Enquanto o funeral da minha avó terminava, Lisboa tingia-se de um melancólico laranja no céu. Olhei para o ecrã do telemóvel e lá estava ele, o meu marido Tiago, a sorrir para as câmaras com o prémio na mão. "Tiago Soares Vence Prémio Revelação com Projeto Inovador", dizia a manchete. Liguei-lhe, mas a sua voz eufórica pela festa ignorava a minha dor. "Eva? Querida, viste? Eu consegui!" Antes que eu pudesse sequer respirar, ouvi a voz alegre da Sofia, a sua sócia e "melhor amiga", a chamá-lo. Ele desligou apressadamente, com um vazio "Amo-te", para celebrar a nossa conquista com ela. O projeto era o nosso sonho, que desenhámos juntos, mas o meu nome ficou de fora para que ele tivesse mais chances. E agora, enquanto ele celebrava, eu acabava de enterrar a minha avó, a quem dediquei os últimos meses, sacrificando tudo. O meu pai quebrou o silêncio: "Ele nem perguntou como foi o funeral." Tiago não se importava com a minha dor ou perda, apenas com o seu sucesso. Naquela noite, a sua voz ao telefone, cheia de raiva, acusou-me de ser "egoísta" e de causar "drama" por querer o divórcio. Ele disse: "Não podes esperar que eu pare o mundo! Esta noite era importante para a nossa carreira!" A Sofia, que supostamente "trabalhou tanto", não passava de uma executora, enquanto eu dei a alma ao projeto. Mas eu era a egoísta? "Ela ficou até tarde, sacrificou fins de semana!" bradou ele. E eu? Abandonei a minha carreira, abdiquei do meu nome, e passei seis meses a cuidar da minha avó, que se definhava. As lágrimas que contive o dia todo ameaçaram cair. Ele tinha-me apagado da nossa história, do nosso sonho partilhado. A mãe dele ligou ao meu pai, dizendo que eu estava a tentar sabotar a carreira do Tiago por ciúmes da Sofia. Ciúmes? Era assim que viam a traição, a quebra de confiança? A narrativa deles tentava pintar-me como a vilã, a esposa amarga e ressentida. Mas havia uma verdade a ser contada, a minha verdade. Eu precisava lutar pelo reconhecimento que me era devido, não por vingança, mas por princípio. Fui ao advogado. "O projeto foi submetido apenas em nome dele," confirmou a Dra. Campos. "Sim. Foi uma decisão mútua. Para aumentar as chances," confessei, com a vergonha da minha ingenuidade. "Não quero o dinheiro dele," disse eu, com uma clareza que me surpreendeu. "Quero o reconhecimento. Quero que todos saibam que aquele projeto também é meu." Quando ele veio, implorando, oferecendo dinheiro, eu finalmente disse: "Não se trata do dinheiro, Tiago. Trata-se do respeito. Trata-se da verdade." "Eu vou reescrevê-la. Com ou sem a tua cooperação." Naquele momento, enquanto ele se foi e o mundo tentava me derrubar, uma pequena semente de esperança germinou. Um concurso. Um pequeno projeto no Alentejo. Era uma chance de recomeçar, de construir algo que fosse verdadeiramente meu. E a única coisa que importava agora era provar a mim mesma, e a mais ninguém, que eu ainda era uma arquiteta. Esta não era uma batalha trivial, era a fundação da minha nova vida.