Mas sua traição final veio mais tarde, quando o ouvi planejando friamente colher minha pele para um enxerto, para curar uma pequena queimadura que ela havia sofrido.
Ele não me via apenas como uma peça de reposição; ele me via como um estoque de peças sobressalentes.
Foi nesse momento que decidi desaparecer. Forjei minha própria morte, deixando-o com as ruínas de seu plano perfeito enquanto eu construía uma nova vida das cinzas.
Capítulo 1
Ponto de Vista de Camila Rezende:
Eu o encontrei comemorando o nascimento de gêmeos com outra mulher - uma mulher assustadoramente parecida comigo. Meu casamento de oito anos com Augusto Ferreira, o CEO de tecnologia meticulosamente organizado, se despedaçou sob as luzes fluorescentes da sala de espera do hospital.
Augusto sempre viveu de acordo com seu "plano de vida". Era um caderno grosso, de capa de couro, cheio de cronogramas precisos e caixas de seleção. Ele começou a planejar sua vida em detalhes minuciosos quando era adolescente. Lembro-me dele me contando sobre isso em nosso terceiro encontro. Ele sorriu, uma curva rara e suave de seus lábios, enquanto descrevia como traçou sua educação, seus marcos de carreira, seus investimentos. Cada decisão importante, desde a escolha do curso na faculdade até o ano exato em que lançaria sua primeira startup, era registrada, analisada e executada.
Ele sempre foi tão disciplinado. Eu admirava isso nele. Ele alcançava tudo o que se propunha a fazer, sempre. Quando ele disse que nos casaríamos aos vinte e sete anos, nós nos casamos. Quando disse que abriria o capital de sua empresa aos trinta, ele o fez. Sua vida era uma sinfonia de eventos perfeitamente cronometrados, cada nota tocada exatamente como planejado.
A única parte de seu plano que não havia se encaixado era ter filhos. Ele queria gêmeos, um menino e uma menina, até os trinta e cinco. Estávamos tentando há anos, uma luta compartilhada que parecia a parte mais profunda e íntima do nosso casamento. Cada mês que passava sem uma gravidez era uma dor silenciosa que suportávamos juntos.
"Sinto muito, Camila", ele dizia, sua mão apertando a minha gentilmente após mais um teste negativo. "Eu sei o quanto você quer isso. Prometo, vamos continuar tentando." Seus olhos continham uma tristeza distante, um reflexo da decepção que eu sentia. Eu sempre acreditei que era uma decepção compartilhada.
Eu sempre o confortava, puxando-o para perto, sussurrando que estava tudo bem, que tínhamos um ao outro e que nossa hora chegaria. Eu realmente acreditava que a dor dele era tão real quanto a minha. Pensei que éramos uma equipe, unidos contra este único obstáculo imprevisto em sua vida, de resto, perfeita.
Essa crença evaporou no momento em que o vi através do vidro do hospital.
Ele estava rindo, um som que eu não ouvia dele com uma alegria tão desenfreada há anos. Seu braço estava em volta de uma mulher que eu não reconheci. Ela era pequena, com cabelos longos e escuros, e uma pequena e distinta pinta em forma de lágrima logo abaixo do olho esquerdo. Ela se parecia tanto comigo que era como olhar para um espelho distorcido. Em seus braços, ela segurava um pequeno embrulho, um recém-nascido envolto em azul. Augusto se inclinou, pressionando um beijo em sua têmpora, seu rosto iluminado por um calor desconhecido.
Uma enfermeira, passando, parou para sorrir para a cena. "Ah, Sr. Ferreira, parabéns de novo! Eles são absolutamente lindos, esses gêmeos."
Gêmeos.
Minhas pernas pareciam feitas de chumbo. A palavra ecoava em meu crânio, oca e zombeteira. Gêmeos. A coisa que Augusto sempre sonhou. A coisa que não conseguimos alcançar.
Outro bebê, envolto em rosa, foi entregue à mulher na cama. Augusto pegou o embrulho azul dela, segurando-o com uma ternura que eu só tinha visto ele dirigir ao seu laptop. Ele olhou de sua amante secreta para os dois bebês, e de volta para ela, um retrato perfeito e feliz de uma família. A família dele.
A mulher na cama, minha sósia, sussurrou algo para ele. Ele assentiu, sorrindo, e se inclinou para ela.
"Que nomes devemos dar a eles, meu amor?", ela perguntou, sua voz suave, quase inaudível através do vidro, mas as palavras ainda me alcançaram.
Augusto fez uma pausa, olhando para os bebês. "Que tal Elias para o nosso menino, e Elara para a nossa menina?"
O mundo girou. O corredor do hospital rodou. Um pavor gelado se infiltrou em meus ossos, um frio mais profundo do que qualquer noite de inverno. Elias e Elara.
Lembrei-me de quando nos casamos. Estávamos sentados no sofá, folheando livros de nomes de bebês, cheios de sonhos juvenis. Ele apontou para esses nomes, seu dedo traçando-os na página. "Estes são perfeitos, Camila", ele disse. "Elias e Elara. Soam fortes, clássicos. Serão os nomes dos nossos filhos."
