Fui recebida com um tapa na cara da minha mãe.
Éris, fingindo uma poderosa "Aura de Alpha", alegou que meu simples cheiro a estava envenenando.
Para "salvá-la", minha família me trancou no quarto.
Mas a verdadeira traição veio quando ouvi os sussurros abafados através da porta.
- Use a Vera - disse minha mãe, com uma voz assustadoramente prática.
- Ela se recupera rápido. Podemos drenar o sangue dela semanalmente para a Éris. Ela pode ficar como serva para criar os filhotes de Caim e Éris.
Meu sangue gelou.
Eles não estavam apenas me negligenciando; planejavam me colher como gado.
Eles pensavam que eu era a Ômega fraca que exilaram para o Norte anos atrás para descascar batatas.
Eles não faziam ideia de que, no Norte, eu não era uma serva.
Eu era a Comandante V, uma guerreira forjada no gelo e no sangue.
Estiquei o braço para debaixo da cama e puxei minha mochila tática preta.
- Que se dane o rocambole - sussurrei.
Eu não estava apenas indo embora. Eu estava indo para a guerra.
Capítulo 1
O Altar Vazio
Ponto de Vista da Vera:
O Templo da Lua estava silencioso. Não aquele tipo de silêncio pacífico, mas o tipo pesado e sufocante que esmaga seus ouvidos.
Eu estava sozinha no centro do altar de mármore. A luz do luar entrava pela alta cúpula de vidro, iluminando partículas de poeira dançando no ar. Elas eram minha única companhia.
Hoje era a Cerimônia de Acasalamento. Nada demais, apenas o momento em que minha alma deveria ser irrevogavelmente ligada a outra pela eternidade. A cerimônia é uma formalidade, uma declaração pública diante da matilha de que o Alpha aceitou sua Luna.
Mas o Alpha estava desaparecido em combate.
Olhei para as minhas mãos. Elas tremiam. Eu usava o manto cerimonial, uma vestimenta pesada bordada com fios de prata retratando a história da Matilha de Águas Claras. Três costureiras, um mês de trabalho.
Agora, parecia uma mortalha.
Meu celular vibrou contra meu quadril como uma vespa furiosa.
Eu não deveria ter verificado. Uma Luna deve ser equilibrada. Paciente. Mas minha paciência tinha acabado.
Peguei o aparelho. Uma notificação da conta oficial da matilha nas redes sociais apareceu.
"AO VIVO: Alpha Caim recebe Éris Darkthorne em casa! #CasalPoderoso"
Meu polegar pairou sobre a tela. Apertei o play.
O vídeo estava tremido, filmado no aeródromo privado. Mas a traição estava em 4K.
Lá estava meu pai, radiante com um orgulho que ele nunca desperdiçou comigo. Lá estava minha mãe, enxugando lágrimas de alegria. Lá estava Dante, meu irmão, segurando um buquê de lírios brancos.
E lá estava Caim.
Caim Blackfang. Meu companheiro. O futuro Alpha.
Ele estava magnífico, com o cabelo escuro penteado para trás, o maxilar afiado o suficiente para cortar vidro. Mas ele não olhava para a câmera. Ele olhava para a garota descendo as escadas do jato.
Éris. Minha irmã.
Ela parecia frágil, apoiando-se pesadamente no corrimão, mas seu sorriso era triunfante. Caim correu para frente, ignorando os guardas, e ofereceu o braço. Ela o aceitou, inclinando-se sobre ele como se fosse sua dona.
A legenda dizia: "O verdadeiro poder reconhece o verdadeiro poder. Bem-vinda ao lar, nosso futuro."
Um vazio frio se expandiu no meu peito. Todos estavam lá. Minha família inteira. Meu companheiro. Dando as boas-vindas à irmã que abandonou a matilha três anos atrás pela "prestigiosa" Academia Wolfsbane.
Enquanto isso, eu estava parada no altar, parecendo uma idiota.
Fechei os olhos e estendi minha mente. O elo de companheiro deveria ser um santuário privado. Agora, parecia um sinal de linha ocupada.
*Caim,* projetei. *Onde você está? A Alta Sacerdotisa está me encarando.*
O silêncio se estendeu. Então, a voz dele ecoou na minha cabeça. Irritada. Distraída.
*Agora não, Vera. A Éris acabou de pousar. Ela está exausta. O voo foi pesado para a constituição dela.*
*Hoje é a nossa cerimônia,* respondi, mantendo minha voz mental firme. *Os anciãos da matilha estão assistindo.*
*Mande-os para casa,* Caim retrucou. *Não seja egoísta, Vera. Sua irmã voltou com o dom de uma Aura de Alpha. Este é um dia histórico. A cerimônia pode esperar. É apenas uma formalidade, de qualquer maneira.*
A conexão foi cortada. Bloqueada.
