Quando finalmente chegou em casa naquela noite, ele caiu de joelhos, chorando e implorando por mais uma chance, exatamente como antes. Ele parecia patético.
Mas, desta vez, eu não senti nada além de um vazio frio e oco. A mulher que o amava já estava morta.
Eu o encarei nos olhos e, com calma, dei o golpe final.
"Eu fiz um aborto hoje. O bebê se foi."
"Assine os papéis, Guilherme."
Capítulo 1
Meu celular vibrou, zumbindo contra a bancada de granito onde eu sovava a massa. Era Sofia, minha melhor amiga. O nome dela piscava na tela como um alerta de emergência. Limpei as mãos sujas de farinha no avental, com um leve sorriso nos lábios. Guilherme chegaria em breve, e eu estava fazendo sua lasanha favorita. A vida parecia, na maior parte do tempo, perfeita.
"Carol, você viu o TikTok?" A voz de Sofia era um sussurro frenético, carregado de uma mistura estranha de choque e incredulidade.
Eu ri, ajeitando uma mecha de cabelo que havia escapado. "Não, por quê? Algum vídeo de gatinho viralizou de novo?"
"Não, Carol, não é um vídeo de gatinho! É... é o Guilherme."
Meu sorriso desapareceu. Minha mão congelou no ar, a massa fria e pesada sob meus dedos. "O Guilherme? O que tem o Guilherme?"
Um instante de silêncio. Depois, uma enxurrada de palavras. "Tem um vídeo. Está em todo lugar. Ele invadiu um casamento. O casamento da Daniela Dantas."
O nome me atingiu como um soco. Daniela. Depois de todo esse tempo. Meu estômago revirou.
"Ele estava gritando, Carol. Sobre salvá-la. Daquele pobre noivo." A voz de Sofia baixou. "Carol, ele... ele voltou com ela?"
Meu celular, de repente pesado na minha mão, começou a apitar sem parar. Uma avalanche de notificações. Mensagens de texto, DMs, chamadas perdidas, tudo piscando furiosamente. Minhas redes sociais estavam explodindo. O vídeo. Todo mundo estava falando sobre o vídeo.
Meus amigos ligavam, perguntando se eu estava bem. Estranhos me marcavam, oferecendo condolências misturadas com um julgamento mal disfarçado. Havia hashtags em alta: #InvasãoDeCasamento, #ComplexoDeHerói, #DramaGuilhermeeDaniela.
Eu rolei a tela, meu polegar dormente. A qualidade do vídeo era granulada, trêmula, filmada por um convidado que provavelmente estava mais entretido do que horrorizado. Guilherme, meu marido, estava lá. Ele era um turbilhão de fúria e desespero, seu rosto geralmente composto, agora contorcido, as veias saltando em seu pescoço. Ele gritava algo sobre amor, sobre salvá-la de um erro. Daniela, em um vestido branco, parecia aterrorizada, e depois, estranhamente... expectante. O noivo, um homem perplexo em um smoking mal ajustado, tentou intervir, mas Guilherme o empurrou para o lado como se ele não fosse nada.
O ar me faltou. Estava acontecendo de novo. Três anos. Fazia três anos desde a última vez que o "heroísmo" de Guilherme tinha destruído meu mundo. O padrão, claro e inegável, estava se repetindo.
Eu me lembrava dos comentários daquela época também.
"Não é aquele cara que se meteu naquela briga de bar? Aquele da namorada maluca?"
O vídeo tinha comentários, milhares deles. "Nossa, esse cara de novo?", dizia um. "Ele é totalmente surtado." Outro comentava: "Lembram daquela história de três anos atrás? A que ele quase foi preso por defender a honra dela? É a mesma mulher!"
"Uma vez ele me disse que queimaria o mundo por ela", dizia um comentário de um usuário desconhecido, "literalmente. Ele disse que ela era sua alma gêmea, seu verdadeiro chamado."
"Isso parece novela mexicana", escreveu outra pessoa. "Não dá pra inventar uma coisa dessas."
Eu fiquei ali, celular na mão, absorvida pela cacofonia digital, pelos gritos de indignação e diversão. A lasanha esquecida. O cheiro de molho de tomate queimado encheu a cozinha. Olhei para baixo. A travessa de cerâmica havia rachado, uma linha irregular indo da borda à base. Molho vermelho, quente e borbulhante, escorria para o meu pé descalço.
Eu não senti. Não de verdade. O líquido escaldante era uma dor surda perto da dormência gelada que se espalhava pelo meu peito.
Meus dedos, estranhamente firmes, discaram o número de Guilherme. Chamou uma, duas, três vezes, e caiu direto na caixa postal. "O número para o qual você ligou está temporariamente indisponível...", a voz automática informou.
Eu ri. Um som oco e frágil que arranhou minha garganta. Não tinha graça. Nada tinha graça.
Esta manhã, Guilherme tinha me beijado na despedida, acariciando minha barriga. "Eu te amo, Carol. Eu amo a gente", ele sussurrou. "Volto cedo, a tempo da sua consulta de pré-natal. E daquela lasanha. Não se esqueça da lasanha."
Ele tinha feito tantas promessas. Tantos votos. "Eu nunca mais vou te machucar, Carol. Nunca. Nosso bebê merece uma família completa, um pai amoroso."
Eu não senti a pontada aguda de dor, a traição ardente que esperava. Era apenas um vazio. Como se alguém tivesse arrancado tudo de dentro de mim e me deixado oca. O momento mais desesperador, aquele que rasga sua alma em pedaços, já tinha acontecido há três anos. Eu sobrevivi àquilo. Eu sobreviveria a isto.
Com calma, coloquei o celular de volta na bancada. A cozinha estava uma bagunça: farinha por toda parte, molho queimado chiando no fogão. Eu limpei tudo. Metodicamente. Eficientemente. A travessa quebrada foi direto para o lixo.
Então, peguei o telefone novamente. Não para ligar para o Guilherme. Disquei para o hospital.
"Alô? Gostaria de cancelar minha consulta de pré-natal para amanhã." Minha voz era neutra, desprovida de emoção. "E gostaria de agendar... outro procedimento. O mais rápido possível."