Entretanto, nada me preparou para as condições absurdas que tinham descritas no testamento. Uma delas, era que eu deveria permanecer casada com meu tutor até completar 25 anos. A outra, era ser formada em Direito, para atuar como advogada e enfim herdar as empresas da minha família, já que todas eram do ramo da advocacia. Depois de tudo isso, eu poderia tomar o controle dos meus bens e da minha vida ao optar pelo divórcio, óbvio.
Meu tutor faleceu logo após os meus pais, decorrente de um infarto, com apenas 32 anos. Depois do ocorrido, eu tive que me casar com outra pessoa. Por infortúnio do destino, ele era o tio do meu tutor; outro desconhecido, mas desta vez com 27 anos.
Engraçado, não acha?! O sobrinho era bem mais velho do que o tio. Também achei estranho.
No dia do nosso casamento, eu não o vi. Ele apenas enviou a papelada pelo Bruno, o advogado que meu pai indicou para me auxiliar. Assinei um documento que dizia que eu era oficialmente casada com Henry McNight e isso foi tudo; sem festa, sem vestido ou convidados.
Depois, aconteceu outra mudança: eu teria que me mudar para a mansão que pertencia a Henry. No primeiro momento, fiquei ressabiada com a possibilidade de estar dividindo o mesmo teto com um estranho, mas logo me acostumei com o que o destino havia reservado para mim. A casa não era nada modesta, o lugar era enorme: dois andares e uma garagem, em que ficavam três carros.
Fazia três anos que estava vivendo aqui. Embora ainda existisse o medo de dividir o teto com um estranho, isso ainda não havia acontecido. A governanta, uma senhora de 50 anos de idade, era quem me fazia companhia. Sandra era uma mulher dedicada que me tratava como se fosse sua própria filha, e eu nutria um sentimento único por ela.
Estávamos tomando café da manhã quando tomei uma decisão.
- Sandra, você pode pedir ao Bruno para vir aqui?
- Claro, Liz. Mas posso saber o motivo? - ela me encarou por cima dos óculos.
- Quero o meu divórcio. Não aguento mais ficar casada com um homem que eu nem conheço. - Bufei.
- Calma, minha filha. Em três anos, você estará livre.
Eu só o havia visto por foto, uma que Sandra me mostrou uma vez. Apenas por isso, sabia que ele era loiro, alto, tinha olhos verdes intensos e cabelos castanho-claros. Na foto, sua barba estava por fazer e ainda assim o achei lindo. Nunca olharia para uma adolescente que, na época, tinha acabado de fazer 18 anos.
- Não, Sandra. Quero viver minha vida, aproveitar as coisas - afirmei. Ela deixou sua xícara de café e apenas me observou. - Não posso fazer nada disso sendo casada.
- Claro que pode. Saia com os seus amigos, aproveite!
- Senhora Navarro - disse Petter, o meu motorista.
-Já estou indo. Tchau, Sandra. - Peguei minha bolsa antes de dar um beijo em sua testa e seguir para a faculdade.
- Tchau, minha menina.
Nestes anos, morando na mansão, sempre tratei todos os funcionários com carinho. Eles foram a família que eu, há muito tempo não tinha e eram eles quem me faziam companhia.
Petter e Sandra namoram há um certo tempo. Ambos já foram casados e já sofreram demais, então optaram pelo namoro quando se conheceram.
Todos tinham o hábito de me chamar pelo sobrenome dos meus pais e eu preferia assim, pois sentia que o sobrenome McNight não me pertencia de fato. Em especial, porque quando Henry vinha a Nova Iorque, ele preferia se hospedar em um hotel, a estar no mesmo lugar que sua esposa jovem e indesejada.
Depois de algum tempo na estrada, enfim cheguei à fachada espelhada da minha faculdade, carregada de muito luxo. Passei pela catraca e logo avistei Ana, minha amiga maluca.
- Liiiiiz, amiga vem comigo, agora! - ela me puxou pela mão, toda eufórica. - Temos um professor novo.
- Nossa, que empolgação! Nunca te vi tão ansiosa para entrar em uma sala de aula.
- Não é pela aula, é pelo professor. Ele é simplesmente um gato - declarou com a voz carregada de duplo sentido.