Eu os amei instantaneamente, imaginando rostinhos para combinar com aqueles sons lindos. Agora, esses nomes pertenciam a outras crianças, crianças nascidas de outra mulher, crianças que eu nunca soube que existiam até este momento esmagador.
"Sra. Ferreira?" A enfermeira estava de repente ao meu lado, sua voz gentil, sua mão em meu braço. "Você está bem? Parece um pouco pálida."
Eu murmurei algo, um som engasgado que não era uma palavra.
"Você deve estar tão animada pelo Augusto", ela continuou, alheia. "Ele está radiante de felicidade. Foi uma longa jornada para eles. Barrigas de aluguel sempre são, mas vale muito a pena, não acha?"
Minha mente girou. Barriga de aluguel. Gêmeos. Não foi um caso espontâneo. Isso foi planejado. Assim como tudo na vida de Augusto. Mas eu nunca fiz parte deste plano. Eu era a substituta. A peça de reposição. A esposa que estava se esforçando tanto para engravidar enquanto seu marido planejava meticulosamente uma família com seu verdadeiro amor.
"Aqui", disse a enfermeira, colocando uma pequena e macia camisa de algodão em minha mão. "A Sofia me pediu para te entregar. Ela achou que você gostaria de ver. É a primeira roupinha que os gêmeos usaram."
Sofia. O nome dela. O nome da mulher que compartilhava meu rosto e agora, a vida do meu marido. A camisa era feita de um algodão orgânico incrivelmente macio, um amarelo pálido. Meus dedos se apertaram em torno dela, o tecido de repente parecendo áspero, abrasivo contra minha pele.
Lembrei-me de Augusto me dando uma camisa semelhante, da mesma marca, do mesmo tom de amarelo, no meu aniversário, cinco anos atrás. Ele disse que era um símbolo, uma promessa dos futuros filhos que teríamos. Eu a guardei com carinho, em uma gaveta especial, esperando o dia em que pudesse vestir nosso bebê nela. Agora, eu entendia. Não era um símbolo do nosso futuro. Era um símbolo do futuro dele, com ela.
Minha cabeça começou a latejar. Eu precisava de respostas. Meus olhos percorreram o corredor, procurando por qualquer pista, qualquer pedaço de informação que pudesse explicar essa traição agonizante. Um médico passou, seu pijama cirúrgico um pouco amassado. Eu o conhecia, Dr. Tanaka, nosso especialista em fertilidade.
"Dr. Tanaka", chamei, minha voz rouca. Ele se virou, seu sorriso vacilando quando viu meu rosto.
"Camila. O que você está fazendo aqui?" Ele olhou para o quarto de Augusto, depois de volta para mim, um lampejo de compreensão, talvez até de pena, em seus olhos. "Sabe, às vezes, problemas de fertilidade nem sempre são o que parecem. Existem... muitas camadas na saúde de uma pessoa." Ele disse isso tão sutilmente, quase um sussurro, mas a implicação foi um trovão em minha mente.
Antes que eu pudesse pedir para ele elaborar, Sofia saiu do quarto, seu elegante roupão de hospital complementando seus traços delicados. Ela me viu, um sorriso de escárnio brincando em seus lábios. Ela passou por mim, seu corpo roçando o meu, e parou.
"Camila", ela ronronou, sua voz escorrendo uma doçura falsa. "Que bom te ver. Preciso só de um momento." Ela estendeu a mão, com a palma para cima. "Augusto deixou a carteira no quarto. Você poderia me emprestar um dinheiro? Preciso pagar a barriga de aluguel. Ela não aceita transferência, sabe."
Meu sangue gelou. Ela estava me pedindo dinheiro para pagar pelos filhos deles. A audácia era de tirar o fôlego. Eu a encarei, estupefata.
Sofia se inclinou, sua voz baixando para um sussurro conspiratório. "Augusto é muito particular sobre suas 'vitaminas'. E sobre o regime de 'vitaminas' para sua esposa." Ela encontrou meu olhar, um brilho triunfante em seus olhos. "Você talvez queira verificar seus próprios suplementos, querida. Nunca se sabe que surpresas pode encontrar." Ela piscou, um gesto cruel e conhecedor, e depois se afastou, me deixando ali, paralisada por uma nova onda de horror.
Meu mundo, antes tão estável e previsível, de repente parecia um castelo de cartas desmoronando ao meu redor. As peças do quebra-cabeça se encaixaram com uma clareza horrível. As dicas sutis do Dr. Tanaka, o aviso velado de Sofia sobre "vitaminas", os anos de infertilidade inexplicada, a percepção arrepiante de que Sofia se parecia comigo, até a pinta em forma de lágrima pela qual Augusto sempre fora tão fascinado.
Saí cambaleando do hospital, o ar frio da noite fazendo pouco para clarear minha cabeça. Minhas mãos tremiam enquanto eu procurava as chaves do carro. Dirigi para casa no piloto automático, minha mente uma tempestade de acusações e possibilidades aterrorizantes.
