"Você foi tão corajosa", ele elogiou. "Fez a mamãe acreditar que você estava em perigo. Era o único jeito de impedir que ela nos abandonasse."
A resposta dela destruiu o que restava da minha alma.
"Eu gosto mais da Brenda mesmo. Ela é mais bonita que a mamãe."
Eles acharam que tinham me quebrado, me transformado num farrapo de mulher. Então, eu os deixei acreditar. Forjei meu próprio suicídio e desapareci. Agora, três anos depois, eu voltei. De pé sobre duas pernas de aço polido, sou a CEO de um império da robótica. E estou aqui para incendiar o mundo deles até as cinzas.
Capítulo 1
Ponto de Vista: Helena
A primeira vez que meu marido tentou me matar, ele usou nossa filha de oito anos como isca.
Mas naquela noite, eu não sabia. Naquela noite, eu era apenas uma esposa que tinha descoberto que o marido estava dormindo com outra mulher. Uma mulher cuja faculdade eu pagava.
Brenda Santos.
O nome tinha gosto de cinzas e fel na minha boca. Deveria ser um nome sinônimo de esperança, um testamento ao espírito filantrópico da família Almeida Prado. A Bolsa Brenda Santos foi a primeira iniciativa que eu mesma lancei, um programa criado para tirar jovens mulheres ambiciosas da pobreza e levá-las a um futuro que mereciam. Brenda, com seus cabelos ruivos flamejantes e uma história de dificuldades no sertão nordestino que faria uma pedra chorar, foi a primeira a receber a bolsa.
A nossa primeira. A nossa mais brilhante.
E agora, o nome dela era um farol brilhando na tela do celular do meu marido, que ele, estupidamente, deixou na bancada de mármore da nossa ilha na cozinha.
B: Não vejo a hora de hoje à noite. Usa aquela camisa azul que eu adoro. bjs
Peguei o celular. Minhas mãos estavam firmes, uma calma estranha se instalando sobre o tremor que havia começado no meu peito. A senha de Eugênio era o aniversário da Laura. Claro que era. Ele sempre adorou bancar o pai dedicado.
O histórico de mensagens era um romance de traição. Semanas daquilo. Meses. Fofuras, planos sórdidos e fotos que eu nunca conseguiria apagar da memória. Fotos dele com aquela camisa azul. Fotos dela na nossa cama.
Meu mundo, antes uma gaiola dourada de tradição paulistana e eventos de caridade silenciosos, desmoronou num abismo de silêncio e gritos. O ar ficou denso, pesado. Eu não conseguia respirar.
Quando Eugênio entrou, assobiando, cheirando ao perfume importado caro que eu lhe dei no nosso aniversário, o vazio no meu peito se solidificou em um bloco de gelo. Ele era bonito, carismático, o homem que venceu na vida e que havia encantado uma das famílias mais antigas de São Paulo. A minha família. Ele sorriu, aquele sorriso brilhante, pronto para as câmeras, que um dia me deixou de pernas bambas.
"Oi, amor. O que tem pro jantar?"
Eu levantei o celular dele. "Mentiras, pelo visto."
O sorriso desapareceu. Seu rosto, geralmente uma máscara de confiança fácil, ficou pálido.
"Lena, eu posso explicar."
"Não", eu disse, com a voz vazia. "Só... não. Eu quero o divórcio, Eugênio."
O pânico puro brilhou nos olhos dele. Não o pânico de um homem prestes a perder o amor da sua vida. Era o terror de um homem prestes a perder a chave de acesso. A cobertura nos Jardins, a casa de praia em Angra, a cadeira no conselho da fundação do meu pai, a vida inteira que ele construiu sobre a fortuna da minha família.
"Você está fazendo um drama desnecessário", disse ele, baixando a voz para aquele tom apaziguador que usava quando eu questionava seus gastos mais extravagantes. "Não é o que parece."
"Parece que você está dormindo com uma garota de vinte e dois anos. Uma garota cuja faculdade eu estou pagando."
Antes que ele pudesse inventar outra mentira, meu próprio celular tocou. Era minha mãe. A rádio-peão da alta sociedade funcionava mais rápido que fibra ótica.
