Ele me deixou para morrer. O trauma me fez perder o bebê que eu nem sabia que estava esperando.
Deitada em uma cama de hospital, vi sua postagem nas redes sociais: uma selfie sorridente com ela, com a legenda #Abençoado.
Foi nesse momento que decidi desaparecer. Ele achou que tinha me quebrado. Estava enganado. Ele apenas me libertou.
Capítulo 1
Helena POV:
As palavras me atingiram como um soco no estômago, arrancando oito anos da minha vida, me deixando oca e sem ar. "Ela é mercadoria avariada, uma assistente jurídica de graça, nada mais que um acessório conveniente." A voz de Bernardo, geralmente tão suave e calmante, estava carregada de um desprezo gélido que eu nunca tinha ouvido direcionado a mim. Pelo menos, não diretamente. Fiquei paralisada do lado de fora de seu escritório, a porta entreaberta o suficiente para que sua confissão cruel vazasse, transformando meu mundo em algo irreconhecível.
Minha promoção para sócia júnior. Desapareceu.
Ainda esta manhã, minha mãe ligou. "Helena, querida, seu pai e eu estamos tão orgulhosos. Uma sócia júnior na Molina & Associados. Sempre soubemos que você conseguiria." Suas palavras, que deveriam ser um conforto, agora pareciam um peso de chumbo pressionando meu peito. Eu havia ensaiado por semanas como contar a ela sobre minha "promoção perdida". Sua decepção, misturada com o seu refrão habitual de "por que você não se aquieta de uma vez?", era uma ferroada familiar. Mas isso? Isso era pior.
Eu tinha aceitado, ou assim pensava. Bernardo me sentou, sua mão quente sobre a minha, seus olhos cheios do que agora eu sabia ser uma simpatia ensaiada. "Helena, meu amor, o escritório precisa de um rosto novo. Alguém com contatos importantes. A Beatriz, o pai dela... é um negócio enorme para nós." Ele disse isso com tanta delicadeza, quase se desculpando. E eu, tola que era, assenti, compreendendo. Acreditando.
Mas as palavras que ouvi agora, cortando os sons abafados do escritório, eram uma ferida aberta e purulenta. "E o aborto, Bernardo? Ela realmente fez aquilo só por você?" A voz de Beatriz Ferraz, doce e venenosa, pingava diversão. Eu a imaginei, empoleirada na mesa de Bernardo, seu cabelo escuro e brilhante caindo sobre o ombro, sua mão perfeitamente manicure brincando com a caneta dele.
"Claro", Bernardo riu, um som que fez meu sangue gelar. "Disse que 'atrapalharia minhas ambições'. Honestamente, às vezes acho que ela acreditava que tínhamos um futuro." Ele fez uma pausa, e eu quase pude sentir seu sorriso de escárnio. "Oito anos, Beatriz. Oito anos de trabalho de graça, lealdade e devoção inquestionável. Ela praticamente administrava minha vida, meus casos. Uma máquina bem lubrificada, na verdade."
Minha respiração falhou. Trabalho de graça. Devoção inquestionável. Essa era eu. Esses eram os meus oito anos. Meus vinte e poucos anos inteiros. Apagados.
"E 'mercadoria avariada'?", Beatriz ronronou, um eco cruel de seu comentário anterior. "Por causa de um procedimentozinho médico? Que rainha do drama."
O chão sob meus pés balançou. Mercadoria avariada. Eles estavam falando do meu aborto. Aquele que eu fiz, não porque não queria um filho, mas porque Bernardo me convenceu de que "não era o momento certo", "muito cedo na minha carreira", "complicaria as coisas". Ele teceu uma narrativa de ambição compartilhada, de um futuro que ele estava construindo para nós.
Minha mão instintivamente foi para o meu estômago, uma dor fantasma florescendo ali. Não era apenas minha carreira, não era apenas a traição. Era tudo. Cada sacrifício, cada lágrima silenciosa, cada sonho que construí ao redor dele. Todos estavam se dissolvendo em uma nuvem amarga e tóxica.
