Londres, Século XIX Desejo à primeira vista! Ela era uma visão, uma princesa exótica que flutuava pelo salão de baile, evocando imagens de noites quentes e lençóis de seda, e Charlemagne Griffin sentiu como se tivesse sido atingido por um raio, e... Bem, ficou muito interessado. A dama não se enquadrava nos parâmetros exigidos pela aristocracia inglesa, como ele logo descobriu, mas seu rosto de beleza incomum e seu corpo tentador compensavam essa falha. E antes que se desse conta, Charlemagne começou a se vangloriar de um negócio que pretendia fechar, apenas para impressionar aquela jovem encantadora... Sarala Carlisle podia parecer ingênua, porém, tarde demais, Charlemagne descobriu que ela encobria uma inteligência aguçada e uma intuição infalível... e que lhe passara a perna! Entretanto, tratava-se de um jogo para dois participantes, e uma das muitas habilidades de Charlemagne era a arte da sedução. Naquele duelo, porém, a única coisa que estava em risco era o coração do perdedor...
― Caine! Onde estão minhas botas? Charlemagne Griffin se inclinou para olhar debaixo da
cama, afastando para longe os cobertores. Seus dedos encontraram apenas um livro.
— Logo estarão aqui, milorde — respondeu o valete com seu animado sotaque irlandês, ficando horrorizado ao ver o amo de cócoras, procurando debaixo da cama. — Foi difícil limpar a
lama, depois de sua viagem a Tatterswall.
Charlemagne endireitou o corpo, retirou com a mão o pó das calças, e examinou o livro que
pegara sob a cama. Cem Dias em Roma. Então fora lá que deixara, pensou.
— Vá dizer para os outros se apressarem — murmurou, distraído, sentando na beira do
colchão e abrindo o volume. — Não quero ser motivo de chacota por não me vestir mais depressa
que uma mulher.
— Já estou indo.
Uma batida na porta do quarto fez Charlemagne parar de folhear o livro, justamente no
trigésimo sétimo dia da aventura em Roma.
— Entre.
Era seu irmão mais novo, Zachary.
— Não pode ir a uma festa só de meias, Shay.
— Obrigado — replicou Charlemagne com ironia. — Seria uma nulidade social se não fosse
por você e seus conselhos.
— Ainda bem que reconhece isso... Dizem que esteve ocupado, hoje.
— Já soube que comprei o cavalo de Dooley?
— Encontrei Dooley no White's, e ele estava quase chorando por ter vendido o animal tão
barato. Então adivinhei que fora você o comprador.
Charlemagne sorriu.
— Foi, de fato, um bom negócio.
— Conte-me seu segredo, Shay! Usa magia negra para enfeitiçar as pessoas? Não posso
pensar em outra coisa quando vejo homens inteligentes e de bom senso vendendo a lua para você
por quase nada.
— Não saberia o que fazer com a lua.
O valete bateu à porta, de modo discreto, e entrou.
— Suas botas, milorde. Ficaram novas.
Enquanto Caine o ajudava a calçá-las, Charlemagne riu.
— Já que perguntou, Zach, o segredo é paciência e espírito de observação. Um cavalo de raça, como o que comprei, de nada serve para seu dono se este não tem dinheiro nem para pagar as
despesas de casa.
— Isso parece um tanto frio e desumano.
— Por isso chamamos de negócios e não de prazer. — Charlemagne se levantou. — Alémdisso, o cavalo de Dooley era meu único objetivo de hoje.
— Pelo amor de Deus! — exclamou Zachary, rumando para a porta. — Vamos para uma
festa. Espero não estar olhando para uma série de convidados que meu irmão "levou na conversa"
pela manhã...
Charlemagne balançou a cabeça. Não sabia como seu irmão caçula chegara a se casar diante
da aversão que sentia pelos negócios. Afinal, casamento era um negócio também.
— Sei que os detalhes estratégicos do comércio não lhe agradam, Zach.
— É verdade. Converse sobre isso com alguém mais versado no assunto.
— O fato de não lidar com esses assuntos não tira sua esperteza.
Ouviram o rumor de passos nas escadas, o que indicava que o restante do clã dos Griffin
chegara. No último ano, a família recebera dois novos membros: o marido de Eleanor, Valentine
Corbett, marquês de Deverill, e a esposa de Zachary, Caroline. Por mais que amasse seus irmãos, às
vezes Charlemagne não aguentava o barulho que faziam.
— Shay — disse Eleanor, quando o viu descer.
— Está linda, Neil; e você também, Caroline.
O olhar de Charlemagne encontrou Sebastian, duque de Melbourne, seu irmão mais velho.
Sebastian era o único que compartilhava seu gosto pelos negócios.
— Como foi sua reunião com Liverpool?
— Promissora — respondeu o duque. — Creio que começa a perceber que o orgulho não é
motivo para não comerciar com as colônias.
— Talvez orgulho não seja uma razão, mas falta de imaginação, sim; e esta é ainda mais
difícil de vencer — ponderou Charlemagne.
— Concordo. E como foi o seu dia?
Zachary surgiu por trás dele e bateu em seu ombro.
— Fez Dooley chorar.
Apesar de a compra do cavalo ter sido excelente, Charlemagne tivera outro encontro naquela
manhã, que lhe parecia muito mais interessante e com grandes possibilidades.
— Dooley não precisava aceitar minha oferta. Quanto à minha conversa com...
— Valentine já lhe contou as novidades? — interrompeu Sebastian.
— Não são exclusivas de meu marido — disse Eleanor, aproximando-se, e tomando o braço
do esposo.
Dessa vez, Zachary bateu nas costas do cunhado.
— Dissimulado! E pensar que há um ano a ideia de casamento o fazia estremecer.
— E agora vou ser papai... Foi um ano e tanto — murmurou o marquês, inclinando a cabeça e
beijando Eleanor.