Revirei os olhos e soltei uma risada. Minha amiga e sua obsessão pelos professores, que eram sempre gatos no ponto de vista dela.
Entramos na sala e nada me preparou para aquele momento. Minhas mãos suaram e minha boca ficou totalmente seca, enquanto percebia que ele estava lá, mais sedutor do que nunca: o meu marido desconhecido, em carne e osso, e muitos músculos, Henry McNight!
Arregalei os olhos, mas logo tentei disfarçar o quanto estava desconcertada pela situação.
- Mas que merda - declarei, mais alto do que gostaria.
- Eu te disse, amiga. Ele é um gato.
Minha amiga não fazia ideia de que eu era casada. Tudo o que sabia sobre minha vida, se resumia a ter uma herança boa o suficiente para me manter bem pelo resto da minha vida e a morar em uma mansão com Sandra e Petter. Ela, com certeza, deveria achar que os dois trabalhavam para a minha família.
Fui tirada do meu devaneio, quando uma voz rouca e muito sexy disse:
- Bom dia, sou Henry McNight. Continuarei com as aulas de Direito Civil e espero que seja proveitoso para todos. - Virou-se para lousa, e escreveu algo relacionado à matéria.
Droga! Justo a matéria que me dou mal.
Assim que nos sentamos, a aula começou, mas não prestei atenção em nada do que ele disse. Apenas conseguia observar a sua beleza, em como sua boca era tentadora e no fato de que tudo aquilo ali na frente, perante a lei, me pertencia.
E, pelo jeito que as minhas colegas de turma sussurravam e soltavam risos, não tinha sido somente eu que notei o quanto aquele homem era gostoso. Sua postura séria e seu meio-sorriso discreto, me dizia que ele sabia bem a reação que estava causando, mas não se deixou levar por isso, continuou sua aula que, ainda que eu não prestasse atenção, estava melhor do que as anteriores. Me sentia tranquila até que ele me encarou. Pelos olhos semicerrados na minha direção, me questionei se ele sabia quem eu era de verdade. Não, óbvio que não! Eu esperava mesmo que não.
- Vamos, Liz. A aula já acabou. - Ana me balançou de leve.
- É mesmo! - tentei manter o meu autocontrole.
- Agora limpa a baba e vamos para a próxima aula. - Ana riu.
Saímos em direção à porta e, nesse momento, eu tropecei nos meus próprios pés. Acabei caindo e derrubando todos os meus livros.
Que merda! Até parece um maldito clichê. Agora ele virá me ajudar a recolher o meu material.
- Você está bem? - Henry pergunta, se aproximando.
Tentei dizer algo, mas as palavras ficaram entaladas na minha garganta. Com a minha falta de resposta, ele se agachou e me ajudou com os livros. Nossos olhares se encontraram por uma fração de segundos.
Ele estendeu sua mão e eu aceitei, claro! Só aí, percebi que Ana estava paralisada ao meu lado, observando tudo com uma cara bem esquisita.
- O-o-obrigada! - não gagueje, Liz.
- Disponha! Só tente prestar mais atenção da próxima vez.
- Vamos, Ana! - Foi tudo o que falei. Sem respondê-lo, apenas saí, arrastando-a pelo braço.
- Você viu o tipo dele?! - indaguei assim que saímos da sala.
- Ele faz o meu tipo, Liz! - Ana suspirou.
- É mal-educado.
- Claro que não. Ele te ajudou.
Agradeci em silêncio quando o sinal tocou.
- Vamos! - puxei minha amiga outra vez, fazendo-a parar de encarar o professor, ou seria o meu marido?
Não posso negar que não prestei atenção em nenhuma das outras aulas. Só conseguia pensar naqueles olhos verdes. Ele era bem mais lindo do que na foto que havia visto. E, além de tudo, era meu marido. Tinha certeza de que ele não sabia quem eu era e esperava que continuasse assim, até ele assinar o divórcio.
Saí do meu devaneio, quando ouvi a voz da Ana.
- Você está bem, Liz?
- Sim - menti.
- Então, vamos. Foi a nossa última aula.
Olhei ao redor da sala, e estava vazia.
- Vamos!
- Hoje vai ter uma festa na casa da Samantha, vamos?