Eu tropecei para trás, meu salto prendendo no carpete felpudo. O som foi quase inaudível, mas eu sabia. Eles sabiam que eu estava lá. Ouvi um silêncio súbito, depois o suspiro de Beatriz. Eu não esperei. Não podia. Minhas pernas se moveram por conta própria, me levando para longe das vozes, para longe do riso que agora ecoava em minha cabeça.
Fui parar no banheiro feminino, encarando meu reflexo. Meu rosto estava pálido, meus olhos arregalados e injetados de sangue. Minhas mãos tremiam enquanto eu buscava na minha bolsa, tirando a pequena caixa de veludo. Dentro, jazia o delicado colar de prata que Bernardo me deu em nosso quinto aniversário. "Uma promessa", ele chamou. "Uma promessa de para sempre."
Com um soluço engasgado, arranquei-o da caixa, a corrente frágil cravando na minha palma. Não era uma promessa. Era uma mentira. Uma mentira linda e brilhante. Eu o bati contra a pia de porcelana, a prata se torcendo e dobrando sob a força, imitando a contorção do meu coração. Eu o observei, uma bugiganga quebrada e sem sentido, até minha visão embaçar com as lágrimas.
Era isso. Não apenas o fim de uma promoção, mas o fim de tudo. Oito anos, estilhaçados. E eu estava farta. Farta das mentiras, farta da dor, farta de ser sua "assistente jurídica de graça".
Peguei minha pasta de couro gasta, aquela que me acompanhou por inúmeras noites tardias e manhãs cedo. Meu coração martelava contra minhas costelas, uma batida desesperada de rebelião recém-descoberta. Eu não estava apenas saindo do escritório. Eu estava me afastando da pessoa que me tornei por Bernardo.
Meu escritório. Parecia estranho agora, despojado da vida que eu havia derramado nele. Olhei para a foto emoldurada na minha mesa: Bernardo e eu, sorrindo, de braços dados, na festa anual do escritório. Ele parecia tão orgulhoso. Eu parecia tão feliz. Uma piada cruel.
Peguei a foto, virei-a e rabisquei uma única palavra no verso: "Mentiroso". Então, joguei-a na lixeira. Ela bateu contra o outro lixo, um som insignificante.
A porta rangeu ao abrir. Beatriz estava lá, seu sorriso tenso, uma pitada de triunfo em seus olhos. Ela usava um lenço rosa choque, o mesmo tom que Bernardo uma vez disse que ficava lindo em mim. "Helena", ela chilreou, "Bernardo quer que você finalize o rascunho do acordo de tecnologia. Sabe, aquele com o meu pai."
Meu estômago se contraiu. "Aquele que eu fechei", pensei, mas as palavras morreram antes de chegarem aos meus lábios. Eu apenas olhei para ela, olhei de verdade, e não vi uma rival, mas um reflexo vazio da ambição de Bernardo.
"E", ela continuou, sua voz ganhando um tom afiado, "ele disse para te lembrar sobre a orientação dos novos associados. Você está encarregada de montar os kits de boas-vindas." Ela gesticulou vagamente para uma pilha de pastas coloridas na minha mesa. "É tudo seu agora, Helena. Estou muito ocupada com trabalho jurídico de verdade hoje em dia."
Ela piscou, um gesto que deveria ser brincalhão, mas que parecia sal na ferida. Ela pegou uma caneca de café branca e impecável da minha mesa, estampada com o logo do escritório. Foi um presente de Bernardo para mim, no último Natal. "Ah, e obrigada pela caneca. É muito fofa." Ela deu um gole longo e exagerado, seus olhos nunca deixando os meus.
A caneca de Bernardo. Minha mesa. Seu sorriso triunfante.
Algo dentro de mim quebrou. A dor, a humilhação, a pura audácia de tudo aquilo... solidificou-se em uma determinação fria e dura. Olhei para a caneca de café em sua mão, depois para a pilha de tarefas triviais que ela acabara de despejar em mim. Isso não era mais apenas sobre uma promoção. Era sobre reivindicar cada pedaço de mim mesma.
"Beatriz", eu disse, minha voz surpreendentemente firme. "Preciso que você me faça um favor."
Suas sobrancelhas se arquearam, surpresa. "Ah? E o que seria, Helena? Precisa de ajuda para empacotar seus... kits de boas-vindas?" Ela riu, um som curto e agudo.
