atravessei a rua para caminhar pela avenida enquanto colocava minhas palavras e xingamentos em uma caixinha bem fechada no fundo da mente. O sol estava forte no céu azul e as dez horas se aproximava com passos ágeis. Um típico dia paulista no inicio de agosto.

Lembrei que meu celular havia vibrado diversas vezes enquanto estava discutindo sobre meu futuro longe do trabalho e o retirei do bolso para ver o que poderia ser de tão importante para me ligarem naquele horário.

"7 ligações perdidas de Chris".

— Porra. — Chris era o dono do pequeno apartamento onde eu morava e era obvio o motivo de sua ligação.

Abri o aplicativo de conversas online podendo ver o que ele havia mandado e para meu desgosto ele estava bem irritado no áudio que enviara.

— Olha Sara, eu esperei o máximo que poderia, mas não dá! Faz três meses que não vejo a cor do dinheiro e você foge o tempo todo, nem arruma mais desculpas. Você tem até o dia 20 para me pagar pelo menos um mês, ou vou tirar suas coisas do apartamento.

— Caralho, Chris. — Reclamei comigo mesma. — Assim você me fode.

Sentei-me no meio fio para pensar o que poderia fazer. O dinheiro que pegaria iria pagar as últimas parcelas das despesas médicas de minha mãe, pois tivemos que parcelar em um cartão emprestado de um familiar e faltavam três parcelas de 350 reais. Quase o valor do aluguel.

Ainda tinha que terminar de pagar o empréstimo e meu nome estava completamento sujo por atrasar as faturas de internet há quase um ano. A conta de luz era cem reais e a de água 90. Eu iria me demitir para não ser mandada por justa causa e iria perder boa parte dos benefícios por ter tomado essa decisão, então só receberia os dias trabalhados, isso é se não zerassem meu holerite com tantos descontos.

Eu estava na merda.

Outra vez o celular vibrou em minha mão e bufei esperando ser Chris me xingando por ter lido a mensagem e não o responder, mas para meu desgosto era alguém inconveniente.

"Princesa, vamos conversar. Estou com saudades e sei que você também está".

Mesmo depois de terminar, Matheus continuava enchendo minha paciência com esse tipo de mensagem e eu já o havia boqueado em todos os locais possíveis, mas ele trocou o número e tornou a me torturar. Para tentar me descontrair tirei print daquela tela, bloqueei novamente o traste e enviei a imagem para meu amigo.

"Pelo menos me divirto com isso". Coloquei na mensagem seguinte. Henrique rapidamente me respondeu com suas figurinhas estranhas.

"Ele tava agorinha no bar com outra já". Mandou de volta.

"Só está tentando piorar meu dia."

"Eita, aconteceu algo?"

Pensei em lhe contar o dia terrível que tive, mas Henrique deveria estar em seu trabalho e como era uma empresa familiar, logo seus pais iriam lhe encher a paciência por estar mexendo no celular. Então deixei apenas um "o mesmo de sempre" e travei o telefone.

Lá estava eu. Desempregada, traída, solteira, cheias de dividas, prestes a ser despejada, com a mente conturbada e sem expectativas de vida. Minha mãe havia partido e todos os meus parentes não faziam questão de saber como eu havia ficado depois de perder o pai em um dia e a mãe meses depois.

Pensei em um milhão de coisas que poderia fazer para conseguir ajuda, mas ninguém conseguiria me tirar daquele buraco enorme e Henrique era o único que teria pena da maluca enrolada. Levantei-me do meio fio e andei um pouco mais pelas ruas até chegar ao viaduto onde teria que travessar para pegar o ônibus. Havia passado por diversos pontos onde poderia ter pego a condução antes, mas aquela caminhada estava ajudando a não enlouquecer.

No entanto, enquanto atravessava a enorme passarela, observei os carros agitados de um lado ao outro e senti uma dor terrível bater em meu peito, uma angustia mesclada a tristeza. Um desespero forte me tomou por completo e apertei firme o guarda corpo da passarela para não perder o equilíbrio.

O sol estava forte, o ar estava abafado, o asfalto parecia extremamente quente e as pessoas em seus carros passavam embaixo de mim seguindo com suas vidas bem resolvidas. Apertei firme a mochila e subi no guarda corpo com medo e ao mesmo tempo dominada pela adrenalina.

— Deve doer pra cacete. — Falei, mas estava tão cansada de tudo que mirei a água do rio poluído entre as vias. Então fechei os olhos e deixei o corpo ir em direção ao meu novo destino.

O fim de tudo aquilo.

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