A primeira coisa que fiz quando voltei foi revirar nosso armário do banheiro. Escondido atrás de uma pilha de toalhas, em um pequeno frasco âmbar sem rótulo, eu as encontrei. Pílulas minúsculas, brancas, perfeitamente redondas. Não eram meus suplementos de ferro habituais. Pílulas anticoncepcionais. Meu coração martelava contra minhas costelas, uma batida frenética de traição. Isso não era uma infertilidade natural e trágica. Isso foi deliberado. Isso foi orquestrado.
As palavras de Sofia ecoaram em meus ouvidos: "Augusto é muito particular sobre suas 'vitaminas'. E sobre o regime de 'vitaminas' para sua esposa." Ele não estava me dando vitaminas. Ele estava, lenta e sistematicamente, envenenando minhas chances de concepção. Por anos.
Senti um grito gutural subindo em minha garganta, mas ele nunca escapou. Em vez disso, uma determinação fria e dura se instalou. Lembrei-me do pequeno gravador de voz que guardava na minha mesa de cabeceira, um hábito dos meus primeiros dias de jornalismo, para anotar ideias noturnas. Eu o peguei, meus dedos tremendo enquanto apertava o play.
Era uma gravação antiga, de cerca de seis meses atrás. Eu acidentalmente o deixei ligado depois de gravar uma nota para mim mesma, e não percebi que continuou a gravar por horas. Era uma conversa abafada, a voz de Augusto, baixa e intensa.
"Sofia", ele sussurrou, sua voz crua com uma emoção que eu nunca o ouvi dirigir a mim. "Meu amor. Finalmente está acontecendo. Meu plano. Nossos gêmeos. Você sempre foi destinada a ser a mãe dos meus filhos, a verdadeira parceira no meu plano de vida. A Camila foi... uma substituta necessária. Uma solução temporária até você voltar. Eu sabia que você voltaria para mim. Agora, tudo está finalmente se encaixando, exatamente como deveria ser."
Suas palavras foram um golpe físico, cada sílaba um caco de vidro rasgando meu coração. Substituta. Solução temporária. Meu corpo começou a tremer incontrolavelmente. A chuva lá fora começou a açoitar as janelas, espelhando a tempestade que se enfurecia dentro de mim. O trovão estalou, uma pontuação violenta para sua confissão.
Eu não era nada além de um adereço em sua vida meticulosamente elaborada, uma substituta até que seu "verdadeiro amor" retornasse. Meu casamento inteiro, meu amor, meus sacrifícios, meus sonhos de uma família - tudo uma mentira cuidadosamente construída. Eu era um erro que ele se recusava a reconhecer, um mero pontinho em seu plano perfeito.
Fiquei sentada ali, entorpecida, o gravador ainda tocando suas palavras ecoantes de devoção a outra mulher. A chuva caía, lavando o mundo lá fora, mas não conseguia lavar a sujeira de sua traição que se agarrava a cada fibra do meu ser.
Não dormi naquela noite. Apenas fiquei sentada, observando os primeiros raios hesitantes do amanhecer romperem as nuvens de tempestade, pintando o céu em tons de roxo e cinza machucados. Quando o sol finalmente nasceu, uma luz fria e clara, peguei meu telefone. Meus dedos tremiam enquanto eu discava um número que não ligava há anos.
"Alô, Seu Augusto?", eu disse, minha voz surpreendentemente firme. Era o pai de Augusto, Augusto Senior, um homem que eu respeitava profundamente. "Preciso te perguntar uma coisa sobre a Sofia Whitney. O primeiro amor do Augusto."
Houve um longo silêncio do outro lado, depois um suspiro. "Eu sabia que este dia chegaria, Camila. O que você quer saber?"
"Era verdade que o Augusto sempre planejou se casar com ela, ter filhos com ela?", perguntei, embora já soubesse a resposta.
"Sim", respondeu Seu Augusto, sua voz pesada. "Eles eram inseparáveis no colégio. Ele tinha toda a vida planejada com ela. Mas ela o deixou por outro homem depois da faculdade. Augusto ficou devastado. Você estava lá, não estava? Depois do acidente, quando eu precisei de ajuda, quando você praticamente salvou minha vida. Ele te viu, como você era gentil, o quanto você se parecia com ela. Ele apenas... te inseriu no plano."
Meu coração se apertou. Eu não tinha sido apenas uma substituta. Eu tinha sido uma peça de reposição, um substituto conveniente encontrado em um momento de desespero dele e de minha bondade involuntária. Eu tinha sido a enfermeira de seu pai após uma queda feia, e Augusto me viu então. Ele me perseguiu implacavelmente, e eu, ingênua e lisonjeada, me apaixonei.
"Seu Augusto", eu disse, minha voz quebrando um pouco. "Vou deixá-lo."
Houve outra pausa, mas desta vez, foi diferente. Parecia alívio misturado com tristeza. "Venha até mim, Camila. Nós vamos resolver isso." A linha ficou muda, me deixando com a certeza fria e dura da minha decisão.