"Helena, o que é que eu estou ouvindo? Você não pode estar falando sério", ela começou sem rodeios, a voz ríspida de desaprovação. "Um divórcio? Nesta família? Você enlouqueceu?"
"Mãe, ele me traiu."
"Homens têm seus desejos, Helena. Você sabe disso. Lide com isso. Em silêncio. Você não vai explodir um casamento de uma década e arrastar o nome Almeida Prado na lama por causa de uma aventura qualquer."
Senti uma risada fria borbulhar na minha garganta. "Uma aventura?"
"Você é uma Almeida Prado. Você é melhor do que esse ciúme mesquinho. Pense na Laura. Pense na nossa reputação. Você vai consertar isso." A linha ficou muda.
Olhei para Eugênio, que teve a decência de parecer um pouco envergonhado, mas a vergonha foi rapidamente substituída por um lampejo de ressentimento. Ele odiava ser lembrado de sua dependência da minha família.
"Sua mãe está certa", disse ele, aproveitando a oportunidade. "Nós podemos resolver isso. Eu estava apenas... sendo um mentor para ela. Ela vem de uma origem difícil. Precisava de orientação."
"Orientação?", repeti, a palavra com gosto de veneno. "É assim que você chama? O batom dela no seu colarinho não era 'mentoria', Eugênio." Eu tinha visto na semana passada e escolhido acreditar na sua desculpa esfarrapada sobre uma estagiária desastrada. A lembrança era humilhante.
"Ela é uma criança, Helena! Você está se exaltando por causa de uma garota que me admira. Você tem quase quarenta anos. Não acha que isso é um pouco patético?"
"Não se atreva", sussurrei, o gelo no meu peito se partindo. "Não se atreva a usar minha idade contra mim depois de ter transado com uma garota jovem o suficiente para ser sua filha."
Ele recuou. O golpe o atingiu.
Eu soube então, com uma certeza que me gelou até os ossos, que era mais do que apenas sexo. Vi na forma como sua mandíbula se contraiu, no instinto protetor que brilhou em seus olhos. Ele não apenas a desejava; ele sentia algo por ela.
Ele havia me prometido. Depois do segundo aborto espontâneo, quando os médicos nos disseram que outra gravidez seria arriscada demais, quando minha família começou a sussurrar sobre a falta de um herdeiro homem, ele me abraçou. Ele jurou que não importava. Ele disse: "A Laura é tudo que precisamos. Você é tudo que eu preciso."
Isso foi há seis meses.
A memória era um fantasma, zombando de mim.
"Fora", eu disse, minha voz ganhando força.
"Helena..."
"Eu quero você fora deste apartamento esta noite. Meu advogado terá os papéis do divórcio prontos pela manhã. Você vai assiná-los, Eugênio. Você vai sair daqui apenas com a roupa do corpo."
"Você não pode fazer isso."
"Pode apostar que sim", eu disse, minha voz baixando para um tom perigoso. "Ou eu posso enviar o histórico completo de mensagens para a coluna do Léo Dias. E para sua mãe. Vamos ver o que o grupo da sua igreja vai achar da sua 'mentoria'."
A cor sumiu do rosto dele. Ele me olhou como se eu fosse uma estranha, um monstro que ele nunca tinha visto antes. O medo em seus olhos era puro, primitivo. Ele era um animal encurralado.
E então o celular dele tocou.
Não o que eu estava segurando. O outro celular dele. Um pré-pago.
Ele o arrancou do bolso do paletó, os olhos arregalados com um novo tipo de terror. Ele atendeu, sua voz um sussurro frenético.
"O quê? Agora? Você está louco?" Ele ouviu, seu rosto se desfazendo. "Não, não, não a machuquem. Por favor."
Ele olhou para mim, seus olhos suplicantes, cheios de um pânico tão real que atravessou toda a minha raiva e me atingiu direto no estômago.
"É a Laura", ele engasgou. "Eles pegaram a Laura."
Meu mundo parou. O chão inclinou sob meus pés. "Do que você está falando?"
Ele me empurrou o celular. "Eles a levaram do parque. Eles querem... eles querem um resgate."