- Não estou muito bem. - Franzi o cenho com um olhar triste.
- O professor gostosão te deixou assim? - ela começou a rir.
- Claro que não - tentei mentir. - Estou com cólica. Ou acho que foi algo que comi e não me fez muito bem.
Seguimos para fora do corredor.
- Amiga, queria muito te fazer companhia, mas vou tentar dar uns beijos no Igor - ela afirmou, sem me surpreender. Ana sempre foi atirada e um pouco comportada.
- Boa sorte com ele.
Igor era a paixão platônica dela, não se interessava nem um pouco pela minha amiga. Infelizmente, todos viam isso, menos ela.
- Tá bom, obrigada. Até segunda. - Ana me abraçou e seguiu em direção ao portão.
Fiquei ali parada, apenas observando enquanto ela se afastava.
- Você está bem, senhorita? - ouço aquela voz rouca e sexy atrás de mim. Ainda que eu percebesse que ele não fazia a mínima ideia de que era casado comigo, meu corpo se arrepiou.
- Navarro! Liz Navarro - falei ao me virar, com um ar de ironia. Se ele pensou que me esqueci o quão grosseiro foi comigo, estava muito enganado!
- Desculpa. Levará um tempo até eu aprender o nome de todos os alunos.
Que voz maravilhosa a desse homem. E ele me tratou como uma simples aluna.
Não respondi nada, apenas me virei e segui em direção ao portão. Não olhei para trás.
- Senhorita Navarro? Senhorita?
Afastei-me enquanto o ouvia chamar por mim, e sequer olhei para trás. Ao passar pelo portão, senti um alívio descomunal quando vi o carro do Petter parado à frente e agradeci em silêncio por ele ser tão pontual. Entrei de súbito.
- Aconteceu alguma coisa, Liz?
- Nada não, Petter. - Tentei disfarçar, mas ele continuou a me encarar pelo retrovisor. - Acho que comi algo que não me fez bem.
- Quer ir ao médico?
- Não precisa. Um chá da Sandra já será o suficiente.
- Ok.
Ele ligou o carro e seguimos. Passei o caminho todo pensando nele. Assim que cheguei em casa, Bruno estava me esperando. O homem sempre tinha as feições sisudas, como se estivesse com um humor infernal.
- Bruno?!
- Oi, minha menina. - Sandra veio ao meu encontro. - Você está pálida. Aconteceu alguma coisa?
- Comi algo que não me fez bem. - Fiz uma careta para ela acreditar.
- Vou fazer um chá pra você - proferiu e foi à cozinha.
- Obrigada. - Coloquei minha bolsa no chão e me sentei no sofá oposto ao que o advogado estava.
- Tudo bem, Liz?
- Tudo bem, Bruno. A que devo a honra?
- O senhor Henry deseja falar com a senhorita sobre o divórcio.
- Não tem necessidade. Ele nunca teve interesse nenhum em saber quem eu era e agora do nada, apenas para assinar o divórcio, ele quer? Nem no nosso casamento ele veio. Não vejo necessidade de continuar com essa palhaçada, já durou mais do que deveria. Só mandar os papéis que eu assino, não é assim que funciona? - declarei, por fim.
- Ele virá à cidade pra fazer isso - explicou.
- Ele já está na cidade! - disse. Às vezes, não conseguia controlar a língua.
- Como?
- Eu vi em um jornal que ele já chegou aqui - tentei mentir.
- Ah, sim. - Pareceu acreditar.
- Fala pra ele só assinar os documentos. Quero viver minha vida, apenas isso. Diga o que for necessário.
- Olha, Liz, eu vou tentar. Não garanto nada. O senhor McNight tem um gênio muito forte.
- Isso é porque ele nunca me viu brava.
- Vou ver o que consigo, certo? - o olhar do advogado carregava uma certeza de que não daria certo a sua tentativa. - Eu te ligo.
- Agradeço muito!
Bruno se levantou e foi em direção à porta.
Será que meu marido é um "demônio"? Todos que falam dele parecem temê-lo.
Sandra voltou com o meu chá que, diga-se de passagem, era um chá horrível de boldo, mas tive que tomar tudo, pois não queria contar para ela o que tinha acontecido.