Apenas uma formalidade.
Olhei para os bancos vazios. Olhei para a Alta Sacerdotisa, que fingia polir um cálice para evitar meu olhar. Ela sentia pena de mim. A Ômega que pensou que poderia ser Luna.
- A cerimônia está cancelada - eu disse. Minha voz soou plana. Morta.
- Criança - a Sacerdotisa começou -, o Alpha Caim certamente está apenas detido...
- Ele não está detido. Ele está ocupado.
Levei a mão ao ombro e soltei o broche de prata. O tecido pesado deslizou pelos meus ombros, amontoando-se no chão empoeirado - uma pilha de seda cara e sonhos quebrados.
Por baixo, eu usava um vestido preto simples. Apropriado.
- Estou indo para casa.
Saí do templo. O ar da noite estava frio, mas não ardia tanto quanto a humilhação queimando sob minha pele.
Minha loba, Vespa, se agitou. Ela havia sido suprimida por anos pelas drogas que meus pais me forçaram a tomar para me manter "dócil". Mas esta noite, ela estava andando de um lado para o outro.
*Ele não é digno,* Vespa rosnou, sua voz como pedras sendo moídas. *Nós não imploramos.*
*Não,* concordei. *Nós não imploramos.*
Dirigi de volta para a Casa da Matilha. Geralmente silenciosa, esta noite estava resplandecente de luzes. O som grave da música batia através das paredes.
Entrei pela porta da frente. O grande saguão era um pesadelo de balões e glitter dourado: "BEM-VINDA AO LAR, ÉRIS".
Garçons circulavam com champanhe. A elite da matilha ria, bebia, celebrava.
Ninguém me notou. Eu era a filha invisível. A substituta.
Fui em direção às escadas.
- Vera!
Dante.
Meu irmão estava com o rosto corado, taça de vinho na mão. Ele me olhou com uma mistura de aborrecimento e comando.
- Onde você estava? - ele exigiu. - A mãe estava te procurando. A equipe da cozinha está sobrecarregada.
- Eu estava no templo - disse calmamente.
Dante revirou os olhos.
- Ainda com isso? Olha, a Éris está com fome. Ela quer o rocambole de carne favorito dela. Aquele que você faz. Vá para a cozinha. Precisamos que esteja pronto em uma hora.
Ele não pediu. Ele ordenou. Para ele, eu não era sua irmã. Eu era uma serva glorificada que compartilhava seu sangue.
- Estou cansada, Dante.
A expressão dele escureceu.
- Não comece com atitudes. A Éris é frágil. Ela precisa de proteína para manter sua nova Aura de Alpha. Você quer que ela fique doente? Você é tão invejosa assim?
Invejosa.
Olhei através da sala. Caim estava rindo de algo que Éris sussurrava, a mão dele descansando na curva das costas dela. O meu lugar.
Ele nem sequer tinha me procurado.
- Tudo bem - eu disse. - Vou para a cozinha.
Dante assentiu, satisfeito.
- Ótimo. E se lave antes. Você cheira a... poeira.
Subi as escadas, mas não para me lavar. Fui para o meu banheiro.
Na pia, havia um sabonete. Um presente de Éris, enviado há uma semana. "Lavanda e Mel", dizia o bilhete. "Sei que você adora aromas baratos."
Peguei o sabonete. Minha pele formigou dolorosamente.
Usei uma vez e minha pele teve uma erupção tão severa que não consegui me transformar por dois dias. Pensei que fosse alergia.
Mas agora, com Vespa acordada, senti a verdade sob a lavanda.
Acônito. Quantidades vestigiais. Apenas o suficiente para enfraquecer um lobo ao longo do tempo. Apenas o suficiente para manter uma Ômega com aparência doente.
Éris não tinha apenas me ignorado. Ela estava me envenenando.
Olhei para o espelho. A garota que me encarava estava pálida, mas seus olhos... manchas douradas estavam devorando o castanho opaco.
*Eles acham que somos fracas,* Vespa sussurrou. *Mostre a eles.*
Joguei o sabonete no lixo.
Caminhei até minha escrivaninha, abri meu diário de couro e peguei uma caneta.
Na página marcada com a data de hoje, escrevi uma única linha.
"Cerimônia de Acasalamento: Companheiro ausente."
Era um obituário para o meu amor.
Olhei pela janela em direção ao norte. Muito além dos gramados bem cuidados e dos jogos políticos, ficava o Posto Avançado do Norte.
Gelo e sangue. Um lugar onde passei minha infância exilada porque meus pais não podiam se dar ao luxo de alimentar uma Ômega "inútil" durante os anos de fome.
Eles pensavam que eu descascava batatas lá. Eles não sabiam o que eu realmente fazia na neve.
Fechei o diário. Que se dane o rocambole.
Eu ia fazer as malas.