Uma voz áspera soou pelo alto-falante. "Você tem uma hora. Marginal Tietê, galpão abandonado perto da Ponte da Casa Verde. Venha sozinha, Sra. Moraes. Ou sua filha paga o preço."
E então eu ouvi. Um soluço pequeno e aterrorizado que rasgou minha alma em duas.
"Mamãe! Me ajuda!"
Era a voz da Laura. Meu bebê.
"Laura! Querida, eu estou indo! A mamãe está indo!", gritei no telefone.
A linha ficou muda.
Eu não pensei. Não chamei a polícia. Não questionei o súbito segundo celular de Eugênio. Tudo que eu conseguia ouvir era o choro da minha filha. Peguei minhas chaves, minha bolsa, meu casaco.
Eugênio agarrou meu braço. "Lena, espere, talvez devêssemos ligar..."
"Não há tempo!" Eu o empurrei e corri para a porta, meu coração martelando contra minhas costelas como um pássaro preso. "Estou indo, Laura. A mamãe está indo."
O trajeto até o galpão foi um borrão de ruas molhadas de chuva e buzinas estridentes. Estacionei o carro, minhas mãos tremendo tanto que mal consegui desligar a ignição. O galpão se erguia diante de mim, uma silhueta esquelética contra o céu tempestuoso.
Corri para dentro, o espaço cavernoso ecoando com o gotejar de água do teto enferrujado.
"Laura!", gritei. "Onde você está?"
Figuras emergiram das sombras. Três deles. Homens de aparência rude, seus rostos duros e sem sorriso. Eles não pareciam sequestradores. Pareciam capangas.
O que estava na frente, um brutamontes com uma tatuagem de teia de aranha no pescoço, me olhou de cima a baixo. Ele tirou uma foto do bolso, olhou para ela, depois para mim.
"É, é ela mesma", ele grunhiu.
A confusão lutava com meu terror. Eles me cercaram, sua presença sufocante.
"Onde está minha filha?", exigi, minha voz trêmula. "Eu dou o que vocês quiserem. Apenas me deixem vê-la."
O líder riu, um som áspero e feio. "O chefe disse que você diria isso. Ele mandou dizer que o preço é de vinte e cinco milhões de reais."
Vinte e cinco milhões. O número era absurdo. Minha família tinha dinheiro, mas esse tipo de quantia em espécie não estava simplesmente parada em uma conta bancária. Levaria dias, semanas, para conseguir.
"Eu... eu não tenho isso agora", gaguejei. "Vai levar tempo. Quem é o seu chefe? Deixe-me falar com ele. Podemos chegar a um acordo."
O rosto do homem escureceu de raiva. "Você acha que isso é uma negociação?"
Ele avançou. Uma dor aguda e explosiva irrompeu na minha bochecha quando seu punho atingiu meu rosto. Cambaleei para trás, o gosto metálico de sangue enchendo minha boca.
Procurei meu celular, meus dedos tentando freneticamente discar 190.
Antes que eu pudesse apertar o botão de chamada, outro homem o arrancou da minha mão e o espatifou contra o chão de cimento. A tela se estilhaçou, o último elo com o mundo exterior se extinguiu.
Eles se aproximaram. Um chute no meu estômago me fez cair de joelhos, ofegante. Outro nas minhas costas. A dor floresceu por todo o meu corpo, quente e cegante.
Através da névoa de agonia, um único pensamento me manteve consciente. Laura. Eles tinham a Laura. Eu não podia correr. Não podia deixá-la.
"Por favor", solucei, rastejando no chão imundo. "Me levem. Me machuquem. Apenas deixem minha filha ir. Por favor, ela é só uma garotinha."
Eles riram. O som era impiedoso.
O líder me agarrou pelos cabelos, puxando minha cabeça para trás. Sua bota bateu na minha costela, de novo e de novo. Ouvi uma costela quebrar. Encolhi-me em uma bola, tentando me proteger, mas era inútil.
Um último e brutal chute atingiu minha cabeça. O mundo não escureceu. Ele se estilhaçou em um milhão de pedaços de dor, e então... nada.
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