"Não", respondi, meu olhar inabalável. "Preciso que você diga ao Bernardo que ele pode montar a porcaria dos próprios kits de boas-vindas. E servir a porcaria do próprio café."
Seu sorriso vacilou. A cor sumiu de seu rosto. Eu sabia que o choque era genuíno. Ela esperava que eu me encolhesse. Que eu desmoronasse. Mas a Helena que ela conhecia se foi.
Passei por ela, de cabeça erguida. Minha pasta parecia mais leve do que em anos. Eu não me importava com o acordo de tecnologia, os kits de boas-vindas ou o escritório. Não mais. Eu só tinha uma última coisa a fazer.
Meu celular vibrou na minha mão. Era Bernardo. Uma mensagem de texto. "Helena, venha ao meu escritório. Precisamos conversar. AGORA." O tom imperioso, as letras maiúsculas. Era o mesmo velho Bernardo, puxando as cordas. Mas não mais.
Abri a mensagem, meu polegar pairando sobre o botão de resposta. Meu coração não se apertou. Não doeu. Parecia oco, vazio. Parecia livre.
Digitei uma única palavra. "Não." E enviei.
Então, com uma respiração profunda e purificadora, apaguei o número dele. Permanentemente.
O saguão do escritório estava movimentado, um contraste gritante com o silêncio de cemitério do meu escritório. Caminhei em direção ao elevador, meus passos firmes e decididos. Eu estava indo embora. Para sempre. Mas não sem uma despedida final e silenciosa para a mulher que eu costumava ser.
Parei em uma lixeira pública, uma daquelas lixeiras elegantes de aço inoxidável perto da entrada. Enfiei a mão no bolso do meu casaco. Minha mão se fechou em torno do colar de prata torcido, a "promessa" que Bernardo me dera. Olhei para ele uma última vez, uma avaliação fria e clínica. Nenhuma emoção. Apenas um pedaço de metal quebrado.
Com um movimento do pulso, eu o deixei cair. Ele aterrissou com um leve tilintar metálico, engolido pelo lixo. O som foi engolido pelo rugido da cidade.
Pensei na última vez que me senti verdadeiramente livre, verdadeiramente eu mesma. Foi antes de Bernardo. Antes do escritório. Antes da busca interminável por uma vida que nunca foi realmente minha. Minha mente vagou para aquela sala de clínica estéril e fria, as vozes sussurradas, a sensação avassaladora de perda. Aquilo tinha sido por Bernardo. Cada lágrima dolorosa e silenciosa. Cada noite sem dormir. Tudo por ele. Ele me chamou de "mercadoria avariada". E por muito tempo, eu acreditei.
Mas parada aqui, o vento da cidade chicoteando meu cabelo, uma estranha calma se instalou em mim. Ele não me danificou. Ele revelou minha verdadeira força. A força para ir embora.
Meu celular vibrou novamente, um número desconhecido. Ignorei. Não importava. Nada daquela vida importava mais. Eu tinha uma vida para reivindicar, começando agora.
As portas do elevador se abriram, um suspiro metálico. Entrei, pressionando o botão do térreo. As portas se fecharam, selando o passado, abrindo-se para um futuro desconhecido. Eu não tinha plano, nem destino. Apenas um desejo ardente de desaparecer.
Meus dedos traçaram a cicatriz tênue no meu braço, uma relíquia de uma queda na infância. Um lembrete físico de que mesmo as coisas quebradas podem cicatrizar, deixando para trás uma marca mais forte e resiliente. Bernardo achou que tinha me quebrado. Ele estava enganado. Ele apenas me libertou.
Eu não iria apenas desaparecer. Eu iria reconstruir. Eu iria me reerguer. E ele nunca veria isso acontecer.
Esta cidade, este escritório, esta vida... tudo estava contaminado. E eu estava farta de ser manchada. Eu estava indo para casa. Não, eu estava indo para um lar que não via há anos, um lugar onde o ar tinha um gosto diferente, onde o sol brilhava mais forte. Florianópolis. Minha Floripa.
O elevador apitou. As portas se abriram. Um novo começo esperava.
Saí para o ar frio de São Paulo, um fantasma, invisível para a multidão agitada. Mas por dentro, eu estava finalmente viva de novo.