A Herdeira das Estrelas Perdidas

Ano 2279. Cidade de Ilyria - Instituto Astralis, Setor Alpha.

O céu artificial da cúpula acadêmica pulsava em tons azulados enquanto drones pairavam em silêncio, observando os estudantes mais brilhantes da capital tecnológica. Era o último dia da Seleção Anual - o momento que definiria quem receberia as chaves dos Laboratórios Astraeum, o topo da pirâmide da nova sociedade.

E ali estava ela: Rara Storm.

Pele alva como porcelana, com um brilho etéreo sob a luz artificial. Seus cabelos negros eram longos, lisos, mas fios prateados cresciam naturalmente entre eles, como se estrelas estivessem presas em sua cabeleira. Seus olhos - um âmbar quente e o outro um azul cinzento como metal - eram o que mais chamava atenção. Eles pareciam ver além da matéria.

Ela era um prodígio. Uma órfã sem passado, mas que dominava códigos, sistemas e inteligência artificial como se tivesse nascido para isso. E talvez tivesse mesmo.

- "Candidata Storm, parabéns. Seu projeto foi o mais votado pelo Conselho."

O painel digital flutuava diante dela, confirmando a vitória.

Mas o silêncio no salão era pesado. Os aplausos vieram lentos... forçados.

Do fundo, Darek Velron surgiu entre os estudantes. Seus cabelos castanhos mal penteados e postura desalinhada contrastavam com o uniforme perfeitamente ajustado. Era mediano em tudo - exceto no carisma. E por algum motivo, ele sempre tivera o que queria.

Até conhecer Rara.

- "Isso é uma farsa!" - ele gritou. - "Ela invadiu o projeto de outra equipe e usou dados confidenciais!"

A acusação caiu como uma bomba. Os drones começaram a gravar. O holograma central focou nos olhos dela, que arregalaram.

- "O quê?" - Rara deu um passo à frente, a voz embargada. - "Darek... você sabe que isso não é verdade!"

De trás dele, surgiu Lyra Halven, a amiga que sempre sorria demais. Olhos verdes, cabelo ruivo preso em tranças delicadas. Ela fingia ser delicada, mas seu veneno vinha no sorriso.

- "Temos provas." - disse Lyra, com um pen drive holográfico em mãos. - "Você roubou tudo. E manipulou os dados do sistema pra esconder."

A diretora se levantou, confusa.

- "Srtª Storm, isso é grave. Pode se defender?"

- "Eles estão mentindo!" - gritou Rara. - "Isso não faz sentido! Darek, você me pediu ajuda com esses códigos, eu só te ajudei, você estava ao meu lado, você-"

Tudo escureceu. Os murmúrios ficaram longe, era como se tudo tivesse em câmera lenta.

Darek riu. Frio.

- "Você realmente acreditou que eu te amava, Rara?" - Ele deu dois passos à frente. - "Você sempre foi... demais. Demais pra todos nós."

Ela congelou.

- "Você era a órfã especial, a 'raridade', a estrela caída do céu. Enquanto a gente... era só comum." - disse Lyra, agora sem fingir o carinho, seu rosto com desprezo puro. - "E ainda assim, você tinha tudo. Toda atenção. Todo brilho."

- "Você quer saber por que eu fiz isso?" - Darek cuspiu. - "Porque eu cansei de ser ofuscado. Porque eu escolhi alguém que me fazia sentir necessário. E você me fazia sentir... invisível."

Rara sentiu algo dentro de si rachar.

- "Você... manipulou tudo. Até minha confiança."

- "Não fui só eu." - disse Lyra, se aproximando com um sorriso quase piedoso. - "Você foi criada pra brilhar. Mas a luz que brilha demais... cega os outros."

Um campo de som começou a vibrar ao redor deles. Ninguém mais ouvia a conversa. Lyra ativara um dispositivo de isolamento acústico.

- "Eu nunca pedi pra ser admirada." - Rara respondeu, os olhos agora firmes. - "Eu só queria ser... parte de algo. Ser amada."

Darek hesitou. Por um segundo, seus olhos pareceram vacilar.

Mas era tarde.

O sistema de segurança disparou. Luzes vermelhas. Sentinelas automatizadas entrando em modo de contenção.

- "Ordem de prisão acadêmica autorizada."

A pulseira de Rara, até então um adorno antigo herdado do orfanato, aqueceu em seu pulso. E começou a se mover.

Uma serpente dourada surgiu dela, viva, energética, se enrolando por seu braço até o ombro. Os olhos de Rara brilharam com intensidade impossível. Pela primeira vez, ela sentiu o que sempre esteve lá: o poder esquecível de sua linhagem oculta.

Mas ainda assim, ela correu. Sabia que ali não poderia lutar. Não ainda.

Sumiu por uma janela holográfica, deixando apenas um rastro de luz dourada e confusão.

Do alto de um prédio da cidade, ele observava.

Kael Drayven.

Pele bronzeada, cabelos platinados cortados com precisão militar, olhos azul gelo. Seu físico forte era escondido por um sobretudo escuro com runas costuradas à mão. Um símbolo em forma de uma constelação Antiga ardia no seu pulso - uma tatuagem viva.

E quando viu ela, sorriu.

- "Finalmente... você acordou Rara"